“Nunca foi sobre meritocracia, e sim sobre oportunidades para mudar de vida”, diz a legenda da publicação de Artur Almeida, de 24 anos, estudante de medicina na Universidade Federal do Pará (UFPA), ao comentar a aprovação de seu irmão, Breno Almeida, 21, na mesma universidade. Na imagem, o ingressante posa sorridente com uma placa pendurada no peito: “calouro direito UFPA”. Em outra, ele aparece abraçando o pai, que trabalha com serviços gerais, e a mãe, costureira. O casal, que não conseguiu completar o ensino fundamental, hoje tem uma filha engenheira, um futuro médico e, agora, um futuro advogado que sonha em ser juiz.
Breno conta que seu interesse pelo direito surgiu após um estágio no Fórum da Comarca de Tailândia (PA), em 2018, vaga que conquistou após disputar um processo seletivo de âmbito nacional. Na época, ele estava no 3º ano do ensino médio. “Quando vi a diversidade de carreiras que a área proporciona e a possibilidade de poder defender os direitos das pessoas, isso foi me chamando atenção e esse desejo de infância foi renascendo”, relata.
Assim como os irmãos, o jovem estudou em escola pública a vida toda. Ele não teve a oportunidade de fazer cursinho e precisou estudar para o vestibular em casa, assistindo aulas no YouTube pelo celular e fazendo exercícios em livros didáticos que o irmão mais velho ganhou enquanto vestibulando. Ele conta que foram duas tentativas até conseguir a tão almejada aprovação. “Havia muita pressão pessoal”, desabafa o estudante.
A necessidade de estudar “por conta” para prestar o vestibular foi algo que Artur também passou enquanto se preparava para a prova. “Eu não tinha nenhum acesso à internet, meu estudo foi todo em livros que ganhei do colégio quando demonstrei o estranho interesse em fazer vestibular”, conta o jovem.
Artur primeiro foi aprovado em engenharia civil na UFPA, curso que frequentou durante três anos e com um “histórico acadêmico excelente”, segundo ele. Após esse período, decidiu interromper os estudos em engenharia para se dedicar a sua verdadeira paixão, que era a medicina.
Sem condições financeiras de pagar um cursinho, Artur conta que pediu ajuda em um colégio particular da cidade. Ao saber do histórico escolar exemplar do jovem, o diretor da unidade decidiu conceder uma bolsa integral para ele. “Estudei o ano todo sem pagar um centavo e felizmente a tão sonhada aprovação em medicina veio”, celebra Artur, que também foi aprovado na Universidade Estadual do Pará (UEPA) e em uma universidade de Mogi das Cruzes.
Os três irmãos ingressaram na universidade pública por meio de cotas para quem estudou em escola pública, tem baixa renda e se identifica como negro ou pardo. Para Breno e Artur Almeida, ações afirmativas como essas cumprem um papel importante de “reparação histórica” no país.
“Não se trata de uma política de favorecimento, como muitos ainda acham, se trata de equidade, de oportunidade e de mitigação das desigualdades raciais, educacionais e econômicas que assolam esse país”, afirma Breno. “Permite que o filho da servente ocupe uma cadeira na mesma sala que o filho do banqueiro, recebendo o mesmo tratamento e educação acadêmica”, completa Artur.
“Meritocracia é uma lenda”
Ao relembrarem os percalços até o ensino superior, os irmãos criticam aqueles que defendem o ideal de “meritocracia”, que prega que qualquer conquista é resultado de esforços pessoais - sem considerar, portanto, desigualdades sociais ou raciais. “Meritocracia é a lei da sobrevivência do mais forte e que promove constantemente a exclusão de pessoas pobres e negras”, comenta Artur.
“Quantos jovens como eu não conseguiram realizar seus sonhos mesmo se esforçando?”, questiona Breno. “Eu me esforcei sim, me dediquei, me mantive persistente, mas eu também tive oportunidade”, completa o estudante, que destaca a possibilidade que teve de estudar, ter um celular para assistir às aulas e poder contar com o suporte financeiro e emocional dos pais – além, claro, do sistema de cotas do vestibular.
“Meus pais ficaram muito felizes e emocionados [com a aprovação], pois sempre trabalharam muito para que nós pudéssemos nos dedicar integralmente aos estudos. Eles são nossos maiores incentivadores por saberem que ‘a caneta pesa menos que a pá’”, finaliza o futuro advogado.