A delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, apresenta o ex-presidente como peça central na tentativa de golpe de Estado e detalha a atuação de militares e assessores próximos no esquema para manter o então chefe do Executivo no poder. Além da articulação para questionar o resultado das eleições, o depoimento de Cid expõe uma rede de fraudes, como a inserção de dados falsos em cartões de vacinação e o desvio de bens públicos.
Os personagens do golpe e a tentativa de golpe militar
Segundo Cid, Bolsonaro não apenas discutiu um golpe, mas chegou a revisar um decreto prevendo a prisão de ministros do STF e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A delação revela que o plano foi apresentado por Felipe Martins, ex-assessor internacional da Presidência, que estava acompanhado de um jurista e um padre. O documento original previa múltiplas prisões e a anulação das eleições, mas Bolsonaro teria reduzido a lista para manter apenas a detenção de Alexandre de Moraes e a convocação de novas eleições.
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O ex-ajudante de ordens também relatou reuniões com os comandantes das Forças Armadas. O almirante Garnier (Marinha) teria se mostrado favorável a um golpe, enquanto o general Freire Gomes (Exército) e o brigadeiro Batista Junior (Aeronáutica) rejeitaram a ideia. O ex-ministro da Defesa Braga Netto, por outro lado, atuava como elo entre Bolsonaro e os manifestantes golpistas.
Fraudes em vacinas e desvio de joias
Outro eixo da delação envolve a falsificação de cartões de vacinação. Cid afirmou que Bolsonaro ordenou diretamente que os dados de vacinação dele e de sua filha Laura fossem adulterados, com a participação de Max Guilherme, Sérgio Cordeiro e Ailton Barros. O objetivo era evitar restrições sanitárias em viagens internacionais.
O esquema de desvio de bens também aparece no relato do militar. Bolsonaro teria determinado a venda de joias recebidas em viagens internacionais para enriquecimento ilícito. Cid detalhou a revenda de relógios de luxo nos Estados Unidos e a remessa do dinheiro em espécie para Bolsonaro, com a participação de Frederick Wassef, Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara.
Gabinete do ódio e ataques à democracia
A delação reforça a existência do Gabinete do Ódio, uma estrutura paralela de comunicação comandada por Carlos Bolsonaro e operada por Tércio Arnaud, José Mateus e Mateus Sales, responsáveis por espalhar desinformação e atacar opositores.
A participação do ex-presidente nas estratégias de desinformação ia além da retórica: segundo Cid, Bolsonaro pessoalmente encaminhava mensagens falsas pelo WhatsApp, incentivando suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas e minando a credibilidade das instituições.
Lista dos citados na delação e seus papéis
A seguir, as pessoas mencionadas no depoimento de Mauro Cid e o papel de cada uma, conforme o documento:
Políticos e ex-integrantes do governo Bolsonaro
- Jair Bolsonaro – Acusado de planejar um golpe de Estado, ordenar a fraude nos cartões de vacina e desviar bens públicos.
- Carlos Bolsonaro – Coordenava o Gabinete do Ódio e influenciava postagens desinformativas nas redes sociais.
- Eduardo Bolsonaro – Participava do grupo de aliados que pressionava Bolsonaro por medidas extremas.
- Onyx Lorenzoni – Integrava o grupo radical que incentivava um golpe de Estado.
- Ciro Nogueira – Atuava como conselheiro político de Bolsonaro no pós-eleição.
- Braga Netto – Ligação entre Bolsonaro e os manifestantes que pediam intervenção militar.
- Valdemar Costa Neto – Pressionava por uma ação mais dura contra o sistema eleitoral e participou das tentativas de questionamento das urnas.
- Magno Malta – Defendia publicamente que Bolsonaro resistisse ao resultado das eleições.
- Gilson Machado – Integrava o grupo próximo que incentivava Bolsonaro a resistir ao resultado eleitoral.
- Felipe Martins – Apresentou a Bolsonaro o decreto do golpe e intermediou reuniões sobre o tema.
- Anderson Torres – Tinha proximidade com Bolsonaro e foi citado em discussões sobre segurança pública no pós-eleição.
Militares citados
- Almirante Garnier (Marinha) – Apoiava uma intervenção militar e disse que a Marinha estava pronta para agir.
- General Freire Gomes (Exército) – Rejeitou a ideia de um golpe, alertando para os riscos.
- Brigadeiro Batista Junior (Aeronáutica) – Se opôs ao golpe e reforçou que não havia fraude nas eleições.
- General Paulo Sérgio – Pressionado por Bolsonaro para questionar o sistema eleitoral.
- General Arruda – Citado como uma das figuras militares preocupadas com os radicais no entorno de Bolsonaro.
- General Mário Fernandes – Tentava convencer outros militares a aderirem ao golpe.
- Coronel Câmara – Intermediou a ida do hacker Walter Delgatti ao Ministério da Defesa para questionar a segurança das urnas.
- General Lourena Cid (pai de Mauro Cid) – Guardava bens desviados e ajudava na movimentação do dinheiro obtido com a venda de joias.
Assessores e operadores dos esquemas
- Osmar Crivelatti – Assessor de Bolsonaro, ajudava a movimentar dinheiro em espécie e a recuperar bens desviados.
- Marcelo Câmara – Auxiliava Crivelatti na operação de recomprar joias e na gestão de bens de Bolsonaro.
- Frederick Wassef – Advogado de Bolsonaro, responsável por recomprar um relógio Rolex nos EUA.
- Max Guilherme – Ajudou na fraude de cartões de vacina.
- Sérgio Cordeiro – Participou da fraude dos cartões de vacinação.
- Ailton Barros – Inseriu dados falsos no sistema do Ministério da Saúde.
Operadores do Gabinete do Ódio
- Tércio Arnaud – Coordenava a produção de fake news contra opositores.
- José Mateus – Operava redes sociais para atacar instituições.
- Mateus Sales – Atuava na divulgação de conteúdo manipulado.
- Allan dos Santos – Jornalista bolsonarista, citado no contexto de ataques virtuais.
Outros envolvidos
- Walter Delgatti (hacker) – Apresentado a Bolsonaro por Carla Zambelli para questionar as urnas.
- Carla Zambelli – Levou Delgatti a Bolsonaro e teria articulado tentativas de invasão ao sistema eleitoral.
- Naban Garcia – Integrava o grupo que defendia que Bolsonaro deixasse o Brasil.
A delação de Mauro Cid foi homologada pelo ministro Alexandre de Moraes e se junta a outros inquéritos que investigam a tentativa de golpe e os crimes cometidos durante o governo Bolsonaro. O material servirá de base para o julgamento do ex-presidente de demais denunciados pela Procuradoria-geral da República nesta última terça-feira (18).