CASO DOS PRESENTES

Governo Lula tenta reverter decisão do TCU que pode beneficiar Bolsonaro no caso das joias

Advocacia-Geral da União entra com recurso para mudar o entendimento do Tribunal de que presentes dados a chefes de Estado possam ser classificados como patrimônio pessoal

O advogado-geral da União Jorge Messias.Créditos: Emanuelle Sena/ AscomAGU
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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), tenta reverter uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), tomada no início de agosto. A determinação do TCU permite que presentes recebidos por chefes de Estado, durante o exercício de seus mandatos, sejam considerados patrimônio pessoal, em vez de bens da União.

Na última sexta-feira (6), a AGU protocolou um recurso com o objetivo de modificar o entendimento da Corte sobre o tema. Em 7 de agosto, o TCU decidiu sobre uma ação apresentada pelo deputado federal bolsonarista Sanderson (PL-RS). Ele havia solicitado que Lula devolvesse um relógio de ouro da marca francesa Cartier, avaliado em R$ 60 mil, recebido em 2005. Motivado pelo indiciamento de Jair Bolsonaro no inquérito sobre as joias sauditas, Sanderson buscava que a regra fosse aplicada de forma semelhante a todos os ex-presidentes. No entanto, por maioria, a Corte decidiu que Lula e outros ex-presidentes não precisariam devolver os presentes recebidos. Os ministros entenderam que, na ausência de legislação específica sobre o assunto, os mandatários não poderiam ser punidos ou obrigados a restituir os itens.

Essa decisão contraria um posicionamento anterior do próprio TCU, que, em março de 2023, havia determinado, de forma unânime, que Jair Bolsonaro deveria devolver artigos de luxo recebidos da ditadura saudita, com base em uma regulamentação de 2016. Quando Lula recebeu o relógio, essa regulamentação não existia, o que o isenta da obrigação de devolver o item.

"A nova compreensão da Corte de Contas – em sentido oposto aos precedentes estabelecidos pelos acórdãos nº 2.255/2016 e 326/2023 – viola o interesse público, afronta os princípios da razoabilidade e da moralidade administrativa e causa danos ao patrimônio cultural da União", afirmou a AGU.

Ao apresentar o recurso, a AGU segue o exemplo do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU), que também recorreu contra a decisão. O objetivo não é necessariamente exigir que Lula devolva o relógio, mas evitar que a decisão favoreça Jair Bolsonaro no inquérito sobre as joias, do qual ele é alvo no STF.

"A discussão do assunto no TCU iniciou-se com uma representação, com pedido de medida cautelar, apresentada por um deputado federal. Baseado em reportagens de agosto de 2023, ele alegou que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mantinha em sua posse um relógio presenteado pelo presidente francês em 2005. No entanto, a Unidade de Auditoria Especializada em Governança e Inovação do TCU (AudGovernança) verificou que o item foi presenteado pela própria fabricante do relógio, e não por um chefe de Estado ou de governo. Portanto, o item não está abrangido pelas diretrizes que exigem sua incorporação ao patrimônio público. A instrução técnica também concluiu que, ainda que o entendimento sobre presentes tenha mudado ao longo dos anos, a jurisprudência vigente em 2005, quando o relógio foi presenteado, permitia sua classificação como de natureza personalíssima", explica a nota da AGU.

Os advogados de Bolsonaro, por sua vez, estão utilizando a decisão do TCU para pedir o arquivamento do inquérito no STF.

Indiciamento de Bolsonaro no caso das joias

Em julho, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, tornou público o relatório da Polícia Federal sobre o indiciamento de Jair Bolsonaro no caso das joias. O documento contém informações e indícios de que Bolsonaro teria liderado uma organização criminosa para desviar mais de R$ 6 milhões, obtidos pela venda de joias e artigos de luxo pertencentes ao Estado brasileiro, que foram retirados do acervo da Presidência da República.

Bolsonaro foi indiciado, junto com outras 11 pessoas, pelos crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. O relatório aponta que o ex-presidente teria utilizado o dinheiro das vendas ilegais das joias para custear despesas de viagens aos Estados Unidos, onde parte dos itens foi vendida.

Para o jurista e professor Pedro Serrano, caso os fatos descritos no relatório sejam confirmados, "a situação [de Bolsonaro] se complica. E muito", ressalta.

"É necessário aguardar a denúncia, a defesa e o devido processo legal antes de qualquer conclusão definitiva, mas, caso se comprove que Bolsonaro utilizou o valor da venda das joias para custear viagens internacionais, sua situação ficará muito complicada", escreveu Serrano em suas redes sociais.

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, afirmou à revista Fórum que o indiciamento de Bolsonaro no caso das joias é "gravíssimo", e que as provas apresentadas pela Polícia Federal são "abundantes".

"Nós estamos começando a entender o quadro. A Polícia Federal foi muito cuidadosa. O trabalho demonstra que Bolsonaro e os outros indiciados cometeram peculato. Fica cada vez mais claro que Bolsonaro ordenou a venda das joias, sabia disso, concordou e coordenou a organização criminosa", analisou Kakay.