Um trabalhador que se encontrava em condições análogas à escravidão no alojamento das empresas terceirizadas que forneciam mão de obra para vinícolas famosas da região de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, e que é sulista, natural do município de Portão (RS), contou em uma entrevista ao TAB Uol que as agressões, choques elétricos, surras e castigos físicos aplicados no local pelos seguranças da firma, que serviam como capatazes, eram apenas contra “baianos”.
Ele estava num quarto ao lado do de um homem que foi brutalmente agredido e que resolveu denunciar a situação à Polícia Rodoviária Federal (PRF), dando origem à grande operação que desmantelou o esquema de escravidão, que também contou com participação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público do Trabalho (MTP).
“Eles apanhavam bastante. Qualquer coisa que estivesse errada, apanhava. Nós do Sul não apanhávamos”, disse o homem que foi identificado com o nome fictício de João.
A testemunha conta que era comum o uso de máquina de choque e de outros expedientes para agredir os trabalhadores baianos e narrou o trauma que foi viver a noite em que o companheiro de trabalho foi covardemente espancado. Tudo teria começado porque a vítima recebeu uma camisa da firma terceirizada, que deveria ser usada durante o turno de trabalho, encharcada, o que o fez denunciar a condição num vídeo nas redes sociais, que acabou chegando ao conhecimento dos seguranças da empresa.
“Escutei barulho de choque, de gritos, de pedidos de socorro, mas não tinha o que a gente pudesse fazer... Ele estava bastante machucado, com os olhos inchados”, relatou o denominado João.
O depoente revelou ainda que ao chegar para a colheita das uvas na região, pensou tratar-se de um trabalho como qualquer outro, pelo qual receberia R$ 2 mil por mês. Só percebeu que a coisa era bem diferente do que seria o natural quando passou a presenciar as agressões, assim como também quando viu as condições das instalações que recebiam os empregados.
Ainda segundo ele, quando um trabalhador baiano pedia um vale (pequeno adiantamento do pagamento), uma espécie de “multa” era empregada ao funcionário. Se R$ 100 fossem dados a quem o solicitava, depois o desconto era de R$ 150. Com os gaúchos, outros sulistas e trabalhadores que não eram nordestinos esse procedimento não era aplicado.