Eleição de Cury ao Conselho da Criança e Adolescente é irregular, aponta OS

Exclusivo: Afastado da Alesp após assédio sexual a Isa Penna, deputado estaria ocupando vaga da sociedade civil representando entidade que ele já destinou verbas. Assessoria de Cury nega irregularidade

Fernando Cury - Foto: Divulgação
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A eleição do deputado estadual Fernando Cury (Cidadania-SP), suspenso por seis meses por assediar a colega Isa Penna (PSOL-SP), para integrar o Conselho Estadual da Criança e do Adolescente de São Paulo (Condeca-SP) fere o regimento interno da entidade, de acordo com a organização social (OS) Rede Brasileira de Conselhos (RBdC). O fato causou muita repercussão e indignação nas redes sociais.

Milena Franceschinelli, presidente da OS, observa que há incompatibilidade com o regimento e com as leis vigentes. O posicionamento é corroborado pelo advogado André Carvalho, presidente da Comissão Especial de Direito do Terceiro Setor do Conselho Federal da OAB.

Segundo a assessoria do deputado, este será o quarto mandato de Cury no Condeca, sendo dois como representante da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e dois pela sociedade civil.

Milena afirma que “na gestão anterior, ele era presidente do conselho, representando a Alesp. Nessa nova gestão, ele foi eleito para o biênio 2021-2023 com a representação da Creche e Berçário Criança Feliz, entidade no município de Botucatu, que, inclusive, segundo o site jusbrasil, foi contemplada com recursos destinados por ele por emenda parlamentar”, relata.

“O regimento interno do conselho prevê que, ao ser candidato, o mesmo deve apresentar declaração se dizendo não pertencente a nenhum tipo de poder público, municipal, estadual ou federal. Isso já contradiz completamente a situação, visto que ele é deputado”, destaca a presidente da Rede Brasileira de Conselhos.

A Fórum solicitou à assessoria de Cury um posicionamento a respeito da questão e o retorno foi o seguinte: “O regimento prevê que não pode ser servidor público comissionado, o que não é o caso de Cury”.

No entanto, o advogado André Carvalho, tem opinião divergente. “Todos questionam a atuação dele em função da questão moral, mas minha abordagem é sob o ponto de vista técnico, legal. Até porque também sou conselheiro, já fui conselheiro estadual de Saúde, sou atualmente conselheiro Estadual de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e sei como funciona essa dinâmica de conselho. Então, às vezes, há legislações que são muito erradas e omissas em determinadas questões e a gente agora está vendo um exemplo disso”, afirma.

“O fato é que ele, como deputado, não poderia estar ocupando uma vaga da sociedade civil, porque, inclusive, a própria Assembleia Legislativa tem assento. Então, o poder que ele faz parte tem assento na outra base, que é do poder público. De acordo com a própria lei e o regimento interno, uma das vagas do poder público é da Assembleia Legislativa”, explica o advogado, que também é integrante da Rede Brasileira de Conselhos e conselheiro Estadual de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência de Pernambuco, além de conselheiro Municipal de Saúde de Paulista (PE).

Carvalho aponta que a candidatura de Cury, por ele ser deputado estadual, por uma vaga da sociedade civil provocaria um conflito de interesses, porque “estaria pendendo a balança para o poder público. Qual a certeza que se teria de que na hora de uma votação, ele não penderia para o poder público, que, na verdade, ele também representa, como deputado?”, questiona.

“No caso, a paridade entre representantes do poder público, dentre eles a própria Assembleia Legislativa, sofreria um abalo, pois entrando como representante da sociedade civil e sendo membro da Alesp, ocorreria um flagrante conflito de interesses que poderia enfraquecer o controle social e ter disfarçadamente uma maioria do poder público. Isso afetaria o próprio dispositivo do artigo 3º da Lei que criou o conselho e o mesmo correspondente no Regimento Interno, devendo, neste caso, disputar a vaga numa lista tríplice da assembleia para escolha pelo governador”, relata Carvalho.

Vínculo com a instituição

Outra questão, segundo o advogado, é que, pelo Edital, Cury deveria comprovar vínculo com a instituição, o que já seria incompatível com o exercício do cargo público de deputado estadual.

“Essa comprovação de vínculo não é uma mera associação, mas, sim, a comprovação de atuação na sociedade civil, o que pode ter sido interpretado pela comissão como o simples fato do mesmo ser associado. O que pode ter acontecido é que ele pode ter algum tipo de vinculação. Acredito que essa creche e berçário deva ser uma associação sem fins lucrativos, para estar participando como sociedade civil, e ele pode estar vinculado de alguma maneira. E o fato de ele estar associado a alguma coisa não significa que ele represente. Então, quando se exige um vínculo não é apenas uma formalidade”, destaca o advogado.

Na avaliação de Carvalho, talvez, nesse ponto, a comissão tenha considerado um mero vínculo associativo como cumprimento dessa exigência. “Então, se houvesse um rigor, seria observado que o vínculo com a instituição deve se dar no momento em que você representa a instituição como atividade na sociedade civil. Embora ele possa ter esse vínculo e ser um associado dessa creche, ele, efetivamente, não deve trabalhar na creche, até porque seria incompatível com o cargo dele de deputado estadual. Então, por si só, já seria um flagrante desrespeito ao próprio regimento eleitoral”.

O advogado destaca que “as pessoas também estão se pegando em um detalhe que no regulamento diz que não pode ser representante quem tenha cargo de comissão ou função no Executivo. Ainda fizeram questão de frisar que seria no Executivo. Mas, na verdade, o que a gente não pode esquecer é que a própria assembleia também compõe o conselho como membro do poder público. Então, ele, como membro da assembleia, teria que participar da lista tríplice que o governador indicaria e talvez, por toda essa polêmica, ele não teria esse apoio. Com isso, tentou escalar a vaga pela sociedade civil”.

Mandatos consecutivos

Outro fato que a própria lei e o regimento proíbem, ainda de acordo com Carvalho, é o terceiro mandato consecutivo. “Na página dele tem a informação que ele já integrava o Condeca de 2015 a 2018. O segundo mandato, de 2018 a 2021, e agora, nessa eleição, para o terceiro mandato, que seria de 2021 a 2023. Isso independe. A proibição não é em relação à instituição. A instituição pode ter mandatos consecutivos, não tem problema nenhum. A pessoa, o conselheiro, é que não pode ter”, completa.

Incompatibilidade

O advogado Ariel de Castro, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, também criticou a votação que elegeu Cury como membro do conselho. Ele já foi conselheiro do Condeca e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

“A incompatibilidade é que o regimento exige pessoas idôneas. E quem está afastado da Alesp por importunação sexual de uma colega, e respondendo investigação pelos mesmos fatos, pode não ser considerado idôneo para a função. E também não é aceitável que alguém que já exerce mandato eletivo de deputado, mesmo que esteja afastado temporariamente, exerça o cargo de conselheiro como se fosse da sociedade civil”, atestou o advogado.

O Condeca-SP é um colegiado consultivo composto por 40 conselheiros (20 titulares e 20 suplentes), que participam da elaboração das políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente com o governo estadual. Os integrantes são eleitos todos pela sociedade civil.

Suspensão

Em abril deste ano, a Alesp decidiu, por unanimidade, suspender temporariamente o mandato do deputado Fernando Cury por 180 dias. A decisão ocorreu após o parlamentar assediar sexualmente a deputada Isa Penna (PSOL).

O Grupo Tortura Nunca Mais divulgou uma nota pública lamentando a eleição de Fernando Cury ao Condeca. Veja abaixo: