Não foi apenas com a escolha da tema da redação do Enem que o presidente Jair Bolsonaro deve ter ficado descontente. Apesar de Bolsonaro dizer que a prova realizada neste domingo (21) teria a cara dele, o Enem manteve suas características habituais com questões que promovem reflexão.
A prova foi elogiada por educadores, que exaltaram a resiliência dos servidores que constroem o Inep independente das pressões do governo. Questões vetadas pelo governo teriam sido substituídas por outras de teor muito similar.
Uma questão que chamou bastante atenção nas redes sociais envolve a música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho. A prova perguntava qual comportamento coletivo o compositor queria dizer com os versos da massa que seguia adiante como gado. A resposta seria a passividade social. Essa canção foi lançada em 1979, período em que vigorava a ditadura militar.
"Parabéns aos servidores que resistiram a esse governo atual, bem como sua interferência, e trouxeram questões de relevância para o #Enem2021. Abordar racismo, leitura crítica de notícias, emancipação feminina, aumento da população carcerária, questões indígenas, é fundamental", disse o professor e ativista Jonas Di Andrade no Twitter.
Daniel Cara, dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, destacou que a manutenção da estrutura do Enem se deve à existência do Banco Nacional de Itens (BNI). "Bolsonaro manda tirar um item, entra outro do BNI. E todos os itens precisam ser pré-testados. Isso se chama Serviço Público", tuitou.
A professora Tatiana Roque ainda ironizou o presidente. "Disseram que Bolsonaro ia intervir no Enem, mas pelo que vi até agora teve Piketty, redação sobre invisíveis, Admirável Mundo Novo e...... Deleuze??? Doida pra ver essa. Inep arrasou: driblou o bozo e manteve a linha", escreveu.
Crise no Enem
O Enem viveu uma crise nos últimos dias, principalmente após um desligamento em série de 37 servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) depois do pedido de exoneração do coordenador-geral de exames para certificação, Eduardo Carvalho Sousa, e do coordenador-geral de logística da aplicação, Hélio Junior Rocha Morais.
Servidores do órgão responsável pelo exame afirmaram à imprensa que sofreram pressão psicológica e vigilância velada na formulação do Enem 2021 para que evitassem escolher questões polêmicas que eventualmente incomodariam o governo Bolsonaro.
Segundo eles, houve tentativas de interferência no conteúdo das provas, situações de intimidação e despreparo do presidente do órgão, Danilo Dupas. O foco principal dessa intervenção seria as questões de história recente, em especial sobre a ditadura militar.
Durante viagem internacional aos Emirados Árabes, o presidente Jair Bolsonaro sinalizou que teria interferido no Enem para que a prova tivesse “a cara do governo”.