EDUCAÇÃO

Universidades devem se adaptar para voltar a atrair jovens, defende Daniel Cara

À Fórum, professor da USP debate motivos que estão levando ao desinteresse dos jovens pelo Ensino Superior

Daniel Cara, professor da USP.Créditos: Jane de Araújo/Agência Senado
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Em entrevista ao Fórum Onze e Meia desta segunda-feira (3), o professor da Universidade de São Paulo (USP) e cientista político Daniel Cara debateu sobre a onda de desinteresse dos jovens em realizar um curso superior. O docente afirma que esse fenômeno é "complexo" e pode ser explicado analisando tanto interferências da estrutura da própria universidade quanto de novas construções sociais através de influência das redes sociais.

Daniel afirma que a educação perdeu o "efeito demonstração". "Ou seja, aquela aposta que você ingressa na universidade e vai melhorar de vida no futuro, carregando até a sua própria família, vai deixando de acontecer no mundo todo, não só no Brasil. E aí se soma a isso, esse movimento dos coaches mirins e dos coaches, enfim, de toda essa ideia de empreendedorismo. Isso fragiliza ainda mais a importância da Educação Superior", diz o professor. 

Ele explica que para se criar cursos que podem ser mais atrativos aos jovens de hoje teria que haver uma mudança estrutural no corpo docente das universidades, devido à falta de professores especializados nas áreas, como gastronomia e design de games. Porém, há um grande obstáculo na reformulação das faculdades para abrir espaço para esses novos cursos.

"Esses cursos exigem uma mudança analógica da universidade. Por exemplo, eu sou hoje do Conselho Universitário da USP e se a gente ofertasse um curso de gastronomia, nós não teríamos professores com Mestrado e Doutorado em gastronomia suficientes para dar conta da demanda. Então, teria que construir um curso que seria um curso tecnológico. O curso tecnológico caberia nos Institutos Federais, mas com muita dificuldade, teria que mudar também as regras. E caberia também em cursos técnicos. O problema é que o mercado de trabalho é tão saturado nessa área que vai exigir formação em curso de graduação", explica o professor.

Nesse sentido, Daniel afirma que como as universidades privadas são mais "permissivas" com o objetivo de lucratividade, com o processo de formação e com a exigência de formação dos professores, elas acabam tendo uma "vantagem comparativa". 

Já nas universidades federais, a dificuldade é maior. "A gente deveria criar alternativas que permitissem a formulação desses cursos. O problema é que essa [questão] é quase que tocar numa vaca sagrada. Então, a gente vai ter uma dificuldade grande", diz Daniel. 

O professor ainda aponta outro problema em relação às possibilidades de se alcançar cargos superiores no mercado de trabalho a partir da área de formação. "O problema maior é que, assim, o cara que, de fato, vai ser o chefe, no caso da indústria de games, é o cientista da computação, o matemático, o engenheiro. Então, o design de games já é diferente de gastronomia, porque é um curso que, na prática, não oferta alternativas para o mercado de trabalho. Agora, gastronomia tem. Mas é um mercado saturado", avalia. 

"Então, é uma questão que a gente tem que ter coragem de debater com tranquilidade, tem que enfrentar as nossas vacas sagradas", defende Daniel.

A ascensão dos influencers e o desinteresse no ensino superior

Daniel ainda expõe outra grande preocupação em relação ao desinteresse dos jovens no Ensino Superior, que é resultado da ascensão de influenciadores como exemplo de sucesso para essa população.

"Agora, o problema que mais me preocupa, de fato, é o desinteresse pela universidade, que é crescente, inclusive em relação a esses cursos. Isso me preocupa porque no fundo significa que os jovens brasileiros já não pensam no futuro. Eles acreditam que é possível viver alternativas de presente sem planejamento, tentando ser influenciadores nas redes sociais. Então, isso que mais me preocupa", pontua o professor. 

Daniel defende que há vários caminhos para se construir uma carreira, porém, isso não deve ser motivo para abdicar da Educação Superior. O professor expõe exemplos de pessoas que cursaram graduação e pós-graduação, além de cursos fora das universidades, de diferentes áreas, e conseguiram mesclar os conhecimentos para construir uma carreira de sucesso. 

"Por exemplo, [em relação aos] diplomatas, a maior aprovação de uma determinada época no Instituto Rio Branco não eram de alunos das Relações Internacionais, eram de alunos da História, Geografia e cada vez menos da área de Direito, Economia. E, sinceramente, o Brasil tem um corpo diplomático que eu considero, comparando com outros países, muito bom e com muita capacidade técnica.

"Então, você pode construir vários caminhos, o que não dá é para abdicar da Educação Superior. Eu acho que esse é o recado principal", finaliza o educador. 

Confira a entrevista completo do professor Daniel Cara ao Fórum Onze e Meia:

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