A oposição ao governo Lula na Câmara Federal prepara mais uma ofensiva contra a luta pelo direito à terra e por reforma agrária e acaba de protocolar o pedido de instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que mira o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).
Com o apoio da bancada ruralista da Câmara, representada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a oposição atingiu a marca de 171 adesões de parlamentares necessárias para a instalação da CPI do MST nesta quarta-feira (15).
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Havia três pedidos paralelos para a instalação dessa comissão, de autoria dos deputados Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS), Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e Ricardo Salles (PL-SP).
As listas foram unificadas e o pedido já foi protocolado na noite desta quarta junto à Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Casa. Agora, as assinaturas serão checadas. Para ser instalada a comissão, o requerimento precisa ser lido pelo presidente Arthur Lira (PP-AL), em sessão plenária.
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O requerimento para a criação da CPI pede que a comissão seja composta por 27 membros titulares e igual número de suplentes, para investigar, no prazo de até 120 dias, a atuação do MST, "do seu real propósito, assim como dos seus financiadores".
A comissão pretende investigar a onda de ocupações de terras pelo MST, Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), grupos de indígenas, entre outros.
Ocupações na Bahia
O requerimento para criação da CPI da MST foi feito na esteira de ocupações de terras por integrantes do movimento em três fazendas de monocultivo de eucalipto de propriedade da empresa de papel e celulose Suzano, nos municípios de Mucuri, Teixeira de Freitas e Caravelas, no sul da Bahia, no dia 27 de fevereiro.
Uma quarta propriedade, a Fazenda Limoeiro, em Jacobina (BA), também foi ocupada. Segundo o MST, ela está abandonada há 15 anos.
Cerca de 1.700 famílias do MST reivindicam a desapropriação imediata dos latifúndios para fins de reforma agrária, já que essas propriedades atualmente não estão cumprindo sua função social, explicou o movimento.
O requerimento que pede a criação da CPI do MST, na justificativa, acusa o Governo Lula de apoiar as ocupações de terras.
"O mais chocante, ainda, é percebermos que existe uma suposta influência por parte do governo federal na atuação deste grupo, uma vez que nos primeiros dois meses da nova gestão, o número de propriedades rurais invadidas já é maior que nos quatro anos de governo Jair Bolsonaro, quando foram registradas apenas 14 invasões de propriedades", afirma o documento.
Governistas contra a CPI
Em entrevista à Revista Fórum, o deputado federal Airton Faleiro (PT-PA) afirmou que a bancada do governo na Câmara vai se articular para tentar barrar a instalação da CPI do MST.
"Nós vamos fazer de tudo porque é uma perda de tempo e é uma tentativa de retaliação. Já uma tática e uma estratégia repetida e conhecida dos setores reacionários do povo brasileiro", disse.
O parlamentar pelo Pará também refutou o argumento dos ruralistas de que a atual gestão apoia as ocupações de terra. Ele afirma não acreditar que vai ocorrer uma escalada de ocupações pelo MST durante a gestão de Lula.
Na avaliação do parlamentar, tanto o presidente da República, quanto o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, e o indicado para assumir a presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), César Aldrighi, vão se antecipar a qualquer tipo de ocupação do MST e promover a distribuição de terras, fazer assentamentos e concluir a efetivação de assentamentos que estão paralisados.
"Acho que o caminho é mais de buscar fazer a reforma agrária dentro da legalidade e também na negociação. O governo tem que tomar a frente para impedir ou se antecipar a qualquer tipo de ocupação diante de uma inércia ou não iniciativa do governo", observou Faleiro.
O deputado Faleiro também rebate o uso do termo "invasões" no texto do requerimento para criação da CPI do MST e também pela mídia corporativa. "Eu chamo de uma ocupação por falta de cumprimento do acordo de uma empresa. Então não existe essa modalidade de invasão e não existe também uma ilegalidade naquela ocupação porque a empresa não estava cumprindo o acordo que fez com o MST", esclareceu.
O deputado Valmir Assunção (PT-BA), vice-líder do PT na Câmara, sempre ligado às questões que envolvem a reforma agrária, comentou com a Revista Fórum que o requerimento que pede a abertura da CPI do MST não inova a operação do latifúndio no Congresso Nacional. "Não tem fato determinado e legalmente deve ser arquivado, por não cumprir o que é necessário para uma CPI, que custa tempo e dinheiro público", elenca.
Sobre o argumento recorrente usado pela oposição de que não ocorreram ocupações durante o governo Bolsonaro, Assunção refuta. "As ocupações são formas de protesto, legítimos, reconhecidos frente a ação política de um movimento social de causa legitimada. E tiveram ocupações durante o governo Bolsonaro, mas infelizmente a disposição de cobertura da imprensa era menor. Só na Bahia, foram mais de 30 ocupações nos últimos quatro anos", destaca.
Ao responder se a tática de ocupação usada pelo MST pode azedar as relações com o Governo Lula, o parlamentar da Bahia comenta que o movimento foi criado em 1984 sob essa forma de protesto e que sequer foi a primeira organização a realizá-las.
"Como se trata de ação política de um movimento social, não tem nenhum constrangimento ao governo. Nós elegemos Lula para combater a fome, a pobreza, a miséria e também fazer reforma agrária. A ocupação que aconteceu em áreas da Suzano, que é a que está em debate público, foram feitas para cobrar um acordo feito pela própria empresa desde 2011. Então não há constrangimento algum ao Governo", atesta.
O advogado que integra a assessoria jurídica do MST, Ney Strozake, explica que o baixo número de ocupações promovidas pelo movimento durante a gestão de Bolsonaro são explicados pelos dois anos de pandemia, quando não foi possível fazer muitas mobilizações.
"O povo sabe que em certos governos não adianta fazer grandes mobilizações porque não haverá conquista. E durante o governo Bozo a fome voltou, e a prioridade era tentar ajudar a diminuir esse flagelo", justifica o advogado.
Embate precoce
Em entrevista à Revista Fórum, o coordenador geral da organização que atua na defesa de Direitos Humanos Terra de Direitos, Darci Frigo, comenta que a apresentação precoce desse requerimento para abertura da CPI do MST pela oposição dá o tom dos embates contra os movimentos sociais que ocorrerá ao longo desses quatro anos.
"A composição dessa legislatura está antecipando os conflitos que vamos ter pela frente. Eles vão tentar enfrentar o movimento social desde logo e tentar impedir que haja qualquer avanço na pauta da reforma agrária", observa.
Frigo destaca ainda que o texto do requerimento foca apenas no direito à propriedade, mas esquece que a Constituição Federal (Inciso XXIII do Artigo 5º) fala que a propriedade deve garantir uma função social. "Os trabalhadores rurais quando fazer as ações de ocupação fazem essas ações para pressionar o Estado para implementar uma política pública de reforma agrária. Isso está na jurisprudência do próprio STJ [Superior Tribunal de Justiça]", ressalta.
Para ele, o intuito dessa CPI é continuar criminalizando a luta pela reforma agrária e impedindo que o Brasil tenha, de fato, uma estrutura da terra democratizada. Ele lista que a comissão não contempla questões fundamentais sobre o tema: a grilagem de terra na Amazônia, a invasão de terras indígenas e quilombolas e de povos e comunidades tradicionais e o desmatamento de terras privadas e terras públicas que acontece em toda a região amazônica.
O coordenador da Terra de Direitos observa ainda que a atual composição do Congresso Nacional tem um conjunto de lideranças de direita e de extrema direita e que estão associadas, inclusive, ao grupo que estava no comando do Ministério da Agricultura e da Secretaria de Assuntos Fundiários durante o governo Bolsonaro, o ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), entidade patronal ruralista, Nabhan Garcia . "É a raposa cuidando do galinheiro", critica.
"O enfrentamento que vamos ter pela frente será bastante difícil, mas agora é importante denunciar justamente o caráter dessa CPI do MST e pressionar o Parlamento para que não instale essa comissão", avalia.
Ele diz ainda que é preciso que o Governo Lula, por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, apresente um programa de assentamentos e de regularização fundiária que coloque os trabalhadores e trabalhadoras rurais que querem a reforma agrária sobre a terra.
Governo Bolsonaro
O relatório divulgado pelo Gabinete de Transição Governamental de Lula, em dezembro de 2022, afirmou que o governo Bolsonaro não encaminhou a reforma agrária.
"De forma perversa, não houve destinação de novas áreas públicas para a reforma agrária e caminhou-se a passos lentos até mesmo no assentamento de famílias em áreas já obtidas", apontou o documento.
"A Constituição de 1988 define a diretriz acerca do cumprimento da função social da propriedade rural, bem como o regime de destinação de terras públicas compatível com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária. Apesar disso, o governo Bolsonaro não mediu esforços para esvaziar, descaracterizar e subverter tanto a aplicação do texto constitucional quanto o funcionamento do Incra no cumprimento de sua missão institucional", destacou o texto.
Reações do agronegócio
O agronegócio reagiu imediatamente às ações do MST. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura - que reúne mais de 340 empresas, organizações da sociedade civil, setor financeiro e academia - divulgou nota de repúdio na qual afirma que a ocupação de áreas produtivas da Suzano "ignora preceitos constitucionais e prejudica a geração de emprego e renda na região".
Velha tática reacionária
Desde o primeiro mandato de Lula na presidência, em 2003, os ruralistas no Congresso Nacional criaram quatro comissões para investigar o MST. Entre 2003 e 2005, a CPMI da Terra; entre 2009 e 2011, a CPMI do MST; entre 2015 e 2016, a CPI Funai Incra e entre 2016 e 2017, a CPI Funai Incra 2.
Esse tema foi assunto da tese de doutorado em ciência política de Mayrá Silva na Universidade de Brasília (UnB) defendida em novembro de 2020. Ela se debruçou sobre essas CPIs que investigaram o MST no estudo intitulado "Os ruralistas como elite política : hegemonia construída através do Estado e da imprensa brasileira".
O texto procurou identificar e analisar os vieses mobilizados por ruralistas, no que diz respeito às disputas políticas sobre o direito à terra, a partir da sua atuação como elite política dentro do Estado brasileiro.
De todas as CPIs analisadas por Mayrá, apenas as CPMI da Terra e a CPI Funai Incra 2 tiveram relatório votado. As outras caíram no limbo dos prazos determinados sem que nenhum encaminhamento fosse realizado oficialmente.
"Mas, todas elas, em maior, ou menor grau, foram campos para o embate entre parlamentares ruralistas e parlamentares com posição próxima a dos movimentos sociais de luta pela terra e território. Em duas delas, o MST e associações relacionadas ao movimento foram alvo direto das investigações: a CPMI da Terra e a CPMI do MST."
Mayrá Silva, em tese de doutorado
A assessoria do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, foi acionada para se pronunciar sobre a CPI do MST. Ainda não houve resposta. O espaço segue aberto e caso o posicionamento seja enviado essa matéria será atualizada.