O grupo Tortura Nunca Mais e vítimas sobreviventes das atrocidades cometidas pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, durante a Ditadura Militar (1964-1985), reagiram com indignação e perplexidade à reportagem da Fórum de quinta-feira (5) à noite, que revelou que o torturador, reconhecido assim pela Justiça em 2008 e falecido em 2015, consta atualmente como marechal do Exército Brasileiro e deixou pensão equivalente ao posto, no valor de mais de R$ 30 mil, para duas filhas.
Ariel de Castro Alves, presidente da organização de direitos humanos Tortura Nunca Mais, disse que, de tão absurdo, é até difícil acreditar no fato.
"É inacreditável. Os comandantes, o ministro da Defesa e o presidente da República responsáveis por isso precisam responder por improbidade administrativa. Há um descumprimento da legislação, é claramente uma afronta à legislação e certamente por motivos ideológicos", disse indignado.
Castro Alves reiterou que todo o levantamento realizado em diferentes épocas, inclusive pela Comissão Nacional da Verdade, não deixa dúvidas sobre quem foi o coronel Ustra.
"O relatório final da Comissão da Verdade deixou claro que Ustra foi um dos maiores criminosos da Ditadura, torturando ou chefiando sessões de tortura, promovendo desaparecimentos forçados, abusos sexuais, enfim. Ele sempre foi um dos piores agentes do período e esse grau de marechal é uma afronta", explicou.
Ele lamenta o fato do Brasil sempre ter agido na contramão da responsabilização desses criminosos, diferentemente dos outros países da América do Sul que, em maior ou menor grau, acertaram as contas com o passado.
"Enquanto Chile, Argentina, Uruguai e até o Paraguai respondem de forma exemplar aos casos de seus agentes torturadores, promovendo memória e verdade, aqui no Brasil esses torturadores são homenageados e agora recebem promoções, mesmo após um relatório tão contundente", finalizou Castro Alves.
Vítimas estão perplexas
Para a jornalista Amelinha Teles, que foi torturada pessoalmente por Brilhante Ustra, juntamente com seu marido, e que teve os filhos sequestrados e levados para assistir à sevícia praticada contra a mãe, a notícia de que então coronel foi promovido a marechal e de que deixou uma robusta pensão para as filhas, bem em meio à militarização do governo encabeçado por Jair Bolsonaro, é um escárnio.
"É lamentável demais. Um sujeito que nunca passou de coronel em vida se torne marechal depois de morto. Sendo que ele, o coronel Ustra, foi o único torturador da Ditadura que foi reconhecido oficialmente pelo judiciário, por um dos poderes da República, como torturador. Em primeira, segunda e terceiro instâncias. E o prejuízo que ele trouxe não foi só a mim e à minha família, foi prejuízo ao Brasil, ao povo brasileiro. Ele era um comandante da tortura, do extermínio, dos desaparecimentos de corpos de militantes políticos", protestou.
A sobrevivente alerta para o fato de que isso pode ser um precedente sério, uma vez que o governo ignora uma decisão da Justiça como a que reconheceu Ustra como torturador, lembrando que não se sabe o que virá pela frente num regime que adotou o autoritarismo como padrão e que ignora o respeito à dignidade humana.
"É extremamente grave, pois o Executivo não está respeitando as decisões de um outro poder, no caso o Judiciário. Ele é o único torturador reconhecido pelo Estado brasileiro, promovê-lo é apologia da tortura. Será que nós estamos vivendo numa espécie de ditadura que vai implantar a a censura, a tortura, as prisões arbitrárias também?", frisou.
O ex-deputado Adriano Diogo (PT-SP), que foi preso durante a Ditadura e levado para a sede da OBAN, em São Paulo, o quartel general das torturas, que ficava na Rua Tutoia, se indignou com a promoção recebida pelo carrasco admirado por Bolsonaro, mas salientou que jamais fomos capazes de punir alguém que cometeu tantas atrocidades.
"Você imagine, nós estamos falando de fatos de 50 anos atrás, e esse senhor, que é o símbolo da repressão e da tortura, e que foi um dos idealizadores desse grupo formado também por Golbery (do Couto e Silva), (Ernesto) Geisel, todos da Escola das Américas, nunca foi punido e se tornou marechal", disse desconsolado.
Diogo enfatiza que é necessário lembrar, acima de tudo, que Ustra foi um dos idealizadores dos métodos cruéis que o regime autoritário utilizou no Brasil, mas torna a insistir no tema da impunidade.
"Ele foi um dos teóricos desse mecanismo, um dos criadores da OBAN (Operação Bandeirante), dos DOI-CODIs, que unificaram o sistema de tortura. E perante a Justiça ele é o único condenado e reconhecido como torturador… Nós tivemos todo o tempo do mundo para puni-lo e não o fizemos", recordou.
O ex-parlamentar, que foi colega de classe de Alexandre Vannucchi, estudante da USP torturado e morto por Ustra e que se tornou símbolo da luta contra a Ditadura, traçou ainda analogias com outras figuras e regimes violentos da História, na tentativa de criar um parâmetro para classificar a monstruosidade da promoção do oficial ao grau de marechal.
"É uma afronta! Na verdade, um nova afronta! Essas promoções à revelia, justamente agora, nesse quadro político que vivemos, com Bolsonaro, bolsonarismo, militarização, enfim… Alguém consegue imaginar, claro, respeitadas as devidas proporções, homenagens e promoções a personagens ligados a Hitler, Mussolini, Franco? Nada, absolutamente nada, justifica isso!", comparou.
Adriano Diogo ainda teceu críticas a um dos ministros mais próximos do presidente Jair Bolsonaro e encerrou dizendo que ele mantém muita coisa em comum com essas figuras do passado.
"Já houve muita condescendência com essa gente. Vejam só o Heleno (general, ministro-chefe do GSI), fez o que fez no Haiti, um homem que é um verdadeiro prolongamento do Major Curió (Sebastião Rodrigues de Moura, outro notório repressor da época). E essas pessoas agora estão aí, novamente", finalizou.