Nesta terça-feira (25), o jornal Folha de S. Paulo divulgou áudios revelando que um integrante da campanha do bolsonarista Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos-SP), candidato ao governo de São Paulo, mandou um cinegrafista da Jovem Pan apagar imagens que mostram um tiroteio próximo ao local onde o político participaria de uma agenda de campanha em Paraisópolis, Zona Sul da capital paulista, no dia 17 de outubro.
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Na ocasião, Tarcísio já estava em Paraisópolis quando a agenda foi interrompida por conta de um tiroteio nas proximidades. Ele deixou o local em uma van blindada. A princípio, o caso foi tratado por bolsonaristas como um atentado político e imagens do ocorrido chegaram a ser usadas no programa eleitoral de Jair Bolsonaro (PL), aliado de Tarcísio, na televisão. Membros das forças de segurança de São Paulo, no mesmo dia, entretanto, descartaram qualquer motivação política no caso.
Segundo a Polícia Civil, dois homens em uma moto foram abordados por agentes à paisana após apresentarem comportamento suspeito. Em seguida, ainda na versão dos policiais, houve confronto que terminou com uma morte: Felipe Silva de Lima, de 27 anos, que pilotava uma moto, foi atingido no peito, levado ao pronto-socorro do Campo Limpo, mas não resistiu. A corporação informou também que Rafael Almeida Araújo, que estava na garupa, foi identificado, mas conseguiu fugir.
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De acordo com áudios e relatos obtidos pela Folha de S. Paulo, após o tiroteio nas proximidades do local onde ocorreria a agenda de campanha de Tarcísio, o cinegrafista da Jovem Pan e outros profissionais da imprensa foram levados pela equipe do candidato em uma van até um prédio usado pela equipe do bolsonarista. Foi neste local que um membro da campanha de Tarcísio, que não teve o nome revelado, ordenou ao cinegrafista que deletasse as imagens que havia feito do tiroteio.
“Você tem que apagar”, diz o homem no áudio após questionar o câmera se ele havia captado imagens do momento em que os policiais atiram contra os suspeitos e também das pessoas que estavam no local onde o evento de campanha de Tarcísio seria realizado.
Obstrução de Justiça?
Para além das suspeitas de “armação” que surgiram logo após o ocorrido, visto o proveito político que bolsonaristas tentaram tirar da situação, a revelação de que houve uma ordem da campanha de Tarcísio para que imagens que poderiam servir de provas para elucidar um caso envolvendo morte fossem apagadas gera ainda mais desconfiança e a atitude pode ser interpretada, em tese, como tentativa de obstrução de Justiça.
Para advogados criminalistas ouvidos pela Fórum, a situação é “gravíssima” e exige investigação.
Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, por exemplo, classifica o caso como “extremamente grave” por dois fatores. “Primeiro porque houve uma tentativa de uso desse episódio, em dado momento, como se fosse um atentado que envolvesse o próprio candidato, depois até pelas circunstâncias do local chegou-se a conclusão óbvia que não era um atentado contra ele. Segundo, eu acho que isso tem que ser investigado. Se há um pedido expresso como eu ouvi para apagar uma gravação, especialmente porque é uma gravação de um crime que ocorreu, então é obstrução de Justiça”, avalia o advogado.
“Tem que ser investigado. Por que estão fazendo obstrução de Justiça? Interessa a quem? Ninguém pede para apagar prova num processo grave como esse, inclusive em que ocorreu uma morte. Eu acho que tem que ser investigado, primeiro, se houve realmente algum tipo de armação para beneficiar alguém, depois o porquê houve esse pedido para apagar uma prova que pode ser importante na elucidação de um crime. Acho gravíssima essa situação”, prossegue o criminalista em comentário enviado à Fórum.
O advogado Thiago Turbay vai na mesma linha e ainda adiciona que o caso pode, também, ser investigado pela Justiça Eleitoral. “O pedido para subtrair registro dos fatos relevantes à investigação pode ensejar obstrução à justiça, em razão da investigação mirar organizações criminosas que não tem relação com a campanha eleitoral. O pedido de subtração de material, ademais, parece intervenção injustificada no trabalho da imprensa, que capturava de maneira neutra a informação. Pode-se interpretar como tentativa de manipulação com fins eleitorais, o que é vedado pela legislação. O rompimento da neutralidade desequilibra o valor da informação e pode haver responsabilização da Justiça Eleitoral”, analisa.
Já o criminalista Augusto de Arruda Botelho também classifica o caso como “gravíssimo”, mas diz que não é possível imputar crime à campanha de Tarcísio antes da investigação que deve ser realizada após a revelação do pedido para apagar as imagens.
“A existência ou não de um possível crime na conduta de apagar os vídeos tem que ser determinada após uma investigação. Investigação que vai dizer se de fato essas imagens existiam, se intencionalmente elas foram destruídas, com que intenção elas foram destruídas, o que elas registraram. Difícil, antecipadamente, sem uma investigação, neste caso específico, dizer se houve a prática de um crime ou não. Pode ter havido a prática de um crime. Mas só uma investigação, urgente e rápida, porque é um caso gravíssimo, vai poder dizer”, pontua Botelho.
O advogado Luís Alexandre Rassi é o único que diverge da opinião dos colegas. "A campanha eleitoral é um momento ímpar na vida do candidato e de sua equipe. Às vezes situações inesperadas ocorrem. Existem duas versões para os fatos, em uma há o pedido para apagar e em outra há o pedido para não expor. O pedido, desde que não feito com ameaças, é absolutamente legítimo e não interfere na liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa é ter a possibilidade de escolher publicar ou não publicar. A opção, no caso, foi feita pela emissora e o conteúdo publicado", declara.
O que diz Tarcísio
Após a divulgação dos áudios, a campanha de Tarcísio Gomes de Freitas informou que "um integrante da equipe perguntou ao cinegrafista se ele havia filmado aqueles que estavam no local e se seria possível não enviar essa parte para não expor quem estava lá". A assessoria ainda disse que, durante a agenda, diversos veículos fizeram imagens da situação e as colocaram no ar. "Nunca houve nenhum impedimento por parte da campanha em relação a isso", pontuou.
Depois, em entrevista, o próprio Tarcísio afirmou que o "momento de tensão" pode ter levado um integrante da equipe a pedir ao cinegrafista para apagar as imagens para "preservar a identidade de pessoas que fazem parte da nossa segurança".