SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)

PM atravessa atribuição da Polícia Civil e Justiça solta traficante

Apesar do sujeito estar com 342 porções de maconha, 556 de cocaína e 16 de crack, prisão foi considerada ilegal

Polícia MIlitar de São Paulo.Créditos: PMSP/Divulgação
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A Justiça de São Paulo revogou nesta quarta-feira (25), a prisão preventiva de um homem detido por tráfico de drogas, após considerar ilegal a operação que levou à sua prisão. A decisão, da juíza Carla Santos Balestreri, atendeu a um pedido do Ministério Público (MP) e foi baseada em diversas irregularidades cometidas pela Polícia Militar durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão.

A principal ilegalidade apontada foi o fato de a PM ter cumprido o mandado em um endereço diferente do autorizado judicialmente. O documento referia-se à Rua Arquiteto Professor Chaves, nº 1, na Cidade Tiradentes — onde funciona uma creche desde 2012 e que não foi visitada pelos policiais no dia da ação. No entanto, a prisão foi feita no nº 37 da mesma rua, no Conjunto Habitacional Castro Alves, cerca de 200 metros de distância.

No local, os policiais teriam encontrado uma mochila com 342 porções de maconha, 556 de cocaína e 16 de crack, além de R$ 136,05. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva. Contudo, o MP sustentou que a diligência foi ilegal, aplicando a chamada "Teoria da Árvore dos Frutos Envenenados", que invalida todas as provas obtidas a partir de uma ação irregular.

Mandado foi usado para devassa generalizada, diz MP

A promotora de Justiça Adriana Ribeiro Soares de Morais afirmou que o mandado foi utilizado de forma indiscriminada, como uma autorização genérica para entrar em diversas casas da rua, o que viola o direito constitucional à inviolabilidade do domicílio. “O mandado deve indicar com precisão a casa a ser diligenciada. Não pode abranger todas as residências da rua”, declarou.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já estabeleceram jurisprudência nesse sentido: mandados de busca e apreensão devem ser cumpridos estritamente no endereço especificado, sob pena de nulidade das provas.

Relatos de abusos e uso excessivo de força

O Ministério Público ainda destacou outras condutas ilegais dos policiais militares durante a operação:

  • Entrada sem mandado e ameaças: o pai do homem preso relatou que os PMs já estavam dentro da residência com armas em punho quando ele foi atendê-los, sem apresentar qualquer mandado.
  • Agressões e coerção: o filho teria sido agredido com chutes e obrigado a fornecer a senha de seu celular. O irmão foi ameaçado por “olhar para os policiais”.
  • Irregularidade no uso de provas digitais: segundo o MP, o celular do investigado foi acessado, mas não foi apreendido oficialmente, o que compromete a cadeia de custódia de uma suposta prova “importante” para o caso.
  • “Pescaria probatória”: moradores relataram que os policiais invadiram outras casas na rua sem mandado, uma prática condenada pelo Ministério Público por representar uma busca aleatória e abusiva por provas.

Associação de Delegados denuncia “usurpação de função”

A operação gerou forte reação da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, que acusou a PM de “usurpar funções investigativas”. “A Polícia Militar não pode investigar crimes. Está errado, é inconstitucional e vergonhoso. O resultado é esse: um traficante solto e PMs sujeitos a responsabilização”, afirmou o presidente da entidade, André Pereira.

Ele criticou o fato de policiais militares solicitarem e executarem mandados sem o devido encaminhamento pelas autoridades da Polícia Civil, responsável legal pelas investigações criminais no estado.

PM alega “área de tráfico com imóveis irregulares”

Em nota enviada ao g1 no início do mês, a Secretaria da Segurança Pública defendeu a ação da PM. Afirmou que os policiais “localizaram um depósito de drogas em uma área com imóveis irregulares” e que, com apoio de cães farejadores, apreenderam 3,4 kg de maconha e mais de 500g de crack.

Segundo a secretaria, a entrada nas casas foi feita com base em mandado para a região, em função da dificuldade de identificar endereços em corredores fechados usados pelo tráfico. Até o momento, não houve novo posicionamento do órgão após a decisão judicial.

Justiça decide pela liberdade

Apesar do volume de drogas apreendidas e dos antecedentes do preso, a juíza Carla Santos Balestreri considerou que as irregularidades tornaram todas as provas “ilícitas e inadmissíveis”, tornando inviável a manutenção da prisão. Com isso, o homem foi colocado em liberdade e o processo pode ser extinto se não houver outras provas válidas.

A decisão reacende o debate sobre os limites da atuação da Polícia Militar em investigações criminais e reforça a exigência de respeito às garantias legais para a validade das provas em processos judiciais.

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