A ex-ginasta Daiane dos Santos, primeira atleta brasileira, entre homens e mulheres, a se tornar campeã mundial de ginástica artística, em 2003, deu uma entrevista à Revista Marie Claire e falou, entre outros assuntos, sobre racismo no esporte.
Para a primeira mulher negra a ganhar uma medalha de ouro no Campeonato Mundial da modalidade, num país como o Brasil, não há um só negro que não tenha sofrido um episódio de discriminação racial na vida, ainda que para ela “muita gente não saiba diagnosticar, não entende o que está se passando”.
Daiane acredita que a realidade dos negros brasileiros que vivem na região Sul, que tem o maior percentual de população branca e recebeu um grande fluxo de imigrantes europeus num período mais recente da História, seja mais difícil. Ela fala com conhecimento de causa, pois é gaúcha.
“E além da questão da raça, tem a questão de vir do Sul, de não ser do centro do país, de ter origem humilde. Ou seja: ela é tudo o que a gente não queria aqui! E aí é óbvio que precisa de uma rede de apoio para te manter estruturada, para aguentar firme. Eu fingia que não ouvia, porque eu sabia que eu não precisava daquelas pessoas para chegar onde eu queria chegar. Quem eu precisava já estava do meu lado. Eu sei que isso parece muito seco, muito duro, e até muito fácil. Mas eu sempre tive isso dentro de mim, é da minha personalidade, vou muito pelo o que eu quero, sou muito teimosa. Teimosa e com a confiança de ter tido uma educação muito consciente em casa”, explicou.
Os casos de racismo mais extremos e perceptíveis enfrentados pela atleta, que deixou a ginástica artística há nove anos, partiram de companheiros de clube e seleção que não utilizavam o mesmo banheiro que ela. A situação fazia com que Daiane se questionasse sobre o que realmente ocorria na sociedade e lembrar do que já tinha ouvido falar sobre segregação racial.
“Comigo, houve situações na seleção, nos clubes, de pessoas que não queriam ficar perto, que não queriam usar o mesmo banheiro! Aquele tipo de coisa que nos faz pensar: opa, voltamos à segregação. Banheiros para brancos e banheiros para pessoas de cor”, relembrou.
Sobre o caso de racismo envolvendo os ginastas Arthur Nory e Ângelo Assumpção, em 2015, no qual o primeiro chamou o segundo, que é negro, de “saco de lixo”, gerando indignação em todo o Brasil, Daiane disse que conhece os dois atletas desde que eles tinham oito anos, que já conversou muito com ambos, e que a história parece ter elementos que o público em geral desconhece. Por conta disso, ela preferiu não falar nada sobre o episódio.
“Não tenho falado muito sobre essa questão do Ângelo e do Nory. Eu conheço os dois desde que eles tinham oito anos e tem muita coisa atrás dessa história que as pessoas não sabem. Então, se eu não vou ajudar, não vou atrapalhar. Eu já conversei muito com os dois. Muita gente não sabe, mas eles eram melhores amigos e antes do ocorrido, já tinha acontecido muita coisa. O Ângelo não treina já há um tempo. E também tem todo o sigilo do processo, então resolvi não me meter, porque é uma história em que não tem ninguém certo. Muitas pessoas negras vieram me cobrar, para eu me posicionar. Mas tem muitas questões ali”, desconversou.