Uma determinação expedida pela Justiça Federal de Pernambuco ao Arquivo Nacional obriga que o nome do coronel da PM daquele estado Olinto de Souza Ferraz seja ocultado dos relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou as violações e crimes cometidos por agentes públicos durante a Ditadura Militar (1964-1985).
Souza Ferraz era o responsável pela Casa de Detenção do Recife quando o militante de esquerda Amaro Luiz Carvalho, vinculado ao Partido Comunista Revolucionário (PCR) foi assassinado no local, no auge da repressão, em 1971. A ordem judicial para esconder o nome do oficial foi descoberta por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), do Rio Grande do Sul.
O nome do coronel constava na lista de servidores públicos que cometeram graves violações aos Direitos Humanos durante o regime de exceção. Os responsáveis pela ação judicial que instou a União a tomar providência foram os filhos do oficial, que já faleceu, Marcos Olinto Novais de Sousa e Maria Fernanda Novais de Souza Cavalcanti.
Na decisão, o juiz Hélio Silvio Ourém Campos exigiu a retirada do nome do coronel “diante da inexistência de fatos concretos negativos contra o militar em questão e da incerteza quanto a sua suposta omissão por ser Diretor da Casa de Detenção, à época da morte de Amaro Luiz de Carvalho", para que dessa maneira se "extirpe qualquer má interpretação acerca dos fatos para preservar a imagem, honra do militar e de sua família”.
Amaro Luiz Carvalho foi morto, segundo seu exame de necropsia, por hemorragia pulmonar decorrente de traumatismo de tórax por instrumento cortante. À época, a Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco chegou a declarar que o militante de esquerda teria sido morto por seus companheiros ideológicos, por envenenamento. A distorção e ocultação das reais causas de mortes de dissidentes assassinados pelo regime eram expedientes muito comuns durante a Ditadura Militar.
Reações
"A decisão viola claramente 2 pontos da Lei de Acesso à Informação, em seu parágrafo único do art. 21, que diz que o acesso a informações que tratem de condutas de violação de direitos humanos praticados por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não pode ser restringido", postou a Transparência Brasil em seu perfil no Twitter.
Em nota, o Arquivo Nacional disse que a determinação já foi cumprida, mas “vê com preocupação decisões judiciais que vão de encontro às recomendações – nacionais e internacionais – da área de arquivos, e ao direito de acesso à informação consagrado na Lei n.º 12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação”.
Já Paulo Sérgio Pinheiro, cientista político, membro e coordenador da Comissão Nacional da Verdade, disse que vê a ordem como censura e questiona o papel omisso da Advocacia-Geral da União (AGU) no caso.
“Trata-se de uma tentativa de encobrir uma investigação feita por um órgão do Estado, como foi o mandato da Comissão, e se impõe como censura ao que foi revelado... A Advocacia-Geral da União, que deveria zelar pelo relatório da CNV, tomou a decisão temerária de fazer cumprir a decisão. Mas não existe no Brasil um direito ao esquecimento, como o Supremo Tribunal Federal já estabeleceu”, afirmou Pinheiro.