DIREITOS HUMANOS

Governo Tarcísio resiste em transformar DOI-Codi de SP em centro de memória

Ministério Público e entidades da sociedade civil reforçam pedido de construção do memorial após escavações

Escavações arqueológicas no local terminaram em 14 de agosto deste ano.Créditos: Rovena Rosa/Agência Brasil
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“Tem que preservar em respeito às vítimas e ao Estado Democrático de Direito”, afirmou o promotor de Direitos Humanos, Reynaldo Mapelli Júnior. O futuro das antigas instalações do DOI-Codi, o maior centro de tortura da ditadura militar, tornou-se um campo de batalha entre o governo de São Paulo, o Ministério Público e várias entidades da sociedade civil.

A discussão sobre o memorial voltou a ganhar força há um mês, quando pesquisadores da Unifesp, UFMG e da Unicamp realizaram um trabalho inédito de escavações arqueológicas nas antigas instalações do DOI-Codi, em busca de vestígios do que acontecia no local e de provas das violações de direitos humanos. 

Situado na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, o distrito policial parece desprovido de atividade. Não há nenhum sinal que revele o passado sombrio do DOI-Codi, contando com a ausência total de placas ou murais que possam indicar sua antiga função como um instrumento de repressão política durante o regime militar.

O assunto está atualmente sob análise judicial e, no mês passado, houve uma nova tentativa de conciliação entre o governo e o Ministério Público. No entanto, até o momento, houve pouco progresso, sem solução do impasse.

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Criação de memorial barrado

Tarcísio de Freitas (Republicanos), atual governador de São Paulo, se opõe à ideia de estabelecer um centro de memória, financiado pelo governo estadual, nas antigas instalações do DOI-Codi. O objetivo deste centro seria documentar os abusos e violações que ocorreram durante a ditadura militar. De acordo com estudos, aproximadamente 7 mil pessoas foram torturadas e pelo menos 50 foram assassinadas entre 1969 e 1975 no DOI-Codi.

Entre as vítimas de tortura no local, encontram-se a ex-presidente Dilma Rousseff e o jornalista Vladimir Herzog, que foi brutalmente assassinado pelo regime militar em 1975. A autoridade que comandava o órgão de repressão era o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. 

Marilia Marton, a Secretária Estadual de Cultura, Economia e Indústria Criativas, está liderando as negociações entre o governo de Tarcísio e o Ministério Público. Ela reitera sua oposição à criação de um memorial no DOI-Codi. Marton enfatiza os 'custos' que o governo terá com a instalação cultural, questiona o interesse do público em visitar as instalações, argumenta que a história da ditadura já está documentada em outro local público e sugere que o memorial trará pouco retorno para o Estado.

A demanda por transformar os quatro edifícios que compõem as antigas instalações do DOI-Codi em um espaço que preserve a memória e documente os eventos que ocorreram lá é uma reivindicação de longa data de ativistas, ex-prisioneiros políticos e várias entidades.

Tentativas desde 2014

A insistência desses grupos para a transformação do local em um memorial tem se intensificado desde que o local foi tombado em 2014. No entanto, assim como a atual administração de Tarcísio, governos anteriores também mostraram resistência. Em 2021, o Ministério Público de São Paulo iniciou uma ação civil pública com o objetivo de compelir o governo estadual a transformar o complexo em um memorial. 

A proposta é transferir a responsabilidade dos quatro prédios, que atualmente estão sob a tutela da Secretaria de Segurança Pública, para a Secretaria de Cultura. Esta última ficaria encarregada de preservar os edifícios tombados e instalar o centro de memórias. Dos quatro edifícios que compõem o complexo, dois estão atualmente em uso. Um deles abriga o 36º distrito policial. O outro, que está sendo subutilizado, pertence ao Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) e é usado para armazenar veículos e realizar pesquisas em um pequeno laboratório. 

Em 2022, a administração de Rodrigo Garcia (PSDB) considerou a possibilidade de entregar o complexo, mas depois recuou e decidiu ceder apenas os prédios desocupados. Garcia, que foi derrotado nas urnas, não chegou a um acordo com o Ministério Público e deixou a questão para Tarcísio resolver.

Eleita com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a atual gestão se mostra ainda mais relutante em chegar a um acordo com a promotoria. A Secretária de Cultura evita afirmar que houve um golpe militar no Brasil em 1964 e muda de assunto quando questionada pela Revista Valor Econômico, se concorda com os bolsonaristas que classificam o evento como uma “revolução” e não um golpe militar. Marilia optou por não expressar publicamente sua opinião sobre o assunto.

Tarcísio foi criticado recentemente por ativistas, movimentos sociais e partidos de esquerda ao promulgar uma lei que homenageia o coronel Erasmo Dias, figura-símbolo da perseguição aos estudantes na ditadura militar. O caso foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Ao se defender perante a Corte, o governador não apenas defendeu a homenagem, mas também afirmou que Erasmo Dias nunca foi condenado pelo que fez.

Opondo-se à decisão de Tarcísio, a Advocacia Geral da União argumentou que a lei é inconstitucional. Segundo a AGU, a lei representa uma “glorificação de um regime de exceção”, exalta o autoritarismo e é incompatível com o “princípio democrático”. Com as escavações, já foram encontradas inscrições nas paredes, objetos e vestígios de substâncias que podem ser sangue e prosseguem em análise nos laboratórios.

Com informações de Valor Econômico