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Ricardo Nunes retira R$ 1 bilhão da verba para construção de novos corredores de ônibus em SP

Prefeito e candidato à reeleição usa apenas 33,8% dos R$ 1,625 bilhão reservados para construção de faixas segregadas. Dinheiro acabou sendo aplicado em obras como a reforma do autódromo de Interlagos

Ricardo Nunes e Tarcísio Gomes de Freitas.Créditos: Facebook / Ricardo Nunes
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Ricardo Nunes (MDB), prefeito da cidade de São Paulo e candidato à reeleição, retirou mais de R$ 1 bilhão dos recursos financeiros aprovados pela Câmara dos Vereadores para a construção de novos corredores de ônibus. O projeto de ampliação da rede viária de transporte coletivo da capital recebeu apenas 33,8% dos mais de R$ 1,625 bilhão em investimentos previstos para o quadriênio 2021-2014, segundo a Lei Orçamentária Municipal.

Levantamento realizado a pedido da Fórum pelo pesquisador especializado em mobilidade urbana Rafael Calabria mostra que a verba empenhada para ampliar o sistema de transporte coletivo nunca foi aplicada totalmente na gestão Ricardo Nunes. Foram usados somente R$ 550 milhões em quatro anos. O maior investimento da prefeitura na área deve ocorrer até o fim deste ano de eleições, mesmo assim o montante é um dos menores valores nominais quando comparamos ano a ano.

"O plano de meta prevê viabilizar 40 km. Estou viabilizando 76 km. E vou te dizer quais são os 76 quilômetros: Amador Bueno, Interlagos, Itapecerica, ainda tem Amador Bueno, Imirim e Celso Garcia", contou o prefeito. Nunes infla os números misturando corredor de ônibus com faixa exclusiva e, ainda, não explica porque a sua administração entregou só 4 quilômetros dos 40 quilômetros de corredores prometidos para o fim do seu mandato.

Ao reformar o Plano de Metas previstas pela administração atual, a prefeitura alterou sutilmente o documento público para passar a impressão de que tudo está dentro do normal. "Eles substituíram o verbo 'construir' pelo verbo 'viabilizar' para o prefeito poder justificar o motivo para não ter entregue o que prometeu", alertou Calabria.

Com base em dados da Lei Orçamentária Municipal de São Paulo, aprovada anualmente pela Câmara dos Vereadores, é possível constatar que os recursos empenhados para a prefeitura construir novos corredores de ônibus em 2021 foram de R$ 72 milhões (R$ 8 milhões aplicados, ou 11% do total), em 2022 foram de R$ 521 milhões (R$ 90 milhões aplicados, 17%); em 2023 foram de R$ 660 milhões (R$ 207 milhões aplicados, 31%); em 2024 serão de R$ 361 milhões (R$ 243 milhões aplicados, ou 67%).

Ao tentar encobrir promessas feitas na campanha passada e não cumpridas, Nunes infla números oficiais ao incluir reformas em andamento – ou em pleno processo de licitação – de faixas exclusivas para coletivos com a entrega de novos corredores para ônibus, nome popular para o termo faixas segregadas.

"A gente já deu início de obras, que é a extensão da Raimundo Pereira de Magalhães, a gente ainda está fazendo a parte ali da avenida Chucri Zaidan, que vai ter o corredor, e o BRT Radial Leste, BRT Aricanduva. BRT Radial Leste, a gente já está início de obras, o Aricanduva está em licitação", afirma o prefeito ao citar reformas inacabadas ou em processo licitatório inicial.

Nosso levantamento revela ainda que a maior parte do dinheiro empenhado para ampliar a malha de corredores de ônibus da capital foi destinada a obras como recapeamento de ruas, reforma do autódromo de Interlagos e recursos para o fundo garantidor das PPPs (Parceria Público Privada) criadas para a reforma de terminais de ônibus, cujos editais têm sido investigados pelo TCM (Tribunal de Contas do Município) por suspeita de irregularidades.

Contratos de concessão do tipo PPP transfere para empresas privadas a manutenção e a exploração comercial dos terminais de ônibus do sistema de transporte coletivo municipal. Os equipamentos públicos foram divididos em três grande grupos separados por região e distribuídos entre os blocos sul, noroeste e leste.

O lançamento do edital para a requalificação dos terminais de ônibus do bloco leste teve ser paralisado. Isso porque, segundo informa a prefeitura, o processo segue sob análise dos técnicos do TCM por suspeita de irregularidades. O mesmo ocorre com a licitação do corredor de ônibus Miguel Yunes, que segue parada aguardando parecer do TCM, que também investiga inícios de irregularidades.

Posicionamento da Prefeitura

A Secretaria Municipal Especial de Comunicação da prefeitura de São Paulo confirma, por meio de nota, as informações apresentadas nesta reportagem. A gestão Ricardo Nunes realmente entregou apenas 10% dos 40 km de novos corredores de ônibus prometidos na campanha eleitoral passada.

Mas a pasta lança mão do mesmo artifício utilizado pelo prefeito. Isso porque mistura "corredores de ônibus" com "faixas exclusivas", além de somar "trechos novos" com "trechos reformados" de faixas exclusivas. Isso para fazer parecer que reformas seriam novas implantações e faixas exclusivas seriam faixas segregadas, ou corredores de ônibus.

"Foi entregue à população o trecho de 4,1 km do corredor Itaquera-CidadeLíder", informa o comunicado, citando trecho iniciado na gestão de Fernando Haddad (de 2013 a 2016). "Mais 2,8 km estão em obras na avenida Celso Garcia", acrescentou a nota oficial enviada à Fórum. 

A prefeitura prossegue seu posicionamento citando a entrega da reforma de um trecho de 1,2km do corredor de ônibus da avenida Santo Amaro, realizada em abril de 2024. A readequação da via da zona sul da capital foi alvo de polêmicas não só pelo atraso de conclusão, mas também pelo reajuste de 117% no contrato assinado com as construtoras responsáveis pela execução dos trabalhos. O gasto com a revitalização da avenida quase triplicou, passando de R$ 58,6 milhões em 2016 para R$ 161,4 milhões, em janeiro de 2024.

O esclarecimento também cita trechos inacabados das "obras de requalificação dos corredores de ônibus das avenidas" Imirim (4,6 km), Amador Bueno da Veiga (5 km), Interlagos (9 km) e Estrada de Itapecerica (3,5 km), além da implantação da ligação viária Pirituba-Lapa, que inclui um corredor de ônibus de 3,5 km de extensão, e do prolongamento da avenida Chucri Zaidan, com corredor de 3,4 km.

"Alguns dessas obras citadas pela prefeitura como sendo de novas faixas exclusivas ou de novos corredores de ônibus já existem. Imirim, por exemplo não é nova e não é corredor. Trata-se somente da reforma de piso da faixa exclusiva. Os trechos de Interlagos e Amador Bueno são exemplos iguais, pois não são novas faixas exclusivas nova nem são corredores. São reformas de piso da faixa exclusiva para ônibus", explicou o especialista em mobilidade urbana.

E Calabria prossegue sua análise. "Já o caso do corredor de ônibus Estrada de Itapecerica, essa via segregada existe há muito tempo. O trecho foi entregue pelo ex-prefeito Celso Pitta (de 1997 a 2001) e recebe reforma no piso de concreto.

É possível conferir o mapa da malha viária de ônibus operada pelo sistema de responsabilidade da estatal SPTrans (São Paulo Transportes) para saber o que é faixa exclusiva e o que é corredor de ônibus, ou via segregada.