FÉ E RESISTÊNCIA

Quem foi São João, o santo do povo e da alma dos Nordestinos

O profeta do deserto, primo de Jesus Cristo, que virou padroeiro da festa mais popular do Nordeste

Figuras típicas da festa nordestina
Quem foi São João, o santo do povo e da alma dos Nordestinos.Figuras típicas da festa nordestinaCréditos: Reprodução / Redes sociais
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São João Batista, uma das figuras centrais do cristianismo, é celebrado com fervor no dia 24 de junho, em uma das festas mais emblemáticas da cultura brasileira: o São João. Primo de Jesus Cristo e conhecido por batizar fiéis nas águas do rio Jordão, João Batista é reverenciado como o “precursor do Messias” — aquele que preparou os caminhos para a chegada de Cristo. Seu nascimento, ao contrário da maioria dos santos católicos celebrados em datas de falecimento, é o foco da festa, em uma tradição que remonta ao século IV.

São João Batista é uma das figuras mais importantes da fé cristã. Reconhecido como o último dos profetas do Antigo Testamento e o primeiro santo do Novo, ele teve a missão divina de preparar os caminhos para a chegada de Jesus Cristo. Seu nascimento foi considerado milagroso: filho de Zacarias e Isabel, já idosos e estéreis, João foi concebido por graça de Deus, conforme relatado no Evangelho de Lucas. Primo de Jesus, ele foi consagrado a uma vida de penitência e missão desde o ventre da mãe.

O nome João Batista tem origem bíblica e carrega significados profundos tanto na tradição judaico-cristã quanto na missão que ele cumpriu. "João" vem do hebraico Yohanan, que significa “Deus é gracioso”, nome que foi dado por Deus por meio do anjo Gabriel, ao anunciar ao sacerdote Zacarias que sua esposa Isabel, mesmo idosa e estéril, daria à luz um filho com esse nome (Lucas 1,13). "Batista" não é um sobrenome, mas um título que descreve sua missão: aquele que batiza. João ficou conhecido por realizar batismos no rio Jordão, como sinal de arrependimento dos pecados. Ele batizou milhares de pessoas e, principalmente, Jesus Cristo — momento que marcou o início da vida pública de Jesus.

João cresceu no deserto, onde viveu com simplicidade, vestindo roupas de pele de camelo e se alimentando de gafanhotos e mel silvestre. Sua pregação atraía multidões, e ele chamava o povo ao arrependimento e à conversão, batizando-os no rio Jordão como sinal de purificação. Foi nesse mesmo rio que João realizou um dos atos mais emblemáticos da história cristã: o batismo de Jesus. Ao ver Cristo se aproximando, ele proclamou: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.”

Homem de fé firme e coragem inabalável, João Batista também denunciou as injustiças de seu tempo. Criticou abertamente o rei Herodes Antipas por viver com Herodíades, mulher de seu irmão, o que lhe custou a prisão e, posteriormente, a vida. A mando de Herodíades (através de sua filha Salomé), João foi decapitado e sua cabeça entregue em uma bandeja durante um banquete real. Seu martírio selou seu testemunho profético e o tornou símbolo de fidelidade a Deus.

Mas é no Nordeste brasileiro que a devoção a São João ganha uma dimensão única. Muito além de um evento religioso, o São João se transforma em um verdadeiro espetáculo de cultura popular. Durante o mês de junho — e, em muitas cidades, também julho — vilas, cidades e capitais se enfeitam com bandeirolas, fogueiras, balões e palhoças. O som da sanfona ecoa pelas ruas, embalando forrós e quadrilhas. A comida típica à base de milho, o uso de trajes típicos e a simbologia do campo fazem da festa uma celebração da identidade nordestina.

O simbolismo da fogueira, por exemplo, tem origem cristã. Diz a tradição que Isabel, mãe de João, teria acendido uma fogueira para avisar Maria sobre o nascimento do filho. Essa chama passou a ser reproduzida nas festas como sinal de fé e comunhão. No entanto, no Nordeste, ela também serve como centro das celebrações — seja para aquecer, reunir, ou como ponto de partida das quadrilhas juninas.

O São João como pilar cultural nordestino

O ciclo junino — que inclui também as festas de Santo Antônio (13) e São Pedro (29) — é, no Nordeste, o equivalente ao Natal em outras regiões do Brasil. Campina Grande (PB) e Caruaru (PE) disputam o título de “Maior São João do Mundo”, mas a verdade é que a festa se espalha por milhares de municípios, movimentando economias locais, turismo e reafirmando tradições.

Durante o mês junino, milhares de pessoas retornam às suas cidades natais, num reencontro com raízes, parentes e afetos. A cultura popular explode em múltiplas formas: literatura de cordel, desafios de repentistas, concursos de quadrilha estilizada, festas de rua e celebrações religiosas que misturam missa, procissão e música regional. É a religiosidade que se mistura com o lúdico, o sagrado que dialoga com o profano — marca registrada da tradição nordestina.

Fé, resistência e identidade

A festa de São João resiste às transformações do tempo. Mesmo com a urbanização, a modernização e a influência de ritmos contemporâneos nos palcos principais, a essência permanece. A festa segue sendo rural, afetiva, de raiz. Representa a colheita, a gratidão, a religiosidade popular, e também a resistência de um povo que fez da alegria uma forma de sobreviver às secas, às desigualdades e às dificuldades.

São João Batista, com sua história de fé, coragem e profecia, encontra no Nordeste brasileiro não apenas devotos, mas continuadores de sua missão de renovação espiritual. Nas palavras cantadas ao som da sanfona, triângulo e zabumba, ele é exaltado não apenas como santo, mas como símbolo de uma cultura viva, que pulsa com orgulho e autenticidade.

O que não pode faltar no São João nordestino

Fogueira: apesar de proibida em algumas cidades, é uma tradição cristã e símbolo de união;

Quadrilha: dança teatral com origem europeia, adaptada pelo povo nordestino;

Forró pé de serra: Luiz Gonzaga, Dominguinhos e outros mestres eternizaram o ritmo;

Comidas típicas: pamonha, canjica, munguzá, bolo de milho, milho cozido, pé de moleque;

Balões e bandeirolas: decoram as ruas e remetem à tradição rural;

Missas e procissões: fé popular manifesta em igrejas e celebrações comunitárias;

Simpatias e adivinhações: sobretudo relacionadas a Santo Antônio e aos casamentos.

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