Conforme noticiado nesta segunda-feira (5) pela Fórum, o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, protocolou 22 processos no Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo suspender uma legislação que permite à Defensoria Pública solicitar documentações da Justiça para os casos nos quais atua.
Na prática, se o STF acatar o pedido do PGR, o trabalho dos defensores públicos, que atuam garantindo direitos de pessoas sem condições financeiras de pagar por advogados, estará em risco de extinção, deixando milhões de brasileiros pobres sem acesso à assistência jurídica.
À Fórum, a presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), Rivana Ricarte, afirmou que, caso a solicitação de Aras seja atendida, um dos impactos será o aumento dos gastos e do tempo envolvendo os processos judiciais.
"Isso porque aumentará o número de ações preparatórias para o ingresso da demanda principal. Ou seja, sem a possibilidade de requisitar documentos para instruir as ações das pessoas em situações de vulnerabilidades que buscam a instituição, defensoras e defensores terão que entrar com ações prévias para que o judiciário determine o acesso aos documentos antes da ação principal, causando maior sobrecarga ao Judiciário e maior morosidade na solução jurisdicional do direito de milhares de cidadãos", analisa Rivana Ricarte.
A presidente da Anadep ressalta, ainda, "que muitas destas pessoas que buscam a Instituição [Defensoria Pública] estão tão fragilizadas do ponto de vista econômico e social, que sequer têm condição de diligenciar para conseguir os documentos necessários para propositura das demandas". "É para isso que serve o poder de requisição", emenda.
Justificativa
O argumento de Augusto Aras para o pedido ao STF é de que advogados particulares não têm essa prerrogativa de acessar documentos de seus clientes e que, portanto, esse não poderia ser um direito exclusivo dos defensores públicos.
No entanto, entre juristas, a tese não tem sentido, já que a decisão de 2010 usada por Aras como exemplo para a proibição, na verdade, vetou o acesso a documentos de empresas privadas, não públicos.
"Essa posição do MPF é perversa em relação à Defensoria. Essas ações em âmbito nacional vêm com o intuito de enfraquecer a Defensoria Pública. E enfraquecendo a Defensoria se fecha portas de acesso ao Poder Judiciário", afirmou o defensor público-geral da União, Daniel Macedo, à Folha de S. Paulo.
Através das redes sociais, o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), nesta terça-feira (5), também criticou a solicitação do PGR.
"GRAVISSÍMO! O PGR acionou o STF p/ restringir a atuação de defensores públicos, o que pode deixar brasileiros mais pobres sem acesso à Justiça. É inadmissível largar à própria sorte aqueles que mais precisam de apoio p/ garantir direitos. O Supremo não pode permitir esse absurdo!", afirmou o parlamentar.
30% dos brasileiros não têm acesso à Justiça
O acesso à Justiça no Brasil é para poucos. Apesar da Constituição Federal garantir como direito fundamental a assistência jurídica integral e gratuita àqueles que têm insuficiência de recursos, há atualmente no país um déficit de defensores públicos para suprir a demanda.
É o que mostra o 2º Mapa das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital no Brasil, pesquisa feita pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lançada em agosto.
Atualmente, a Defensoria Pública atende, anualmente, cerca de 14 milhões de pessoas que precisam de auxílio. A quantidade de defensores públicos, no entanto, ainda está longe dos parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Justiça, que prevê 1 defensor para cada 15 mil pessoas em situação de vulnerabilidade.
Segundo o estudo, que compila dados de 2019 e 2020, com atualizações para 2021, os defensores públicos estão presentes somente em 42% das 2.762 comarcas que o país conta atualmente.
Para se ter uma ideia, a pesquisa mostra que 1.600 comarcas não contam com atendimento desses trabalhadores, o que faz com que cerca de 58 milhões de brasileiros fiquem sem acesso à Justiça – isso representa por volta de 30% da população.
O levantamento aponta que, hoje em dia, há cerca 6 mil defensores públicos atendendo a população, quando o ideal seria, ao menos, 4,7 mil profissionais a mais para a tender a demanda – isto é, há um déficit de 79,4% de defensores públicos.