Durante o período em que o PL 1645, que versava sobre a reestruturação das carreiras nas Forças Armadas, tramitou no Congresso Nacional, de 14 de agosto a 20 de novembro de 2019, o Exército Brasileiro monitorou por meio das redes sociais jornalistas, parlamentares, blogueiros e outros cidadãos para evitar que a proposta de nova legislação para os membros da caserna manchasse a imagem da corporação.
Na prática, a reestruturação trouxe mais benesses e regalias aos oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica, como aumento dos soldos e descontos previdenciários menos draconianos que aqueles aplicados aos civis. Preocupados com o impacto que isso acarretaria na opinião pública, e sempre zelosos com sua autoproclamada honestidade inflexível, o Centro de Comunicação Social do Exército (Ccomsex) determinou à Divisão de Produção e Divulgação que elaborasse relatórios de acompanhamento de atividades em redes sociais de algumas pessoas, entre elas profissionais de imprensa, políticos com mandato, figuras de grande relevo no universo da internet e outros membros da sociedade civil.
Na última semana, durante uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto negou veementemente que algo do tipo tivesse ocorrido e ficou irritado com a pergunta feita pelo deputado Glauber Braga (PSOL-RJ).
A informação sobre o monitoramento de civis para garantir a aprovação de uma lei que garantiria regalias aos militares veio à tona após uma publicação feita pela Revista Sociedade Militar. Na reportagem, o deputado federal Marcelo Freixo (PSB), que à época da tramitação do PL 1645 era filiado ao PSOL, seria apontado como um “forte influenciador das massas radicais no Twitter”. Sua antiga legenda também foi descrita de forma preocupante pela arapongagem verde-oliva: “o PSOL, ainda com as manobras regimentais e destaques, apresenta-se como o maior detrator da Comissão”.
No levantamento, os militares classificam os potenciais “detratores” em grupos como jornalistas de esquerda, blogs de esquerda e perfis e personalidades “alinhadas ao Lulismo”.
O relatório, que faz menção ainda a 19 outros deputados, foi encaminhado pelo Exército ao jornal Correio Braziliense, mesmo após a insistência do general Braga Netto em negar sua existência. Segundo a organização militar, esse tipo de acompanhamento é legal, não exige qualquer tipo de sigilo e tem suas fontes abertas, para o conhecimento de todos.