O biólogo e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Felipe Melo, vem denunciando um caso de censura política que sofreu durante um evento promovido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pela Universidade de Pernambuco (UPE), com patrocínio da química-farmacêutica Bayer.
Melo era um dos palestrantes de mesa de debates do VI Simpósio de Mudanças Climáticas e Desertificação do Semiárido Brasileiro, III Simpósio do Bioma Caatinga e VII Workshop de Sementes e Mudas da Caatinga, que foram realizados em conjunto e de forma virtual entre os dias 28 e 30 de setembro.
A organização do evento pediu para que os palestrantes enviassem suas apresentações previamente em vídeos gravados. A fala do biólogo foi exibida nesta quarta-feira (29) e tratava sobre conservação da Caatinga. No final da apresentação, Melo fazia uma crítica a Jair Bolsonaro ao exibir o mapa da votação na eleição presidencial de 2018 e dizer que, "se a Caatinga tivesse eleito o presidente do Brasil, não teríamos essa desgraça governando nosso país".
Este trecho em específico, no entanto, foi cortado na exibição de sua apresentação. O vídeo foi abruptamente interrompido bem no momento em que era exibido o slide com o mapa de votação, antes de sua crítica a Bolsonaro.
Assista no ponto que marca 1h08m36seg do vídeo abaixo. Trata-se do momento exato da censura.
Felipe Melo denunciou o ocorrido em suas redes sociais. Em entrevista à Fórum, o biólogo detalhou o caso. Segundo ele, após constatar a censura, seguiu na mesa de debate normalmente, aguardado o final do evento para questionar a organização.
Ele e representantes da organização do evento estavam em uma sala privada da plataforma Zoom. O pesquisador conta que nem o mediador e nem os organizadores souberam explicar o que houve. A área técnica do evento, no entanto, teria assumido a responsabilidade, justificando que o trecho foi cortado devido a palavra "desgraça", pois o termo poderia motivar a queda do vídeo por parte do YouTube.
"Disseram que eu uso uma linguagem inadequada e isso podia fazer com que o YouTube derrubasse o vídeo, e isso prejudicaria o evento. Imagine, falar 'desgraça' no YouTube como se fosse uma linguagem inadequada, no mundo das lives onde cada um praticamente fala o que quer. Ficou claro para mim que houve uma articulação interna e censura", afirma.
Melo revelou à reportagem que, após essa justificativa, pediu que a organização do evento informasse quem seriam os responsáveis pela área técnica pois faria uma denúncia. Como, até o momento, não obteve retorno, decidiu denunciar o evento como um todo.
O pesquisador acredita que a motivação para a censura à sua crítica venha de uma relação entre a organização do evento e o setor do agronegócio próximo ao governo Bolsonaro.
"Tem coisa aí. Tenho hipóteses: a Embrapa é ligada ao setor agrícola, e o setor do agronegócio é muito ligado ao governo. Eles [o evento] contam com patrocínio da Bayer, que é a maior fabricante e fornecedoras de agrodefensores e agroquímicos do mundo. Então, acho que ficaram com receio de melindrar o governo, que alguém fizesse uma crítica direta ao governo. Alguém deve ter feito essa leitura de receio e decidido censurar", analisa.
Segundo o biólogo, quando a organização do simpósio pediu para que os palestrantes gravassem as apresentações, não houve qualquer advertência sobre não poder tratar de assuntos políticos e que, por isso, a atitude é "grave".
"Uma vez detectado isso, eles podiam ter entrado em contato comigo. Podiam ter tirado a palavra desgraça se o problema era esse, mas cortaram na crítica", protesta. "Minha hipótese é que enxergaram algum conflito de interesse entre os patrocinadores", completa.
Fórum entrou em contato com representante da Embrapa e com a assessoria de imprensa da UPE para obter um posicionamento de ambas as instituições sobre a denúncia do pesquisador e aguarda retorno. O espaço está aberto para eventuais manifestações.
Confira, abaixo, o relato de Felipe Melo feito nas redes sociais.