OPERAÇÃO “VINGANÇA”

Entidades de Direitos Humanos detalham crimes da PM de Tarcísio na Baixada Santista

Em relatório assinado por 13 entidades são narrados os relatos de familiares de vítimas fatais, invasões de domicílio e abordagens policiais violentas; Até quando?

Policiais da Rota revistam homens no Guarujá (SP) em 2023.Créditos: Reprodução/Alma Preta
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Treze entidades de Direitos Humanos publicaram na última segunda-feira (26) o Relatório de Monitoramento de Violação de Direitos Humanos na Baixada Santista Durante a Segunda Fase da Operação Escudo, em que denunciam e detalham uma série de crimes cometidos pela polícia militar do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) no litoral de São Paulo. Ao longo do relatório são narrados os relatos de familiares de vítimas fatais, que também contam histórias de invasões de domicílio e abordagens policiais violentas.

O relatório dá conta dos abusos e violações cometidos desde o último mês de janeiro, quando a Operação Escudo foi retomada após a morte de Samuel Wesley, agente da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). Já são 34 mortos desde então, e as justificativas policiais são sempre as mesmas: “os suspeitos foram baleados após troca de tiro com a PM”.

“No mês de fevereiro uma nova fase da operação se iniciou, e o gabinete do Secretário Derrite se transferiu em caráter emergencial para a cidade de Santos. Segundo a Secretaria, essa medida foi tomada visando estancar a morte de policiais e colocar ordem na cidade. Todavia, com a volta da Operação Escudo inúmeras denúncias em redes sociais e grupos de WhatsApp, assim como denúncias à Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo começaram a circular em uma velocidade ainda não vista, mesmo na primeira fase da operação”, diz trecho introdutório do relatório.

Nesse contexto as entidades se reuniram e, em conjunto, foram à Baixada Santista em 11 de fevereiro para coletar os depoimentos de vítimas e familiares de vítimas de 5 casos que aconteceram entre os dias 7 e 9. Veja, ao final da matéria, quais são as 13 entidades envolvidas com o relatório.

Dois amigos mortos enquanto conversavam na calçada

O primeiro caso relatado pelas entidades é o de dois homens executados pela Polícia Militar em 9 de fevereiro no Morro do São Bento, em Santos. Policiais do 4º Batalhão de Choque Comando de Operações Especiais (COE) da PM foram os responsáveis pelo crime.

As vítimas tinham relação de amizade e conversavam na calçada quando foram surpreendidos pelos PMs, que surgiram de uma mata vizinha aos tiros de fuzil. Os policiais alegariam que os amigos estavam armados e “trocaram tiros” com eles, mas as famílias negaram a narrativa oficial.

Logo após o crime, os policiais isolaram a área e impuseram um toque de recolher na rua, proibindo que moradores saíssem de suas casas. Os policiais teriam tirado fotos para postagem nas redes sociais. Familiares das vítimas afirmaram que os corpos foram colocados um sobre o outro, formando uma cruz, e que os policiais dificultaram o socorro. Ambos foram removidos do local por uma ambulância do corpo de bombeiros e levados para a Santa Casa de Santos, onde o óbito foi constatado na mesma noite.

As famílias alegam ter sido impedidas de ver as marcas dos projéteis nos corpos durante a liberação para o velório e que a polícia praticamente realizou uma “ronda ostensiva” na cerimônia. A mãe de uma das vítimas afirmou que não houve perícia do crime e que os corpos foram removidos já mortos pelas ambulâncias. Já a namorada de uma das vítimas denunciou que foi agredida pelos PMs quando, desesperada com os acontecimentos, tentou se aproximar do local da execução.

A esposa da outra vítima declarou que seu companheiro era Pessoa com Deficiência (PCD), usava muletas e não teria a menor condição de atirar nos PMs.Moradores da região ainda relataram que acreditam que um Õnix prata que circula a dar tiros pela região seria guiado por policiais fora de serviço.

Dois jovens mortos dentro de casa

Em 7 de fevereiro, policiais do 1º Batalhão de Choque – Rota invadiram a residência de uma das vítimas e o matou enquanto estava deitado no sofá, jogando games no celular. A mãe, a irmã e um sobrinho de dois anos estavam no local assistindo TV, tomando café e presenciaram o crime. A outra vítima é um amigo que tinha acabado de chegar para visitá-lo.

Os agentes da Rota invadiram o domicílio sem portar câmeras corporais ou identificação na farda. Fuzis foram apontados para as mulheres e para a criança. Em seguida se dirigiram ao cômodo onde estavam os jovens e os executaram.

Os policiais alegam que foram chamados para reprimir o tráfico de drogas ali, mas a família nega a versão. Uma das vítimas tinha deficiência visual grave. No cômodo em que morreram o relatório apontou que só havia uma cama, uma cômoda e duas enormes poças de sangue, mesmo a visita tendo se dado 4 dias após a execução.

Os corpos dos jovens foram levados ao Hospital Vicentino, onde a morte de uma das vítimas foi confirmada. A outra vítima (da deficiência visual), antes de morrer dois dias depois, ainda foi indiciada pela Polícia Civil.

“Familiares dessa vítima alegam que ele tinha deficiência visual, apenas 20% da visão de um olho, tornando improvável a versão policial de que ele tivesse ameaçado os policiais com uma arma de fogo. Segundo laudo médico apresentado à comitiva, pelo menos desde 2016 o jovem sofria com um quadro de ceratocone bilateral avançado que afeta significativamente sua visão, dificultando suas atividades diárias, CID H54.1 e H18.6” (laudo da médica). O ceratocone é uma doença degenerativa progressiva que afeta a estrutura da córnea, provocando seu afinamento e deteriorando a visão”, diz trecho do relatório.

Outras mortes

Dois adolescentes foram mortos por uma equipe da Força Tática na cidade de Itanhaém na noite de 7 de fevereiro. Segundo o pai de uma das vítimas, os adolescentes residiam em São Vicente e estavam passeando em Itanhaém quando foram abordados pela PM. Conforme o relato do pai, o seu filho e seus colegas estavam em um beco onde ocorria tráfico de drogas, mas não estavam armados e foram executados. Testemunhas que viram a ação confirmaram essa versão. O médico legista teria afirmado que não houve troca de tiros, indicando que um adolescente foi atingido à queima-roupa e foi vítima de seis tiros, vindo a falecer por hemorragia.

Há ainda o caso de um catador de latinha morto em São Vicente em 3 de fevereiro e a morte ocorrida durante uma viagem em um carro de aplicativo, que já relatamos na Revista Fórum. Nela, o motorista conta que policiais da Rota mandaram o veículo parar, retiraram seu passageiro e o executaram. Após o incidente, o motorista relatou ter sido ameaçado pelos policiais para manter a versão dos fatos conforme eles descreveram. Ele parou de trabalhar como motorista de aplicativo devido ao trauma da execução, da abordagem policial e ao estado do seu carro, que ainda estava com marcas de balas e cheiro de sangue. Diante da relatada ameaça sofrida pela testemunha foi orientado sobre a possibilidade de inclusão no programa de proteção a testemunhas.

Confira o relatório na íntegra

Saiba mais sobre a Operação Verão, a segunda fase da Operação Escudo

Entidades envolvidas com o relatório

  • 1. Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHEP)
  • 2. Comissão Arns
  • 3. Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP
  • 4. Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE)
  • 5. Fórum Brasileiro de Segurança Pública
  • 6. Instituto Sou da Paz
  • 7. Instituto Vladimir Herzog
  • 8. Mandato da Deputada Estadual Mônica Seixas
  • 9. Mandato da Vereadora Débora Alves Camilo de Santos
  • 10. Mandato do Deputado Estadual Eduardo Suplicy
  • 11. Mandato do Vereador Tiago Peretto de São Vicente
  • 12. Ouvidoria das Polícias do Estado São Paulo
  • 13. Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio da Juventude Preta, Pobre e Periférica