AMAZÔNIA

O mundo quer saber: Onde estão Dom Phillips e Bruno Pereira?

Para delegado Alexandre Saraiva, “o Brasil está sendo carcomido por organizações criminosas”. O ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc alerta: a região da Amazônia está entregue a milícias

Protesto em Orlando, onde Bolsonaro estava no final de semanaCréditos: DDB-FL
Escrito en BRASIL el

O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, do The Guardian, é mais uma triste mancha do governo Bolsonaro. Desaparecidos desde domingo (5), no Vale do Javari, do Rio Amazonas, eles viajavam para mostrar ao mundo o que se passa na região e até o fechamento desta edição semanal da Revista Fórum não se tinha respostas sobre o caso. Em entrevista ao Brocou na Internet, no canal da Fórum, o delegado da Polícia Federal (PF) Alexandre Saraiva afirmou que “não precisa ser Sherlock Holmes para ver indícios de crime”. Saraiva foi exonerado da Superintendência da Polícia Federal do Amazonas, em abril do ano passado, após acusar o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de dificultar a fiscalização ambiental na região e de obstruir uma operação que apreendeu madeira ilegal. Bruno Araújo Pereira foi retirado do cargo de chefia da Coordenação geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai em 2019, após conduzir uma operação que expulsou centenas de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, em Roraima

A frase é uma resposta ao que disse o secretário de Segurança Pública do Amazonas, General Mansur, durante entrevista coletiva, concedida depois de a Justiça Federal no Estado ordenar que o governo reforçasse as equipes de buscas. "Ainda não temos indícios fortes de crime", disse o general.

Para Saraiva, “o Brasil está sendo carcomido por organizações criminosas”. Infelizmente, Bruno e Dom podem ter sido alvo de criminosos. E o pior, com o aval do poder público. “Os prefeitos onde têm garimpo estão envolvidos com o crime”, disparou o delegado.

O município de Atalaia do Norte, onde o jornalista e o indigenista desapareceram, é marcado por conflitos de invasões de terras indígenas, tráfico de drogas, desmatamento e garimpo ilegal. Chamou a atenção a visita do prefeito da cidade, Denis Paiva, à casa de Amarildo da Costa de Oliveira, popularmente conhecido como ‘Pelado’, preso desde a quinta-feira (9), suspeito de envolvimento no caso. “Fui lá fazer minha parte. Chegamos junto com as equipes e não passei só na casa dele, passei nas casas de outras pessoas também”, declarou o prefeito à revista Cenarium.

Uma testemunha declarou que viu Pelado carregar uma espingarda e fazer um cinto de munições e cartuchos pouco depois que Bruno e Dom deixaram a comunidade São Rafael com destino à Atalaia do Norte, na manhã de domingo (5).

A testemunha afirmou, ainda, que o suspeito é um “homem muito perigoso” e que vinha prometendo “acertar contas” com o indigenista. Logo em seguida de Bruno e Dom deixarem a comunidade, um colega de Pelado foi visto em seu barco com o motor ligado em ponto morto, à espera do suspeito.

A testemunha também destacou que não “resta dúvida” de que ele e outros homens fizeram “algo ruim” com o barco em que o indigenista e o jornalista estavam. O comitê de crise na Política Federal (PF) divulgou que encontrou vestígios de sangue na lancha de Pelado.

“Eles não podem ser culpados por defender a Amazônia”, diz Saraiva

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos criticou o governo Bolsonaro pela resposta "extremamente lenta" nas buscas pelos desaparecidos. Ravina Shamdasani, porta-voz da agência, afirmou que está preocupada com "os constantes ataques e perseguições enfrentados por defensores dos direitos humanos, ambientalistas e jornalistas no Brasil". 

O presidente Jair Bolsonaro ao invés de intensificar as buscas e sair em defesa de Bruno e Dom, logo se empenhou em culpar as vítimas. "Realmente duas pessoas apenas num barco, numa região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser acidente, pode ser que eles tenham sido executados, a gente espera e pede a Deus para que sejam encontrados brevemente", declarou Bolsonaro ao SBT News. 

Na quarta-feira (8), em entrevista ao programa Voz do Brasil, transmitido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, afirmou que Bruno Pereira e Dom Phillips "deveriam ter pedido autorização para realizar a viagem pela terra indígena Vale do Javari". A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) emitiu uma nota oficial dizendo que Bruno tinha autorização.

Segundo Saraiva, eles sequer estavam em área indígena quando sumiram.  “Fui entrevistado longamente há um tempo pelo jornalista Dom Phillips. É uma pessoa excepcional. O Bruno é um grande colaborador da polícia, como agente da Funai”, destacou o delegado. “Eles não podem ser culpados por defender a Amazônia.”

Saraiva disse, ainda, que a área de atuação dos dois é imensa, onde a ausência do Estado é enorme. “As investigações estão correndo, mas até quando vamos perder pessoas especiais para entender a necessidade de se cuidar da Amazônia?”, questionou.

O ex-ministro do Meio Ambiente e deputado estadual do Rio de Janeiro, Carlos Minc (PSB), afirmou em entrevista ao Fórum Onze e Meia, que a região amazônica está entregue a milícias. “Bolsovírus atou as mãos do Ibama, do ICMBio, exonerou os principais dirigentes comprometidos com a defesa dos índios e da Amazônia, desqualificou o Inpe, internacionalmente reconhecido. Tirou a proteção dos índios, a própria Funai, que deveria ser a maior protetora dos índios, entra na justiça contra a Apib, que é a associação dos povos indígenas do Brasil. Quem deveria proteger, ataca”, explicou. “Uma região entregue às milícias amazônicas, terminologia que adotei para explicar a junção da turma do tráfico, do PCC, do Peru, e que financiam as grandes dragas da mineração clandestina em terras indígenas, intoxicando até as crianças com mercúrio, estuprando as indígenas. Depois que ele tirou a proteção, incentivou a devastação, recebe em avião da FAB os líderes dos garimpeiros clandestinos. Eles não estavam se aventurando, estavam indo para um território conhecido deles. O percurso era de duas horas e eles estavam num barco moderno. Fizeram denúncias antes que estavam ameaçados.”

Em 2019, ano em que Bruno Pereira foi exonerado de seu cargo na Funai após confrontar garimpeiros e ruralistas ligados ao governo federal, Phillips participou de uma coletiva de imprensa e questionou o presidente sobre o desmatamento na Amazônia e a relação de Ricardo Salles, então ministro do Meio do Ambiente, com madeireiros ilegais. 

De maneira agressiva, Bolsonaro atacou o jornalista e afirmou que nenhum país do mundo pode falar sobre a Amazônia. "Primeiro você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês. A primeira resposta é essa daí, tá certo? [...] se o que vocês falam sobre o desmatamento na Amazônia fosse, verdade, não existiria mais nada. Nenhum país do mundo tem moral para falar da Amazônia", disse Bolsonaro. A semana termina com o presidente sendo cobrado nos EUA, onde participou da Cúpula das Américas: onde estão os desaparecidos?