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“Crise do celular” na Marinha expõe atrito entre comandante e tropa

Tensões internas na Marinha revelam distanciamento entre a liderança e a tropa, agravadas por decisões controversas do comando de Marcos Sampaio Olsen

O Almirante Olsen, comandante da Marinha.Créditos: Marinha do Brasil/Divulgação
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A Marinha do Brasil enfrenta uma crise crescente que expõe o distanciamento entre o comando e a tropa. Questões relacionadas à infraestrutura precária, falta de condições básicas de trabalho e medidas impopulares têm ampliado as tensões internas, colocando a liderança de Marcos Sampaio Olsen sob forte escrutínio. Entre os episódios mais polêmicos está a proibição do uso de celulares, amplamente criticada como uma tentativa de silenciamento. Segundo membros da força ouvidos pela coluna, a proibição do uso de celulares seria uma tentativa de evitar a divulgação de imagens que expõem problemas estruturais, como limpeza inadequada, organização precária e falta de equipamentos básicos.

O almirante Marcos Sampaio Olsen, comandante da Marinha, é visto por muitos como parte da "realeza" da força, alguém distante da tropa e suas necessidades. Essa percepção agrava ainda mais o distanciamento entre as patentes mais baixas e o alto comando, evidenciando uma falta de identificação com as dificuldades da base militar.

No contexto dessa crise, uma publicação no site Sociedade Militar também trouxe novos elementos que corroboram o descontentamento generalizado. A matéria revelou denúncias de militares sobre a precariedade da infraestrutura nos quartéis e criticou medidas vistas como desconectadas da realidade enfrentada pela tropa. 

O vídeo da Marinha e a tentativa de aproximação com a tropa

Outro ponto de tensão foi a publicação de um vídeo institucional no Dia da Marinha, que gerou desconforto tanto entre a tropa quanto no Palácio do Planalto. O conteúdo do vídeo, que criticava supostos "privilégios" na força, foi amplamente interpretado como uma tentativa desesperada de aproximar o comandante da tropa. No entanto, em vez de gerar uma conexão, a peça acabou exacerbando as tensões e reforçando a percepção de distanciamento, além de abrir uma crise com o presidente Lula e membros do Palácio do Planalto e até mesmo com Fernando Haddad, ministro da Fazenda.

A coluna também revelou anteriormente que as tensões não se limitam às relações com a tropa. Advogados de militares que enfrentam processos administrativos na Marinha também criticaram o comando pela previsão de gravação de audiências, considerada uma afronta aos direitos de defesa. Essas medidas, somadas às recentes restrições impostas aos celulares, só aumentaram o descontentamento interno.

Caso do advogado preso aumenta tensões

Recentemente, mais um episódio agravou o cenário de tensões na Marinha e o uso de celulares. O advogado e cabo reformado Adriano Carvalho da Rocha foi preso ao tentar registrar um documento em um quartel da Marinha no Rio de Janeiro. Segundo relatado, Rocha teria desobedecido ordens militares ao tirar fotos e gravar vídeos dentro da instalação. A prisão gerou críticas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que classificou o ato como uma afronta ao exercício da profissão e um abuso de autoridade.

Em nota, a Marinha justificou a prisão com base no Código Penal Militar, alegando que Rocha desrespeitou normas internas e tentou transmitir imagens ao vivo de dependências militares. O episódio reacendeu debates sobre o controle e as tensões entre o comando e advogados que representam militares em processos administrativos, ampliando a percepção de autoritarismo na gestão de Olsen.

Apoio entre oficiais e explicação para a permanência de Olsen

A permanência de Marcos Sampaio Olsen no comando da Marinha, mesmo após o polêmico vídeo, é explicada em parte por seu forte apoio entre os oficiais da força. Olsen é frequentemente descrito como parte da "realeza" da Marinha, com uma identificação muito maior com as altas patentes do que com a tropa. Apesar disso, analistas apontam que uma eventual troca no comando dificilmente deflagraria uma crise entre os militares de patentes inferiores, reforçando a ideia de que sua manutenção tem mais a ver com dinâmicas políticas do que com estabilidade interna.

Para o Palácio do Planalto, a troca de comando seria vista como um risco desnecessário em um momento de desafios com outras forças armadas. O presidente Lula, embora ciente das tensões, parece ter optado por evitar novos confrontos, mantendo Olsen como uma figura capaz de dialogar com setores mais conservadores da hierarquia militar. Conforme revelado pela coluna, o episódio envolvendo o vídeo acabou sem qualquer punição aos envolvidos na criação e publicação da peça.

Uma liderança em xeque

A crise atual na Marinha ilustra os limites da liderança de Olsen em estabelecer uma relação de confiança com a tropa. Medidas como a proibição de celulares e a tentativa de aproximação através de vídeos institucionais parecem ter surtido o efeito oposto ao desejado, aprofundando as divisões internas. O recente episódio da prisão do advogado Adriano Carvalho da Rocha, somado às críticas da OAB e ao descontentamento entre advogados e militares, reforça a percepção de que o comando de Olsen enfrenta desafios crescentes para equilibrar autoridade e diálogo. Embora o comandante ainda conte com o respaldo do governo, o descontentamento crescente entre os militares de patentes mais baixas pode transformar a situação em uma crise insustentável.

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