Um dos projetos do governo de Jair Bolsonaro (PL) era a disseminação de cursos paramilitares para crianças e adolescentes, com enfoque ultranacionalista, disfarçados de escolas preparatórias para o Exército, Marinha e Aeronáutica.
As escolas ou academias, como se autodenominam, tem ampliado sua atuação pelo país.
As tais academias prometem ensinar crianças de 5 a 15 anos temas como hierarquia, disciplina, respeito a símbolos nacionais, valorização da família, ordem unida, ética e civismo. Porém, o que se vê é uma porta de entrada para doutrinar e formar pessoas com fortes tendências a ideologias de extrema direita, de acordo com reportagem de Vanessa Lippelt, no Congresso em Foco.
“É o modus operandi dessas academias paramilitares. Perceba, se trata de uma estrutura paramilitar. É exatamente o mesmo caminho tomado pelo Batalhão Azov, na Ucrânia”, afirma Daniel Cara, doutor em Educação, mestre em Ciência Política e professor da Universidade de São Paulo (USP), à Fórum.
O Batalhão Azov é uma organização paramilitar de extrema direita, que arregimentou e doutrinou crianças e adolescentes. É acusado de cometer crimes de guerra durante operação militar russa.
“Isso demonstra um processo concreto de extrema gravidade de articulação da extrema direita no Brasil e da necessidade de o país ficar atento em relação ao risco que isso representa, inclusive, de nazificação ou fascistização da sociedade brasileira”, destaca.
“Então, a gente precisa acompanhar, denunciar e exigir, via Ministério Público, o fechamento dessas academias, a proibição dessas academias”, ressalta Daniel.
“Eles estão militarizando crianças e adolescentes e o resultado vai ser qual?”, questiona Daniel Cara
Daniel tem convicção de que crianças e jovens estão sendo treinados para uma guerra cultural. “A cada dia que passa, vai se convertendo numa guerra santa. A gente acha que o bolsonarismo se encerra nas eleições. Não vai se encerrar na eleição até porque isso é maior que o bolsonarismo, essa lógica tradicionalista. Esse é um processo de militarização estruturado da sociedade e que está pautada na ideia de aniquilação do inimigo. A sociedade é perversa e eles estão militarizando crianças e adolescentes e o resultado vai ser qual? Qual é a cabeça militar? O outro é inimigo. O resultado vai ser um recrudescimento, uma prática de violência absoluta”, reflete o doutor em Educação, em depoimento à reportagem.
Em “escola” no Sul, crianças rastejam na lama e marcham com simulacros de fuzis
Um dos exemplos desse movimento é o que acontece no município de Canoas, Rio Grande do Sul. Trata-se do Centro de Treinamento Pré-Militar (CTC) para crianças e adolescentes.
No registro da Receita Federal, a empresa informa ter por finalidade a promoção de “cursos preparatórios para concursos” e o “treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial”.
Porém, na verdade, as crianças praticam exercícios de combate, rastejam na lama, marcham com simulacros de fuzis, cruzam rios pendurados em cordas e praticam tiro com airsoft, segundo reportagem de René Ruschel, na Carta Capital.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul chegou a pedir à Justiça a abertura de uma investigação. A Procuradoria gaúcha confirma que a ação do Centro pode caracterizar descumprimento da decisão judicial que proibiu que o local exerça “quaisquer atividades dirigidas a crianças ou adolescentes vinculadas ou não ao Grupo CTC Comandos, que consistam na realização de treinamentos de caráter paramilitar ou congênere”.