O vereador bolsonarista Sandro Fantinel (Patriota), de Caxias do Sul (RS), mudou o discurso em meio à péssima repercussão da fala xenofóbica que fez contra trabalhadores da Bahia ao defender as vinícolas que se beneficiaram do trabalho escravo em seu estado.
No plenário da Câmara Municipal de Caxias do Sul, na manhã desta terça-feira (28), Fantinel relativizou o escândalo dos mais de 200 trabalhadores - a maioria da Bahia - resgatados em situação análoga à escravidão em uma empresa terceirizada que oferecia mão de obra para as vinícolas Salton, Aurora e Cooperativa Garibaldi, em Bento Gonçalves (RS), e afirmou que os nordestinos, a quem ele se referiu como os "lá de cima", seriam "sujos", sugerindo que as empresas gaúchas do ramo contratem apenas argentinos.
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Em seu discurso, Fantinel disse que visitou um alojamento de um produtor de uva no município após pedido do agricultor que diz ter contratado trabalhadores do Nordeste para trabalhar na safra.
"Ele me chamou lá para ver o alojamento, porque os caras trabalharam por uma semana e meia e pediram as contas. Ele pagou tudo direitinho e foram embora. Não dava para entrar no alojamento. O fedor de urina, o fedor de podre e da imundícia (SIC) que eles deixaram o alojamento em uma semana e meia", disparou, exaltado, o bolsonarista.
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"Temos que botar eles no hotel cinco estrelas para não ter problema com o Ministério do Trabalho?", ironizou. "Agricultores, produtoras e empresas agrícolas que estão nesse momento me acompanhando, eu vou dar um conselho para vocês: não contratem mais aquela gente lá de cima. Conversem comigo. Vamos criar uma linha e contrar os argentinos", prosseguiu.
E ainda emendou: "Em nenhum problema no estado teve problema com argentino ou grupos de argentinos. Agora com os 'baianos', que é a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor".
A fala do vereador gerou grande repercussão e políticos da região já vêm tomando algumas medidas, O deputado estadual Leonel Radde (PT-RS), por exemplo, registrou um boletim de ocorrência contra Fantinel.
Já no final da tarde desta terça-feira, o PSOL do Rio Grande do Sul anunciou que vai entrar com um pedido de prisão do vereador no Ministério Público com base na lei 7716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. A legenda ainda entrará com uma ação na Câmara de Caxias do Sul solicitando a cassação do bolsonarista.
Afinou
Diante dessas medidas, Sandro Fantinel "afinou". Em entrevista ao jornal O Globo na noite desta terça-feira, já ciente das consequências que deve sofrer, o bolsonarista mudou o discurso, disse que fez uma fala "um pouco infeliz" e solicitou que a Câmara de Caxias do Sul retire deu discurso dos anais da Casa.
"Fiz uma fala que foi um pouquinho infeliz. No calor da fala a gente diz coisas que depois se arrepende. Depois, no pequeno expediente, eu disse que eu jamais tenho alguma coisa contra os baianos, inclusive tenho amigos e primos que moram no Nordeste, na parte mais norte do país. Não tenho absolutamente nada contra o povo baiano, citei [os baianos] porque estavam envolvidos no processo que está ocorrendo em Bento Gonçalves", declarou.
Governador se pronuncia
Também na noite desta terça-feira, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), classificou a declaração de Fantinel como "nojenta" e disse que os nordestinos são bem vindos no estado.
"O discurso xenófobo e nojento de vereador de Caxias contra o nordeste não representa o povo do Rio Grande do Sul. Não admitiremos esse ódio, intolerância e desrespeito na política e na sociedade. Os gaúchos estão de braços abertos para todos, sempre", escreveu Leite através das redes sociais.
"Vamos buscar autoridades do querido estado da Bahia para que nos visitem e acompanhem as atitudes que já estamos empreendendo e para nos aliarmos em outras ações conjuntas de nossos estados para banir o preconceito", prosseguiu o governador.
Escândalo do trabalho escravo na Serra Gaúcha; entenda
Na noite da última quarta-feira (22), uma ação conjunta entre a Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou 207 trabalhadores em condições análogas à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.
A operação se deu após denúncia feita por três trabalhadores que conseguiram fugir do local e contatar a PRF. Os trabalhadores, que foram aliciados, principalmente, na Bahia, sob a promessa de salário de R$ 3 mil, relataram enfrentar atrasos nos pagamentos dos salários, violência física, longas jornadas de trabalho, oferta de alimentos estragados, alojamento insalubre e cárcere privado.
Na ação da semana passada, a PF prendeu um empresário baiano responsável pela empresa. Ele foi encaminhado para um presídio de Bento Gonçalves e solto após pagamento de fiança.
Segundo a Polícia Federal e o Ministério do Trabalho e Emprego, a empresa Oliveira & Santana, que mantinha os trabalhadores em condição análoga à escravidão, possuía contratos com vinícolas famosas da região, entre elas a Salton, Aurora e Cooperativa Garibaldi, em que fornecia mão de obra para a colheita de uva.
As três empresas alegam que não tinham conhecimento das irregularidades praticadas pela terceirizada com a qual tinham parceria. O Ministério do Trabalho e Emprego, entretanto, já avisou que elas podem ser responsabilizadas pelo pagamento dos direitos trabalhistas caso estes não sejam quitados pela terceirizada. As vinícolas devem, ainda, responder criminalmente pelo fato.