ECONOMIA

O polo industrial gigantesco no coração da Amazônia brasileira que surpreende o mundo

Alimentado por isenções fiscais, o grande polo industrial amazonense é especializado na produção tecnológica

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Em 1967, um decreto federal fundou, no município amazonense de Manaus, uma zona econômica franca que deveria incentivar a proliferação industrial na então isolada região amazônica.

O decreto envolvia a concessão de isenções fiscais e benefícios para empresas que se estabelecessem na região, numa extensão de 10 mil quilômetros quadrados entre a área urbana de Manaus e os municípios de Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo.

Os benefícios, no entanto, estendiam-se a partes amazônicas do Acre, de Rondônia e de Roraima, além do Amapá.

A intenção era criar um polo industrial gigantesco que desenvolvesse as localidades menos desenvolvidas dos estados e permitisse seu desenvolvimento e sua integração econômica. O polo produtor amazonense está localizado na Amazônia Ocidental, região que ocupa 25,8% do território nacional (metade dela representada pelo Amazonas), mas que tinha, até o começo dos anos 2000 uma densidade demográfica, não obstante, muito baixa.

Mapa da cidade de Manaus.
Créditos: Arquivo Nacional do Brasil

O projeto vingou. Três polos econômicos surgiram na chamada Zona Franca de Manaus (ZFM), que é, na verdade, Zona Franca da Amazônia: um comercial, baseado nas mercadorias que circulavam nos portos não tributados; um industrial, em que mais de 600 indústrias de alta tecnologia já se estabeleceram; e o agropecuário, que envolve a piscicultura, o beneficiamento de madeira e a produção de alimentos.

José Serra visita a linha de montagem da Honda em Manaus. Amazonas, 20/08/2010
Foto: Marcos Brandão/ObritoNews/Wikimedia commons

Entre os benefícios oferecidos para o desenvolvimento da região estavam a isenção sobre impostos de importação, que permitia a entrada de tecnologia internacional, e de exportação, a fim de escoar os produtos regionais; de impostos sobre produtos industrializados (IPI); um desconto parcial sobre o ICMS, imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços; e, além disso, isenções sobre o imposto de renda (IRF), o PIS (Programa de Integração Social) e o Cofins (contribuições para o financiamento da seguridade social).

O modelo, no entanto, é superavitário, evidencia a SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus), que regula as atividades na região. A arrecadação é maior do que os benefícios concedidos: "o Amazonas é um dos oito estados [brasileiros] que devolvem à União a arrecadação de tributos federais em valores acima do repasse compulsório".

Em 2017, por exemplo, o montante arrecadado na ZFM foi de R$ 13,9 bilhões, quase quatro vezes mais do que o valor das isenções e descontos oferecidos.

Os incentivos foram estabelecidos com um horizonte de 30 anos de duração. No entanto, foram estendidos pelo governo até 2073, para dar continuidade ao projeto de desenvolvimento econômico amazonense.

O projeto determina, além disso, que os lucros da produção devem ser reinvestidos localmente, inclusive na capacitação de pessoal qualificado.

Em fevereiro de 2025, ano em que cresceu 7,5% e teve o melhor resultado de unidades produzidas em uma década, a iniciativa — que mantém cerca de 112,5 mil empregos, de acordo com a Agência Brasil — completou seus 58 anos.

Sua produção está baseada principalmente em eletroeletrônicos (bens de informática), veículos de duas rodas e produtos agroindustriais.

Em 2023, um estudo divulgado pelo Banco Mundial que analisava a matriz econômica dos estados que compõem a Amazônia Legal evidenciava uma "perda de competitividade" expressiva no setor industrial da região, que "encontra cada vez mais dificuldade para atrair novas empresas", a despeito dos benefícios fiscais oferecidos. Isso incentivaria o setor econômico a um retorno à dependência da agricultura extensiva, sugeria o relatório, o que ameaçaria o equilíbrio ambiental da Amazônia Legal.

No entanto, a Suframa rebateu as críticas informando que havia registrado um recorde de arrecadação de sua série histórica, com R$ 174 bilhões. 

Uma análise econômica produzida pelo órgão, além disso, contextualizava o desenvolvimento da indústria regional da ZFM com a aplicação da Lei de Kaldor-Verdoorn, paradigma de desenvolvimento industrial que prevê uma relação entre o aumento do volume produzido e um equivalente aumento da produtividade [isto é, do nível de eficiência na relação de transformação entre insumo e produção]. 

Em 2022, de acordo com a Suframa, haviam sido aprovados 202 projetos técnico-econômicos na ZFM, 90 deles em implantação e a sugerir novos empreendimentos no polo industrial, e 65% deles em parceria com institutos de tecnologia da região, o que "contribui significativamente para a consolidação do ecossistema de inovação" regional. 

Os avanços regionais buscavam, sobretudo, superar alguns dos problemas identificados por um relatório produzido pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) em 1995, que identificava uma "produção primária insatisfatória" por falta de "políticas adequadas" na região, o que tornava Manaus dependente da importação de produtos agropecuários de outros estados; e, além disso, identificava o relatório, "a ZFM [havia] mostrado uma crescente dependência comercial em relação ao estrangeiro", um reflexo da "baixa propensão a exportar demonstrada por sua indústria". 

O regime fiscal estabelecido na ZFM equipara suas vendas internas a exportações, o que permite que suas empresas tenham os mesmos benefícios fiscais de empresas exportadoras.

Em 2024, as exportações da região somaram R$ 581,5 milhões, com 18 países como parceiros comerciais.

"A contribuição do Polo Industrial de Manaus nas exportações brasileiras envolve a re-exportação de seus produtos por outros estados brasileiros", diz um relatório apresentado pelos pesquisadores Jean-Marc Siroën, da Universidade de Paris-Dauphine, na França, e Ayçil Yücer, da Universidade de Dokuz Eylül, na Turquia, durante um seminário realizado pela SUFRAMA.

Isso significa que sua produção local é vendida internamente para outros estados do Brasil, e então "re-exportada" para destinos internacionais, especialmente outras nações parte do Mercosul.

Até 2024, de acordo com a CIEAM (Centro de Indústrias do Estado do Amazonas), a participação do Amazonas na indústria de transformação do Brasil era de 2,8%, com 41,57% do faturamento partindo do setor de eletroeletrônicos e informática. O segundo maior setor, o de veículos de duas rodas, responde por 18,73%.

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