O discurso do pastor André Valadão contra a entrada de fiéis nas universidades, que repercutiu nas redes sociais nesta quarta-feira (19), reforça o projeto supremacista branco, o racismo e o controle de classes, de acordo com o ativista pelos direitos humanos Lucas Louback.
Ele analisa que, em sua grande maioria, a comunidade evangélica é formada por pessoas negras e pobres, que vivem realidades de imensa desigualdade e têm o acesso à educação como um dos únicos caminhos para ascenderem socialmente. Ao mesmo tempo, André Valadão fala de um lugar de extremo privilégio. Vindo de uma família rica de Minas Gerais, hoje o pastor também ostenta uma vida de riqueza e faz parte de uma igreja localizada em Orlando, nos Estados Unidos.
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"A fala de Valadão, deslocada da realidade do Brasil, é completamente danosa porque a influência dele desloca essas famílias pobres, que já sofrem em suas realidades, para um estado de anestesia", afirma o ativista.
Em uma das falas do pastor, ele afirma que, ao invés de entrarem nas universidades, os fiéis deveriam vender picolé. Sem muita coincidência, já que muitos brasileiros precisam trabalhar em empregos informais para sobreviver, Louback conta que, somente hoje, esbarrou com seis vendedores pelas ruas. Um deles era uma mulher que, com seu filho no colo, vendia panos de prato para tentar pagar os três meses de aluguel atrasado, e que estava prestes a ter sua conta de água cortada.
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"Quando ele fala de vender picolé numa naturalização sem nunca ter dependido disso e sem saber o quanto é difícil para essas pessoas terem o mínimo num país desigual, é uma violência à dignidade humana", diz Louback, que reforça que o problema não está em vender picolé, o que o próprio já precisou fazer para se manter, mas sim em não considerar os motivos que levam a esse trabalho.
Outro ponto que Louback ressalta é a insensibilidade com a realidade brasileira onde as pessoas negras são as mais afetadas por conta do processo de escravização e racismo. "Por isso que o discurso do Valadão serve a um projeto supremacista, que naturaliza a condição de subserviente dos trabalhadores como se isso fosse normal, desconsiderando todo o sofrimento causado pelo sufocamento econômico que essas pessoas vivem".
Dentro desse cenário, é justamente a educação - desvalorizada e criticada por Valadão - que vai ser o principal instrumento para tirar essas pessoas de uma vida de completo sofrimento social. "Eu estudei a minha vida inteira em colégio público e sou um homem negro. Então, eu sei da dificuldade e precarização da educação dentro do sistema público, mas ainda assim é um dos pouquíssimos instrumentos para você conseguir alcançar um nível econômico de dignidade de vida nesse país. Então, quando ele rejeita isso, ele está desprezando esse instrumento em nome de um projeto que é deslocado do mundo", afirma Louback.
"O projeto espiritual de André Valadão, que é o antagonismo à universidade, é de deslocamento do mundo e de alienação, e isso para ele, dentro de um ambiente de privilégio, é interessante", acrescenta.
Em outro trecho de seu discurso, Valadão afirma que quem entra na universidade vira "vagabundo" e desbocha de pais e mães que têm o sonho de verem seus filhos formados.
"'Vagabundo' vira sinônimo de sofrimento eterno e de ida para o inferno. Mas e o sofrimento dessas pessoas aqui no mundo agora, esse inferno de vida que muitas pessoas vivem e que abraçam a fé para continuar acreditando num futuro melhor?".
Eu sou uma pessoa que acredita em Jesus, mas a gente acredita numa fé que emancipa, que chama para a realidade, para a educação, justiça, equidade e paz, coisas que no discurso dele se desprezam. Ele despreza o sonho de mães e pais brasileiros evangélicos de ver o filho e a filha tendo um destino diferente dos deles, de sofrimento e de dor, pela via da educação.
Louback ainda cita o estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que mostra que uma criança brasileira pobre leva cerca de oito gerações para sair da pobreza. "Ou seja, ela é fadada a viver pobre", diz. "Então, o discurso dele serve a um projeto supremacista branco mesmo que indireto e subjetivo".
Extrema direita
Louback ainda acrescenta que a extrema direita, espectro político do qual Valadão faz parte, soube adotar muito bem esse projeto supremacista branco já que o Brasil, assim como os Estados Unidos, nunca conseguiu se livrar completamente do racismo que escravizou pessoas negras durante séculos.
O ativista explica que, por mais que o projeto supremacista branco não esteja, atualmente, dado de uma maneira evidente, ele permanece sobretudo em células dentro da extrema direita global, que colabora com ideias que condicionam pessoas pobres e negras para dentro de um ambiente de subserviência e de exploração.
"Por isso, quando o Valadão faz esse discurso contra a universidade, no fim das contas, ele não está tolerando que pessoas pobres e negras possam chegar onde ele chegou. Então, devem permanecer onde estão".
O ativista reforça que, apesar de ser apenas uma das vertentes, há uma forte linha religiosa que demoniza linhas acadêmicas que, no final das contas, gera negacionismo, pouco engajamento cívico e desrespeito aos princípios laicos. "As consequências disso são graves demais, porque a gente sabe que, no mundo competitivo, onde a formação acadêmica é um pré-requisito, as pessoas perdem oportunidade de trabalho sem diploma".
*A vendedora vendia panos de prato, e não picolé, como escrito anteriormente. A matéria foi atualizada às 21h26 para a correção.