VIOLÊNCIA POLICIAL

Mães de Osasco e Barueri precisam de ajuda para ato em memória da maior chacina policial de SP

A Chacina de Osasco e Barueri deixou pelo 25 mortos e 7 feridos entre 8 e 13 de agosto de 2015; Relembre o caso e saiba como doar para as vítimas

Ato em memória dos 8 anos da Chacina de Osasco e Barueri, realizado em 2023.Créditos: Divulgação/Associação 13 de agosto - Mães de Osasco e Barueri
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As Mães de Osasco e Barueri, que perderam seus filhos e filhas na maior chacina policial da história de São Paulo, lançaram uma campanha nesta segunda-feira (12) para arrecadar fundos a fim de realizar uma manifestação que rememora esse triste e dolorido episódio. A Chacina de Osasco e Barueri deixou pelo 25 mortos e 7 feridos entre 8 e 13 de agosto de 2015 em retaliação aos assassinatos de dois agentes de segurança. As vítimas, conforme apontou o Ministério Público, não tinham quaisquer relação com os crimes anteriores e foram escolhidas de forma aleatória.

O ato está marcado para o próximo sábado, 17 de agosto de 2024, em memória das vítimas da Chacina de Osasco e Barueri, e contará com a produção e instalação de placas com os nomes e fotos das vítimas nas sepulturas definitivas que algumas delas terão no ossuário Cemitério Municipal de Barueri, após a exumação que está marcada para 31 de agosto de 2024. Também estão previstos a presença das Mães de Maio e um almoço para os presentes.

Um fonte da reportagem na Associação 13 de Agosto – Mães de Osasco e Barueri explicou que, ao todo, o movimento precisa arrecadar R$ 2800 e que ainda está longe de alcançar o valor. A verba será usada para financiar as placas funerárias, o almoço coletivo e o transporte das Mães de Maio, que vêm de Santos.

Para contribuir, envie a quantia que puder no seguinte PIX: 238.879.378.56

Banner da campanha
Chamada para a manifestação de 17 de agosto de 2024

A Chacina de Osasco e Barueri

A maior chacina já registrada no Estado de São Paulo - que completa 9 anos nessa semana - ocorreu entre as noites de 8 e 13 agosto de 2015 nas cidades de Osasco, Barueri, Carapicuíba e Itapevi, na Grande São Paulo. À época, o caso chocou a população uma vez que câmeras de segurança de um bar filmaram algumas das execuções à sangue frio, perpetradas por homens encapuzados, no dia 13, em Osasco. As imagens correram o país, tanto na imprensa, quanto nos celulares e redes sociais dos brasileiros.

Segundo informações oficiais e divulgadas na grande imprensa foram 6 pessoas mortas em Carapicuíba e Itapevi em 8 de agosto, em retaliação pela morte do policial militar Admilson Pereira de Oliveira em um posto de gasolina naquela mesma data e região. Outras 17 pessoas foram mortas a tiros em 13 de agosto de 2015, 14 em Osasco e 3 em Barueri, dessa vez para vingar a morte do GCM de Barueri, Jeferson Luiz Rodrigues, que ocorreu no dia anterior à matança.

De acordo com o Ministério Público, as vítimas da vingança policial foram escolhidas aleatoriamente, sem qualquer relação direta com o objeto de vingança. Ao todo, oito agentes de segurança foram presos após investigação da Polícia Civil que precisou de um software que reconstitui dados apagados de celulares para encontrar os vínculos entre os acusados e os crimes, tamanho o ‘profissionalismo’ do grupo de extermínio.

Dos oito presos, três PMs e um GCM foram acusados pelos 17 assassinatos do dia 13, mas desde o princípio negaram seu envolvimento; dois deles foram condenados.

Fabrício Emmanuel Eleutério, de 37 anos, trabalhava no setor administrativo da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e está condenado a 255 anos, 7 meses e 10 dias de prisão; e Thiago Barbosa Henklain, de 35 anos, que trabalhava com o policial morto no dia 8, está condenado a 247 anos, 7 meses e 10 dias de prisão. O outros dois são os absolvidos em fevereiro de 2021: o GCM de Barueri Sérgio Manhanhã e o pm Victor Cristilder dos Santos.

Na noite daquele 13 de agosto, o quarteto teria começado a matança às 20h49min no Bar do Tim, localizado na Rua Astor Palamin, em Osasco, onde assassinaram duas vítimas: Igor Silva Oliveira, 19 anos e morto com 8 tiros, e Jonas dos Santos Soares, de 33 anos e morto com 4 tiros.

Caminho percorrido pela matança do dia 13 de agosto de 2015, dentro de Osasco. Reprodução: GoogleMaps

Em um intervalo de poucos minutos, antes que o relógio batesse as 21h, foram mais nove assassinatos. O primeiro, no caminho do alvo principal, foi Rodrigo Lima da Silva, estudante de 16 anos, que conversava com o dono da Bomboniere Sonho de Deus, na porta do estabelecimento à rua Professor Sud Menucci. Foram dois tiros ali mesmo, sem muita conversa.

Na sequência, foi a vez do Bar do Juvenal, na Rua Antônio Benedito Ferreira: ao todo, 8 mortos e 2 feridos. Ali, os agentes de segurança entraram encapuzados e as imagens das câmeras do bar puderam filmar as mortes de Adalberto Brito da Costa (morto com 4 tiros), Leandro Pereira Assunção (mecânico, 36 anos, morto com 6 tiros), Antônio Neves Neto (40 anos, 3 tiros), Manoel dos Santos (37 anos, 1 tiro), Eduardo Oliveira dos Santos (artesão, 41 anos, 3 tiros), Thiago Marcos Damas (auxiliar de escritório, 32 anos, 2 tiros), Fernando Luís de Paula (pintor, 34 anos, 1 tiro) e Tiago Teixeira de Souza (2 tiros).

Ainda em Osasco, um intervalo de meia hora separou essas primeiras 11 mortes da noite, das seguintes, que ocorreram numa região um pouco mais distante dos três primeiros atentados, mas no mesmo município. Na rua Moacir Sales D’Avila, o conferente Rafael Nunes de Oliveira, de 23 anos, foi morto com 5 tiros às 21h29. Mais três pessoas ficaram feridas ali.

Frame das câmeras de segurança do Bar do Juvenal, na Rua Antonio Benedito Ferreira, em Osasco. Reprodução

Nem cinco minutos depois foi a vez da adolescente Letícia da Silva, de apenas 15 anos, cruzar o caminho dos milicianos e tornar-se a vítima mais jovem da chacina na esquina da rua Suzano com a Avenida Alberto Byington, onde outras duas pessoas também se feriram.

Vinte minutos depois, o ajudante geral de 26 anos Deivison Lopes Ferreira teve a infelicidade de cometer o ‘crime’ de sair de casa, para ir caminhando até a casa de um amigo, quando cruzou o caminho dos autores e foi executado com 4 tiros na esquina da rua Vitantonio D’Abril com a rua Serafina D’Abril.

Já em Barueri, minutos após o assassinato de Deivison, foi a vez de Wilker Osório, de 29 anos, receber 21 tiros e 40 perfurações de arma de fogo pelo corpo. A barbárie ocorreu na rua Carlos Lacerda.

Naquela noite, o massacre, como apurado pelas autoridades e meios de comunicação, teria acabado mais ou menos duas horas depois de iniciado, perto das 23h, em Barueri, na rua Irene. Ali, Jailton Vieira da Silva (ajudante geral de 28 anos) e Joseval Amaral da Silva (37 anos) foram executados com 3 e 5 tiros, respectivamente. A esses dois últimos foram atribuídas ‘passagens pela polícia’ nas apurações da grande imprensa, sem mais explicações.

“Até hoje não se sabe com exatidão o número de vítimas fatais: inicialmente eram 19, depois passaram a ser 23 e, por vezes, são contabilizados 28 mortos. Já aconteceu de, durante atos por memória e justiça, uma pessoa passando pela rua ver a faixa, se aproximar e contar, emocionada, que é também familiar de uma vítima da chacina. Depois de abraços e contatos trocados, a pessoa passa a integrar o movimento. E a contagem aumenta. Essa repórter já presenciou isso duas vezes, em anos diferentes”, escreveu a jornalista Gabriela Moncau, em 2022 no Brasil de Fato, em matéria que falava sobre os atos da associação de familiares de vítimas e o fato de que, até hoje, nenhum deles foi indenizado pelo Estado.

PM acusado de envolvimento é reintegrado à PM por Tarcísio

O cabo da Polícia Militar Victor Cristilder dos Santos, de 38 anos, apontado pelas famílias das vítimas como um dos articuladores da Chacina de Osasco e Barueri, em 2015, foi reintegrado à corporação em maio de 2023 pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Cristilder chegou a ser expulso da PM e ficou cinco anos preso por conta do massacre, até ser absolvido em 26 de fevereiro de 2021.

Após a absolvição, a defesa do policial apresentou um recurso ao Órgão Especial de Justiça que, após avaliação, deu um prazo de 30 dias para o governador tomar a decisão. O recurso do PM pedia a revisão da expulsão imposta em 2019, antes de sua absolvição.

No dia 5 de maio de 2023, Cristilder esteve no Centro Administrativo da PM, na zona norte da capital, onde assinou os papéis de sua reintegração. Ele publicou o momento nas redes sociais.

Victor Cristilder dos Santos assina seu retorno à PMSP. Créditos: Arquivo Pessoal

É verdade que Tarcísio apenas cumpriu um rito legal e burocrático ao assinar a reintegração de Cristilder, afinal ele foi absolvido e pediu para retornar. No entanto, é digno de destaque que a Chacina de Osasco e Barueri deixou pelo menos 25 mortos e é a mais letal já registrada no Estado de São Paulo. A assinatura do governador que na última semana se disse “extremamente satisfeito” com a operação policial militar em curso no Guarujá, litoral do Estado, dá indícios de que a barbárie não tem hora para acabar no estado mais desenvolvido economicamente do país.

Entrevistada pela Revista Fórum à época, Maíra Coraci Diniz era a defensora pública de Osasco que cuidou do caso ao longo dos anos. Ela lembra que tanto as matanças de hoje, no Guarujá, como as de ontem, em Osasco e Barueri, tiveram a mesma motivação: vingar a morte de agentes de segurança.

"Em Osasco as vítimas não tinham nada a ver com as mortes dos policiais e agora no Guarujá estamos vendo a mesma coisa. No meu entender isso demonstra que o Estado não tem o controle das suas tropas e uma política de segurança requer exatamente esse controle. Deveriam investigar e encontrar o autor dos assassinatos dos policiais, mas tudo dentro da lei. É lamentável a postura do governo de São Paulo, sequer apresentou o resultado de uma investigação e já está legitimando a ação. Não teve uma investigação, uma análise e ele vai lá, legitima e dá os parabéns. Como assim?", questionou.

Absolvição de Cristilder em 2021

Cristilder é um dos quatro PMs presos pela matança ocorrida em 13 de agosto de 2015 que deixou 17 mortos e 7 feridos, e que compôs o quadro do que hoje se conhece como Chacina de Osasco e Barueri. Ao todo, o episódio abrangeu 14 atentados nas cidades de Osasco, Barueri, Carapicuíba e Itapevi (todas próximas umas das outras, no lado Noroeste da Grande São Paulo), entre 8 e 13 de agosto de 2015, deixando pelo menos 25 mortos e 7 feridos.

Mesmo com a pressão do movimento de mães das vítimas na porta do Fórum Criminal de Osasco, após cinco dias de audiências, o juri decidiu naquele fevereiro de 2021, por maioria, pela absolvição dos réus. Dessa maneira, a juíza Elia Kinosita aplicou a sentença. Cristilder e o guarda civil de Barueri, Sérgio Manhanhã (48 anos), foram absolvidos da acusação de participarem da matança. No dia seguinte ao veredito, já puderam deixar a prisão.

Esta foi a segunda absolvição de Cristilder que também havia sido acusado pelas execuções de 8 de agosto em Carapicuíba. O Ministério Público havia dito que o ‘Boy’, como é conhecido, fazia bico como segurança em um comércio local e, a partir dessa atividade – considerada ilegal se realizada por um policial em atividade – se aproximou de milicianos.

Em apuração do site Ponte, de 2015, Cristilder teria sido reconhecido por uma testemunha, que conseguiu fugir de um dos atentados daquele 8 de agosto e apontou diversas outras atividades criminosas por parte do então réu, tais como tortura, ameaça e intimidação à testemunha, venda de serviços ilegais de segurança, ligações com facções criminosas e até mesmo interceptação de carga roubada. Mas para o juiz do caso, era “humanamente impossível” que o réu realizasse todas essas atividades.

Em juri anterior, entre 2017 e 2018, os réus foram condenados a penas de 100 anos e dez meses (Manhanhã) e de 119 anos, 4 meses e 4 dias (Cristilder). Mas em 2019, a defesa recorreu sob a alegação de que os jurados votaram contrários às provas do processo – que contam, por sua vez, com mais de 30 mil páginas segundo apuração do G1 de 2021.

"Quem absolveu esses dois policiais, o Manhanhã e o Cristilder, foi o Tribunal de Justiça quando anulou a sentença do julgamento anterior. Eles já estavam condenados e aí teve a anulação, o que forçou um novo júri. A justificativa para a anulação era de que o julgamento foi contrário às provas dos autos. Mas e a soberania do júri? O outro júri tinha decidido pela condenação. Assim a acusação ficou muito enfraquecida no segundo júri", avalia Maíra Diniz.

Vitoriosa a defesa, as penas anteriores foram anuladas e ficou determinado um novo julgamento, em juri único para ambos, inicialmente marcado para novembro de 2020. A defesa ainda tentou habeas corpus para que a dupla respondesse em liberdade, mas ficou determinado que só seriam soltos caso absolvidos.

Dois dias antes de começar o novo e final juri, em 21 de novembro de 2020, o advogado de defesa da dupla, João Carlos Campanini, pediu adiamento alegando infecção por coronavírus. A nova data do júri seria então marcada para 22 de fevereiro de 2021 e, na ocasião, esse adiamento já causava indignação nas mães e familiares das vítimas, conforme apurou o jornalista Arthur Stabile para o site Ponte à época.

"É uma matança aos poucos das famílias, se fosse o contrário já teriam resolvido o caso”, declarou Zilda Maria de Paula, mãe de Fernando Luís de Paula, uma das vítimas do massacre.

As Mães de Osasco

Em 20 de fevereiro de 2021, sábado anterior ao início do juri, a Associação 13 de Agosto/ Mães de Osasco e Barueri, e toda uma rede de apoiadores que se formou, fez uma manifestação em frente da Estação Osasco da CPTM, em que entregaram materiais de divulgação sobre o caso, sobre a luta dessas mães e conversaram com as pessoas que por ali passavam.

“Nos manifestamos publicamente para exigir justiça e mostrar que essa dor não é só nossa, ela é pública e diz respeito a todas e todos”, dizia o panfleto, que também enfatizava que era pré-requisito o uso de máscaras e o respeito ao distanciamento social para participar do ato. O Brasil vivia ali o auge da pandemia de Covid-19.

Na segunda-feira seguinte(22), dia de início do julgamento, a partir das 9h, começou a vigília das mães em frente ao Fórum Criminal de Osasco. “Quem puder, leve uma vela branca”, dizia o chamado.

Mães de Osasco/Barueri dão as mãos em frente ao Fórum Criminal de Osasco. Créditos: Arquivo/LASInTec/Unifesp

Ao longo daquela semana, 24 das 40 testemunhas prestavam seus depoimentos entre os dias 22 e 24 de fevereiro, os réus eram interrogados no dia 25, e as famílias das vítimas se mantiveram presentes diante do Fórum até a sexta-feira (26), quando os últimos debates entre defesa e acusação se deram e a votação do juri tomou forma. Mas esse processo não esteve imune aos ataques feitos contra as mães das vítimas, conforme narra uma nota publicada à época pela Associação 13 de Agosto/Mães de Osasco e Barueri.

“Com 122 páginas de prints de seu Facebook expostos no telão, Zilda Maria de Paula, que perdeu seu único filho na chacina de Osasco e se organiza no grupo de mães das vítimas da Chacina de Osasco e Barueri, foi tratada durante seu depoimento como se a julgada fosse ela. Pessoas com quem passa o aniversário, sua relação com jornalistas e vínculo com outros movimentos de mães que lutam contra a violência do Estado foram colocados em suspeição e usadas como mote de pedido de explicações demandadas a ela pelo advogado dos policiais, João Carlos Campanini. No mesmo ato, o advogado sugeriu ser criminalizável não só o trabalho da imprensa que cobre violência policial, como qualquer tipo de solidariedade e engajamento político organizado entre familiares vítimas da letalidade estatal, inclusive nomeando jornalistas, o que as expõe à outras violências (…) Como se não bastasse, a defesa dos acusados usou um vídeo antigo e calunioso para atingir o Movimento Independente Mães de Maio. Nele, a ex-promotora Ana Maria Frigério Molinari afirma, sem mostrar qualquer tipo de prova, que grupos de Direitos Humanos seriam formados por mães de traficantes que, depois da morte de seus filhos em maio de 2006, teriam passado a gerenciar as chamadas ‘biqueiras’, pontos de comércio de substancias ilícitas, com o apoio do PCC,” denuncia a nota.

“Foi uma estratégia nojenta usar algo que não tinha nada a ver com o caso, meu Facebook, minha vida pessoal. Esse advogado me constrangeu na frente de todo mundo, mas como não devo nada, respondi a todas as perguntas. Mas é revoltante, até fotos minhas com uma jornalista ele usou. Mas tudo isso é só mais motivação para eu continuar com essa luta, com os grupos e as ONGs, preciso ajudar as mães e as crianças que estão desemparadas”, declarou Zilda Maria de Paula, por WhatsApp, a este jornalista, em março de 2021.

Zilda, mãe de Fernando, mãe de Osasco

“A gente sabe que a violência policial sempre existiu. Tanto que eu sempre falava pro meu filho não andar em turma, porque quando a polícia chega não pergunta, não quer nem saber. E meu filho naquela inocência ou confiança me dizia: ‘eu não devo nada’. Mas a polícia não quer saber se você deve ou não deve, tanto que esses meninos morreram sem saber. E quando isso aconteceu conosco, as mães começaram a se juntar e se conhecer. A partir daí formamos um grupo e estamos lutando até hoje por memória e reparação”, declarou Zilda Maria de Paula, mãe de Fernando, para episódio do Podcast 1049.

Zilda é uma mulher negra e está com 70 anos. Vivia com seu filho, trabalhava como empregada doméstica e levava uma vida relativamente tranquila, como contou ao podcast: “sem mexer com ninguém, ia na minha luta diária, procurando criar meu filho, educar e sempre pedindo pra ele não se envolver em coisas erradas por causa da violência policial, mas infelizmente deu tudo ao contrário. E bem, nós vivemos na favela, como a maior parte das vítimas”.

Zilda Maria de Paula, mãe de Fernando Luís de Paula, uma das vítimas do massacre. Créditos: Arquivo/LASInTec/Unifesp

Sua mãe era empregada doméstica e ela morou por muitos anos nas casas dos patrões da mãe, prática que ainda hoje existe, embora menos comum do que na infância de Zilda. Quando cresceu, sem estudo, sem trabalho e sem poder morar nos empregos da mãe, foi viver por muitos anos na rua, onde conta que aprendeu “muita coisa da vida”. Aos poucos, foi melhorando sua condição e conseguiu ir morar no bairro da Brasilândia, que já foi considerado um dos mais perigosos da capital paulista, e, após mais alguns anos, mudou-se para a favela do Jardim Munhoz Junior, em Osasco, onde está até hoje.

“Eu moro numa favela que costumo dizer que é uma das mais sossegadas que existem. Lá não tem tiroteio, nem nada, a não ser quando a polícia aparece para bagunçar o coreto. Todo mundo respeita todo mundo, eu podia dormir até de porta aberta porque me sentia segura. Agora não me sinto mais, porque tenho medo dos policiais irem lá me cobrar porque eu dou a cara a tapa. Até hoje não fui ameaçada, mas isso me dá medo”, contou.

Para ela, não apenas sua vida pessoal, mas o bairro também não é mais o que era anos atrás. “As crianças ficavam na rua até tarde. No natal e ano novo a turma se vestia de branco e ficava a noite inteira ali, hoje não tem mais isso. Mudou o comportamento de todo mundo porque as pessoas têm medo da polícia chegar e fazer mais uma vez o que fez anos atrás”, resumiu.

Apesar de ter amigos e parentes policiais, declarou que a polícia sempre lhe deu medo “pela violência que sempre existiu mas que de uns tempos pra cá se escancarou e desmascarou”. Para ela, a polícia escolhe o que faz, e contou que muitos lhe disseram que seu filho ‘estava no lugar e na hora errada’, o que rebate enfaticamente: “ele não estava nem no lugar e nem na hora errada; ele não estava matando, roubando, brigando, traficando e nem trocando tiros com ninguém”, defendeu.

Zilda conta que já pensou em parar de lutar e que às vezes pensa nisso porque a luta, mesmo que bem sucedida, não faria seu filho retornar. Mas também pondera que, por outro lado, a luta é um refúgio para ela que, vivendo sozinha, muitas vezes não tem com quem conversar sobre o assunto. Diz que nunca pensou que fosse participar de algo assim, mas que se não fosse à luta, iria ficar “sozinha em casa chorando, não em vão, mas por uma perda que jamais vai ter volta”.

Ela então começou a ser chamada pelos grupos e foi aí que viu que havia outras pessoas passando por essa dor. “Essa luta, pelo menos pra mim, é um motivo de você dividir a dor que não é só sua. A luta é o que me alimenta”.

“Não tive o direito a ter netos, e hoje vivo só pra mim mesma. Mas tenho sobrinhos, sobrinhos-netos, afilhados, e me preocupo muito com eles e com outros jovens e crianças que estão ao meu redor”, diz. Ela constrói um sentimento semelhante para com outras mulheres que a cada dia que passa vai conhecendo e vê que estão em situação semelhante à sua.

“Como eu precisei no começo, procuro vir e ajudar essas mães. O sentimento de mãe é um só. E você vê que cada caso é um caso, que cada história que aconteceu pode ser pior ainda do que a do seu filho. Tem histórias de meninos que foram massacrados antes de morrer, sofreram muito. O meu filho teve uma morte instantânea, nem sabe o porquê morreu. E eu não sei o que sentir: se é raiva, ódio ou revolta, entende?”