A Terra Indígena do Vale do Javari, localizada nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará, no oeste do estado do Amazonas, é a segunda maior reserva indígena do Brasil e um território sem lei. A ausência do Estado, agravada durante os quatro anos de Jair Bolsonaro no poder, garantiu o domínio do local pelo crime organizado e a escalada da violência.
Foi nesta reserva que ocorreu um crime bárbaro que repercutiu em todo o mundo. Em junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados, esquartejados e queimados quando faziam uma expedição pelo Vale do Javari.
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O primeiro passo para a retomada desse território indígena está sendo dado nesta segunda-feira (27). A convite da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), desembarca na região um comitê formado por representantes de vários ministérios e órgãos públicos. O objetivo é fortalecer a segurança do território.
O evento pretende consolidar as forças de segurança para garantir a proteção dos direitos indígenas, socioambientais e, também, de servidores públicos que atuam na fiscalização do território, além de ambientalistas e jornalistas, constantemente em risco devido ao trabalho desenvolvido na área.
O comitê que chega à reserva indígena é formado por representantes dos ministérios da Justiça e Segurança Pública, dos Povos Indígenas, dos Direitos Humanos e da Saúde - por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena -, além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional de Segurança Pública e Ministério Público Federal.
“Nosso intuito é ter uma política efetiva de proteção dos direitos humanos dos povos indígenas, atuando na segurança e na defesa daqueles territórios oprimidos por interesses antidemocráticos”, disse à Agência Brasil a secretária executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Rita Oliveira, que integra o grupo. Orientações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitidas por medidas cautelares serão observadas.
"O resgate da presença do Estado visa assumir o compromisso com o enfrentamento ao crime organizado e a retomada das investigações sobre as mortes registradas no território. E, ainda, a celeridade das investigações de ameaças contra defensores socioambientais, a partir da elaboração de plano integrado operacional de atuação do governo federal no Vale do Javari", informou o Ministério da Justiça, em nota.
Políticas permanentes
Durante a visita, uma série de ações na região serão anunciadas. Uma delas é a inclusão de defensores de direitos da região no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas. O governo federal também anunciará a repactuação com o executivo local para que a parceria do Programa de Proteção, que termina em 2023, seja renovada pelos próximos anos.
“A adequação do programa às necessidades e seu aprimoramento também estão em nossa pauta”, disse Rita Oliveira. A secretária lembrou os assassinatos do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips como exemplos de violações de direitos a serem enfrentadas para que novas tragédias não se propaguem.
Na visita também será criado um grupo de trabalho responsável por articular a estruturação de uma política de Estado permanente para os defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas, além dos povos indígenas, setores frequentemente ameaçados em suas liberdades e direitos no Amazonas.
“Ao longo de 180 dias, atuaremos para que um programa nacional seja criado e tenha a sensibilidade dos agentes do Legislativo a fim de que nossos esforços, com a participação social, sejam concretizados”, disse Rita Oliveira. A secretária disse ainda que um representante da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos seguirá na região para elaborar um plano de ação que oriente iniciativas específicas em proteção de pessoas ameaçadas ou alvos de ataques.
Povos isolados
A antropóloga Beatriz Matos, viúva de Bruno Pereira, também chega nesta segunda ao Vale do Javari. No dia 14 de fevereiro ela foi nomeada como diretora do Departamento de Proteção Territorial e de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato do Ministério dos Povos Indígenas.
Demarcada desde 2001, a TI Vale do Javari é habitada por diferentes povos indígenas, como os marubos, matsés, matis, kanamari, kulina, além de ao menos quatro grupos isolados, o que faz da região a que apresenta a maior densidade de povos indígenas isolados no mundo.
Caso Bruno e Dom
Bruno e Dom faziam uma expedição pelo Vale do Javari e foram vistos pela última vez no dia 5 de junho, quando passavam em uma embarcação pela comunidade de São Rafael (AM). De lá, seguiriam para o município amazonense de Atalaia do Norte. A viagem de 72 quilômetros deveria durar apenas duas horas, mas eles nunca chegaram ao destino.
Os restos mortais dos dois foram encontrados em 15 de junho. As vítimas teriam foram mortas a tiros e os corpos, esquartejados, queimados e enterrados. Segundo laudo de peritos da PF, Bruno foi atingido por três disparos, dois no tórax e um na cabeça. Já Dom foi baleado uma vez, no tórax.
Amarildo da Costa Oliveira, o "Pelado", Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como “Dos santos”, e Jefferson da Silva Lima, conhecido como “Pelado da Dinha”, estão presos em penitenciárias federais suspeitos de cometerem os assassinatos.
Além dos três acusados, no fim de janeiro, a PF apontou Rubén Dario da Silva Villar, conhecido como "Colômbia", como o mandante dos homicídios. Preso desde dezembro do ano passado, ele chegou a ser solto após pagar uma fiança de R$ 15 mil, em outubro. A prisão foi decretada novamente pela Justiça Federal após ele descumprir condições impostas quando obteve liberdade provisória. Colômbia também é investigado por pesca ilegal e tráfico de drogas.