JUSTIÇA

Pai de aluno de medicina morto pela PM de Tarcísio envia carta a Lula: 'Não tenho mais alma'

Julio Cesar Acosta Navarro pede justiça pela morte do filho e critica gestão violenta de Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite

Estudante Marco Aurélio Cardena, morto pela PM de São Paulo.Créditos: Reprodução/Redes Sociais
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O pai do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, morto pela Polícia Militar de São Paulo com um tiro no dia 20 de novembro, enviou uma carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com um forte desabafo sobre a perda brutal do filho e com pedido de justiça. 

A carta foi publicada nas redes sociais do médico Julio Cesar Acosta Navarro. No texto, o pai diz que o assassinato do filho foi a "pior tragédia" que destruiu sua vida e de sua pequena família. Ele prossegue afirmando que a morte de Marco Aurélio foi da "maneira mais cruel e covarde, pelo Estado de São Paulo, às mãos de membros da PM e com a cumplicidade de toda a hierarquia superior".

"Hoje não tenho vida nem essência, nada. Um fantasma vale mais porque ele tem alma e eu não mais. A dor levaremos a vida toda até o final da nossa existência porque será o desígnio dos deuses, mas a angústia, a humilhação e a raiva contra os criminosos em busca da 'justiça dos homens' é o último que me resta agora", diz Julio em outro trecho da carta. 

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O pai também relata que na madrugada em que seu filho foi morto, ele pediu informações para ajudar no salvamento de Marco Aurélio, mas que os policiais negaram qualquer detalhes sobre a abordagem. 

Julio ainda cita indiretamente outros casos de violência da PM de São Paulo que chocaram o país no último mês. "Violência contra pessoas pobres e atitudes racistas, como foi o caso do meu filho, foram demonstradas claramente pelos crimes sobre outras pessoas e pelo sofrimento de famílias que se somaram à nossa tragédia, que agora é amplamente conhecida."

Ele ainda critica as posturas do governador Tarcisio de Freitas (Republicanos) e do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite. "Nesse inferno de fatos, ressalta a figura do Secretário de Segurança SP Guilherme Derrite, chefe superior da PM que, apesar de ser um oficial com antecedentes e frases incentivando a morte e violência, paradoxal e inexplicavelmente é responsável pela segurança dos cidadãos", diz em um trecho. Já em relação a Tarcísio, ele classifica como "hipócrita" o lamento público do governador após a morte do estudante, e se mostra desacreditado com as promessas de punições aos agentes que assassinaram seu filho. 

Por fim, ele pede justiça ao presidente Lula. "Apelo ao Sr. Presidente, minha última esperança para aliviar a dor da minha família, de outras mais e poder amanhã salvar nossos próprios filhos".

Leia a íntegra da carta

"Sr. Luiz Inácio Lula da Silva

Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil

Com o maior respeito e admiração que sempre tive pela sua trajetória de vida, gostaria que você ouvisse as minhas palavras.

Hoje cumpre-se 30 dias após a pior tragédia que destruiu minha vida e de toda a minha pequena família. O assassinato do meu filho Marco Aurélio, estudante de quinto ano da faculdade de medicina, cheio de saúde e alegria, da maneira mais cruel e covarde, pelo Estado de São Paulo, às mãos de membros da PM e com a cumplicidade de toda a hierarquia superior.

Cada manhã que acordo eu não encontro aquele meu garoto amante do futebol, da música e cheio de carinho. Sinto a dor dilacerante, a angústia e a raiva, de lembrar as últimas imagens dele me pedindo para salvá-lo, deitado numa sala de emergência, em choque hemorrágico, sussurrando: “Pai, me ajuda, pai, me ajuda...”. Hoje não tenho vida nem essência, nada. Um fantasma vale mais porque ele tem alma e eu não mais. A dor levaremos a vida toda até o final da nossa existência porque será o desígnio dos deuses, mas a angústia, a humilhação e a raiva contra os criminosos em busca da “justiça dos homens” é o último que me resta agora.

Os policiais militares Guilherme Augusto Macedo e seu comparsa Bruno Carvalho do Prado, que em maior número, maior tamanho, treinamento militar, superprotegidos e armados com todas as armas, atiraram covardemente à queima-roupa no meu filho que usava um short e um chinelo, por opção de sua personalidade.

Na sequência daquela madrugada de terror, membros da Polícia Militar, cujo responsável ainda é o Comandante Coronel Cássio Araújo de Freitas, desenvolveram uma cumplicidade que, ainda com meu filho lutando pela sua sobrevivência, divulgaram oficialmente falsidades, culpando meu filho, acusando-o de querer tirar a arma deles.

Violência contra pessoas pobres e atitudes racistas, como foi o caso do meu filho, foram demonstradas claramente pelos crimes sobre outras pessoas e pelo sofrimento de famílias que se somaram à nossa tragédia, que agora é amplamente conhecida.

Eu mesmo fui testemunha direta naquela madrugada da atitude de outros PMs em várias oportunidades, quando eu cobrava o paradeiro do meu filho ou informações do que tinha ocorrido para poder usar isso tecnicamente no salvamento cirúrgico do meu filho. Me foram negadas informações, além de que todos mostravam uma mania de pegar suas armas como se eu, baixinho, professor de paletó, cabelo grisalho fosse um “Rambo” ameaçador para eles.

Atitude aprendida muito bem nas academias militares com certeza. Nesse inferno de fatos, ressalta a figura do Secretário de Segurança SP Guilherme Derrite, chefe superior da PM que, apesar de ser um oficial com antecedentes e frases incentivando a morte e violência, paradoxal e inexplicavelmente é responsável pela segurança dos cidadãos.

Ainda na sua primeira manifestação pública, após se esconder da mídia e pedir apoio ao padrinho dele, outro personagem vulgar ladrão de joias, inescrupuloso e promotor da morte de centenas de milhares de vidas pelo Covid-19, Derrite ainda definiu o trabalho dele como “o bem” e as denúncias e reclamações pelos crimes da PM como a minha, com esta carta, define como “o mal”. Derrite mais parece um palhaço tirado dos tempos da Inquisição.

Finalmente o Sr. Governador Tarcísio de Freitas, célebre pela sua crueldade e desprezo pelo sofrimento de famílias, desafiando até a ONU, se burlando do público e afirmando publicamente que não estava “nem aí” incentivando a mais assassinatos pela PM sobre gente humilde.

Tarcísio, após 40 horas de pressão total de toda a mídia do país pelo covarde crime de Marco Aurélio, anunciou um lamento público hipócrita e uma promessa de punição severa aos culpados. Somente que, pelo que vi com muita dor nestes trinta longos dias de uma justiça sem tempo, os assassinos não sendo presos, os chefes da PM dando declarações à grande mídia com falsidades sobre o meu filho e outros dando risadinhas passeando em jatos particulares, Tarcísio não disse quando faria isso, porque se referia, claro, ao Juízo Final ou quando os extraterrestres invadem a Terra, esperto ele.

Apelo ao Sr. Presidente, minha última esperança para aliviar a dor da minha família, de outras mais e poder amanhã salvar nossos próprios filhos.

Dr. Julio Cesar Acosta Navarro.

Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo".

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