ANTIRRACISMO

Movimento Negro denuncia prefeito de São Bernardo (SP) na ONU por racismo institucional

Denúncia acusa gestão do tucano Orlando Morando de desmontar serviços públicos destinados ao povo negro e declara a cidade do ABC Paulista como “a capital do racismo”

Orlando Morando (PSDB), prefeito de São Bernardo do Campo, e Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo.Créditos: Gabriel Inamine/PMSBC
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No último dia 31 de maio o Fórum Antirracista de São Bernardo do Campo denunciou o prefeito da cidade do ABC Paulista, Orlando Morando (PSDB) por racismo institucional na Organização das Nações Unidas (ONU). A gestão do tucano, que cumpre seu sétimo ano à frente da prefeitura, é acusada de desmontar serviços públicos de saúde, educação e assistência social destinados sobretudo ao povo negro da cidade, além de promover a discriminação e marginalização do referido setor da população a partir de outros fatos relatados.

Entre os pontos levantados pela denúncia está o iminente despejo do Projeto Meninos e Meninas de Rua de sua sede, que está em terreno da Prefeitura. O projeto, que busca dar apoio a crianças e adolescentes em situação de extrema vulnerabilidade social, funciona na cidade desde os anos 80 e, desde 1990 encontra-se no atual endereço. Além disso, a denúncia também aponta o fechamento de templos de religiões de matriz africana e a retirada das aulas de capoeira das escolas municipais.

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No caso das aulas de capoeira, o Fórum Antirracista de São Bernardo alega que a prefeitura descumpre Lei 10.639 que obriga a qualificação de professores para o ensino de história e cultura africana e indígena nas escolas municipais. Além da não abertura de editais de capoeira e percussão nas escolas do município, a prefeitura ainda estimularia o ensino da língua italiana, completamente fora de conexão com a realidade brasileira. Em falas à imprensa, o próprio prefeito teria se declarado orgulhoso de sua ‘origem italiana’. “A atual gestão aplica um projeto nas escolas municipais que tem como objetivo ver a língua italiana sendo a segunda língua falada na cidade”, diz a denúncia do movimento negro.

Na imprensa local, a denúncia é tratada como uma “vergonha internacional”. Este é o título de um artigo publicado como editorial pelo jornal Diário do Grande ABC, na última quarta-feira (7). “No momento em que o planeta se mobiliza para dizer basta ao racismo, (…) São Bernardo aparece na contramão, sendo exposta ao mundo por causa de comportamento reprovável do prefeito Orlando Morando. É triste que, em pleno século XXI, alguns líderes políticos insistam em manter os pés fincados no período medieval. A população não merecia passar por tamanha vergonha internacional”, diz trecho do artigo.

O Fórum Antirracista de São Bernardo é composto pelo Movimento Negro Unificado (MNU), pela União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (UNEafro), pelo próprio Projeto Meninos e Meninas de Rua que está na mira da ações da prefeitura, além do MST, do MTST, do Instituto de Referência Negra Peregum e de partidos políticos como PT, PCB, UP, PSOL e PCdoB.

Carlos Wellington (49) é membro do MST paulista e do movimento negro em São Bernardo desde 1997. Ele forma parte do Fórum Antirracista e, em conversa com a Revista Fórum, elencou pelo menos 40 pontos nos quais o prefeito é acusado de cometer racismo institucional.

Denúncias

O ponto de partida das acusações está na própria campanha eleitoral de 2016 que levou Morando à Prefeitura. Na ocasião, usou como lema a seguinte frase: "devolver São Bernardo aos são-bernardenses”. A referência era à antiga prefeitura de Luiz Marinho (PT; 2009-2016). Carlos Wellington explica que logo em 2017, no primeiro ano da gestão tucana, houve o despejo da Casa do Hip Hop e, em seu lugar, ficou uma instalação da Guarda Civil Municipal (GCM).

Mais tarde, um inspetor da GCM foi denunciado em vários veículos de comunicação por postagens neonazistas e de supremacia branca. Retirado das ruas pelo prefeito, hoje estaria trabalhando no serviço de inteligência da GCM.

Também por meio da GCM, a prefeitura estaria perseguindo e criminalizando jovens pretos, pobres e periféricos que, nas noites de terça-feira, ocupam uma das praças do centro da cidade para realizar o evento de rima de MCs nacionalmente conhecido como “Batalha da Matrix”. A prefeitura chegou a aplicar multa de R$ 50 mil sobre um dos organizadores.

De volta a 2017, no primeiro ano de mandato tucano na cidade, São Bernardo foi a única das 7 cidades do ABC a não respeitar o feriado do 20 de novembro – Dia da Consciência Negra. Nos outros 6 municípios foi feriado, assim como na Capital, em Osasco e em Guarulhos. Como se não bastasse, nos últimos anos a Prefeitura teria utilizado a data para celebrar outras comunidades que não a homenageada pelo feriado, promovendo uma espécie de apagamento da comunidade negra. Em 2021, por exemplo, o Paço Municipal recebeu um evento de cultura alemã no Dia da Consciência da Negra e, em 2022, foi a vez da comunidade nipônica ser a homenageada. Esses teriam sido os únicos eventos oficiais naquelas datas.

Nesse contexto, a denúncia aponta que de 2017 até meados de 2022, ninguém havia sido nomeado para encabeçar o Departamento de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo do município. E que quando saiu, a nomeação foi de um homem branco.

Já a assinatura do decreto de despejo do Projeto Meninos e Meninas de Rua foi feita em 13 de julho de 2020, mesma data em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completava 30 anos. Sem sucesso, uma nova tentativa para desalojar o programa foi feita em 2021, dessa vez em plena Semana da Criança, no mês de outubro daquele ano. Carlos Wellington explica que o serviço só não foi extinto por ordem da Justiça.

Em 2020 a cidade ainda registrou o fechamento da Fundação Criança, uma autarquia municipal de excelência criada nos anos 1970; e o despejo de um templo religioso de matriz africana.

Despejos, demolições e políticas de exclusão

Ao longo dos dois mandatos de Orlando Morando, iniciados em 2017 e com previsão para terminar no próximo ano após nova eleição municipal, uma série de despejos e demolições acometeram a população negra da cidade. Entre eles, o despejo do serviço de apoio ‘Alcoólicos Anônimos” de um espaço onde funcionava a mais de 3 décadas. A Gibiteca Municipal e uma Biblioteca Infantil também foram despejadas, além de outros dois equipamentos semelhantes. Nesse meio tempo, a própria Secretaria de Cultura foi despejada do seu prédio original.

No período ainda foi demolido o Teatro Celso Daniel, localizado no CEU do bairro Três Marias, na periferia da cidade. Para piorar, a cidade também registrou a demolição de uma série de casas na periferia do município, muitas durante a pandemia de Covid-19, sob o pretexto de que se encontravam em área de risco. “Engenheiros e arquitetos constataram que a atual gestão notificou famílias pra remoção de suas casas, que não estavam em situação de risco”, diz a denúncia compartilhada pelo militante.

Em relação às políticas municipais, a denúncia aponta para o esvaziamento de um programa de tratamento humanizado via parceria entre o CAPES e a Pinacoteca Municipal. Constituído na gestão anterior, o programa busca oferecer atendimento em saúde mental e foi considerado como referência nacional.

Também foi retirada a gratuidade das linhas de ônibus que atendem ao chamado “fundão da periferia da cidade”, mais precisamente a região do Alvarenga, uma das mais distantes do centro. Além da cobrança da passagem, os usuários também apontam que os itinerários foram reduzidos, entre eles, as linhas que levam passageiros à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do ‘fundão’.

A lista de denúncia é longa. Aqui tentamos resumir os principais pontos denunciados pelo Fórum Antirracista de São Bernardo à ONU, mas as práticas de exclusão da gestão municipal se estendem para muito além. O militante Carlos Wellington aponta que a chegada da denúncia nas Nações Unidas foi “avassaladora” e que desde então o prefeito se encontra em silêncio.

“A denúncia foi avassaladora, pesada, e o prefeito está em silêncio desde então. Esperamos que ele possa ser julgado e condenado por racismo institucional, praticado por meio da sabotagem de políticas públicas que atendem a uma população que historicamente luta contra a exclusão social, e que isso seja enquadrado como um crime contra a humanidade. Pessoalmente, acredito que um sujeito com essas denúncias não tem condições de permanecer em um cargo executivo”, resumiu.

Outro lado

Em nota, a Prefeitura de São Bernardo do Campo rebateu as acusações e afirmou que a atual administração vem atendendo as políticas públicas de inclusão. Também  informou que não recebeu qualquer notificação a respeito das denúncias e avalia que as organizações envolvidas no Fórum Antirracista do município estariam com motivações políticas para fazer tais denúncias. Leia a nota na íntegra a seguir.

"A Prefeitura de São Bernardo informa que não recebeu nenhuma notificação a respeito.

A UNEAFRO já havia acionado o município em ocasiões anteriores, em que houve a demonstração de que a Administração vem atendendo com plenitude as políticas de inclusão de minorias, sendo que algumas da demandas trazidas estão em desacordo com a legislação pátria e não poderiam ser objeto de acolhimento, seja pela municipalidade ou por qualquer outro ente público.

A questão relacionada ao projeto "Meninos e Meninas de Rua" é objeto de ação judicial em curso. A entidade em questão ocupa área pública e não vem desenvolvendo atividades ordinárias há anos, pelo que o município requisitou o espaço para melhor utilização com outros projetos de relevância social. Além disso, a entidade é apontada como inidônea pelo TCE/SP (vide certidão em anexo) e, desta forma, se encontra impedida de receber qualquer espécie de repasse de entes públicos no Estado de São Paulo, incluindo a concessão de espaços públicos. Desta forma, trata-se de uma imposição legal o pleito de desocupação do imóvel por parte da Administração Pública - que se rege pelo principio da legalidade - não se tratando nem de longe de prática de "racismo institucional", mas sim de atendimento da lei.

Infelizmente entidades como a UNEAFRO vem se valendo de pautas legítimas, como o combate ao racismo estrutural e ao racismo institucional, para servir de palanque político à interesses de terceiros que, cientes de que estão à margem da lei nos seus pleitos, tentam apelar para argumentos extralegais."