APURAÇÃO

Colégio do Paraná é investigado por apologia ao nazismo

Em uma atividade do 3º ano, a filha de um soldado nazista foi entrevistada, foram exibidas suásticas e um boneco que imita Adolf Hitler

Atividade em colégio do Paraná.Créditos: Reprodução/Twitter
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O Colégio Estadual Marquês de Caravelas, localizado no município de Arapongas (PR), está sendo investigado, após acusação de apologia ao nazismo feita pela deputada federal Carol Dartora (PT-PR).

As imagens mostram jovens com suásticas e um boneco imitando Adolf Hitler. A Secretaria da Educação do Paraná (Seed-PR) informou que vai apurar o caso.

“O trabalho buscou fazer uma reflexão sobre o evento histórico e suas consequências. Desde já, a Seed ressalta que se posiciona veementemente contra qualquer ato que possa fazer apologia ao nazismo dentro das escolas. A Secretaria voltará a se manifestar assim que o levantamento for concluído”, destacou a secretaria.

Os estudantes do 3º ano teriam sido divididos em grupos, cada um ficaria responsável por um assunto relativo ao conflito, incluindo o nazismo e o Holocausto. As imagens divulgadas por Carol Dartora  seriam correspondentes ao grupo a que coube abordar o regime de Hitler.

Em uma primeira nota divulgada, a Seed-PR negou a apologia ao nazismo e disse se tratar apenas de “uma tentativa de detalhar os horrores da Segunda Guerra Mundial para que tais eventos sombrios nunca mais se repitam”. Porém, em seguida, anunciou que o caso será apurado.

“O NRE (Núcleo Regional de Educação) de Apucarana curtiu a publicação, não por fazer apologia ao Nazismo, mas por acreditar que a educação é uma ferramenta poderosa para prevenir a repetição de tragédias como o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial”, apontou a secretaria, na primeira nota.

Segundo publicações no perfil da escola, as atividades do projeto incluíram até mesmo uma visita e entrevista com Relinda Kronemberg, filha de um soldado nazista e moradora de Rôlandia (PR). O depoimento foi gravado e seria apresentado na escola.

"Ele (pai de Relinda) foi preso pelos soviéticos em 1944 e mesmo depois que terminou a guerra continuou preso nos campos de trabalho forçado na URSS. Depois de muito sofrimento, veio a ser trocado por soldados soviéticos com a Alemanha (...) Uma belíssima e forte experiência para esses alunos e certamente irá tocar os corações de todos que assistirem entrevista", ressalta a publicação do dia 13 de setembro. Há, inclusive, trechos da entrevista disponíveis no Instagram do colégio.

Museu do Holocausto se manifesta

Depois da repercussão do caso, o Museu do Holocausto divulgou uma nota em que mostra “espanto e indignação”, além de afirmar que a atividade tem “caráter deturpado” e “equívocos pedagógicos”.

“O projeto presta um desserviço aos esforços para que a memória do Holocausto e dos crimes nazistas sirva para a promoção dos direitos humanos e da democracia”, destaca a entidade. Leia a íntegra:

“Com espanto e indignação, o Museu do Holocausto tomou conhecimento de imagens e relatos de uma atividade ocorrida no Colégio Estadual Marquês de Caravelas, em Arapongas (PR), ligada a um projeto sobre a Segunda Guerra Mundial. Educadores: segue fio longo e necessário.

O caráter deturpado da atividade, realizada com alunos do 3º ano do Ensino Médio, leva o Museu a apontar os equívocos pedagógicos da proposta.

Além disso, ressaltamos nossa preocupação quanto à reprodução dessa metodologia em outras partes do Paraná e do Brasil.

Dois aspectos da atividade nos chamam atenção:

1) o uso de indumentária, simbologia e decoração associada ao nazismo;

2) a entrevista com a filha de um soldado nazista, chamada, na publicação do colégio nas redes (já apagada), de ‘sobrevivente’. Analisemos cada uma delas.

O uso de salas temáticas, decorações e caracterizações visando ‘vivenciar o tema’ é uma prática didática comum. No entanto, para cada tema, são necessários cuidado e sensibilidade ao utilizar tais metodologias.

Há necessidade de explicar historicamente o fenômeno do nazismo, visando o combate de suas continuidades e permanências no presente.

Porém, na Pedagogia contemporânea do Holocausto há consenso de que isso deve ser feito pela perspectiva das vítimas, e não dos perpetradores.

Mesmo que a intenção não seja de apologia ao nazismo, o uso de simbologia tal como foi feito leva a um fascínio pelo nazismo. A encenação torna o nazismo, e não o seu combate, algo divertido, interessante e fascinante, deslocado do seu significado histórico.

Entretanto, ainda mais grave é a proposta de entrevista. Segundo o texto publicado pelo colégio nas redes sociais (e já apagado), destacou-se o pai da entrevistada, caracterizado como ‘o seu pai era nazista e queria lutar pelo país’.

No restante do texto, esse indivíduo (que vale lembrar, não é descrito como um mero soldado convocado por obrigação, mas um nazista convicto) é tratado inacreditavelmente como uma vítima.

Sua filha é descrita como ‘sobrevivente da guerra’. Cabe lembrar que o projeto do regime nazista pelo qual o pai da entrevistada ‘lutava’ tinha em seu cerne a conquista e opressão de populações de outros países, o extermínio de pessoas consideradas racialmente inferiores ou perigosas e a perseguição a opositores políticos. 

O pai da entrevistada, portanto, mais do que alguém que passou por ‘muito sofrimento’, era parte de um movimento político que infligiu a outros esse sofrimento. Ou seja, entrevistou-se uma senhora cujo pai era nazista – e o colégio não aponta isso como algo condenável.

Já a categoria de ‘sobrevivente’ se aplica a pessoas de fato perseguidas.

Embora sem dúvida vivenciar um período de guerra seja uma experiência sofrida e traumática, é muito problemático borrar diferenças entre experiências como a da pessoa entrevistada.

A entrevistada, apesar de todas privações do período de guerra, não era perseguida por sua origem, ideias políticas ou por qualquer outro motivo – e pessoas, como os judeus, que foram alvo de um genocídio. A estes, cabe a categoria ‘sobrevivente’.

Chama atenção ainda o fato da entrevista ter sido realizada em cidade próxima a Rolândia, também no Paraná. O local se tornou, na segunda metade dos anos 1930, lar de muitos judeus alemães refugiados do nazismo.

Há ampla bibliografia sobre o tema em livros e artigos acadêmicos. Muitos dos descendentes e alguns dos próprios imigrantes ainda estão vivos. Por que não foram eles os escolhidos para a dinâmica da entrevista?

O dever de apresentar múltiplos pontos de vista sobre processos históricos não pode implicar em tornar todos igualmente legítimos.

A ética pedagógica não se manifesta ao dar vozes, mas em explicitar as escolhas político-pedagógicas que nos levam a escutar as vítimas.

Fica, portanto, patente, que a atividade:

A) está absolutamente distante dos debates contemporâneos sobre o ensino do Holocausto, do nazismo e da Segunda Guerra Mundial;

B) adotou dinâmica que pode facilmente levar a um fascínio e deslumbramento pelo nazismo;

C) releva a diferenciação básica entre algoz e vítima, relativizando os crimes nazistas.

Dessa forma, o projeto no Colégio Estadual Marquês de Caravelas, em Arapongas (PR), presta um desserviço aos esforços para que a memória do Holocausto e dos crimes nazistas sirva para a promoção dos direitos humanos e da democracia.

O Museu do Holocausto já se colocou à disposição da Secretaria de Educação, do NRE de Apucarana e do Colégio para que possamos orientar e, em conjunto, elaborar práticas éticas e significativas para o ensino de temas como Holocausto, nazismo e Segunda Guerra Mundial”.