Fundada em 1952 pelo então governador Juscelino Kubitschek, que se tornaria presidente da República quatro anos mais tarde, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), inicialmente uma estatal, hoje uma empresa de economia mista, atravessa um dos piores momentos dos seus longevos 69 anos de existência.
Desde o início do mandato do atual governador mineiro, Romeu Zema (Novo), há dois anos, a Cemig, segundo representantes das categorias de trabalhadores do setor, tem sido vítima de uma desastrosa gestão e alvo de inúmeras denúncias de desmandos, malversação de recursos e precarização dos serviços prestados aos cidadãos.
O coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro), Jefferson Silva, afirma que no dia 8 deste mês recebeu informações, de fontes diversas, de que 15 gerentes e superintendentes da Cemig tinham sido afastados de seus cargos. Em comum, os supostos destituídos tinham o fato de serem frontalmente contrários à privatização da Cemig, diferentemente do governador Zema e de seu partido.
Cinco dias depois, a direção da empresa emitiu um comunicado para os funcionários confirmando os rumores e assinalando que a medida havia sido tomada porque o Conselho Administrativo da companhia aprovara uma autorização para a contratação de 40% dos trabalhadores de fora dos quadros da Cemig. Ou seja, para admitir pessoal não concursado. A decisão vem a reboque de outras ações confusas e à margem da lei tomadas na Cemig, como a própria contratação do atual presidente, Reynaldo Passanezi Filho.
"Nós, do Sindieletro, não temos dúvidas de que essa é mais uma das várias medidas que visam a fortalecer o projeto de privatização da Cemig, uma vez que o governador indicará para esses postos estratégicos pessoas alinhadas com sua política privatista", afirma Silva.
O órgão de classe encaminhou denúncia ao Ministério Público de Minas Gerais, direcionando os dados sobre contratações ilegais de serviço e de pessoal à Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Belo Horizonte. A intenção é que o MP faça uma devassa na gestão de Passanezi, apurando todas as irregularidades apontadas no ofício.
Para Silva, é necessário que haja uma investigação profunda sobre o que, segundo ele, seria uma farra com os cofres da Companhia Energética de Minas Gerais, ao passo que os empregados da instituição seguem desvalorizados. "O presidente da Cemig tem salário de R$ 85 mil, enquanto um eletricista da empresa ganha R$ 1.900 iniciais", completa.
Nomeação Paranormal – Sobre a nomeação de Reynaldo Passanezi Filho, atual presidente da Cemig, paira uma série de controvérsias e até um episódio paranormal. Ele assumiu o cargo em 13 de janeiro de 2020 e assinou o contrato com a empresa que faria a sua seleção como novo presidente no dia 20, uma semana depois. Trata-se de um caso único de viagem no tempo.
Para piorar, a Cemig contratou a consultoria que teria feito a escolha de Passanezi depois de sua posse sem concorrência, ou licitação, e sem revelar os custos do serviço.
A lambança não para por aí. Passanezi também pagou um profissional de coach para maximizar seu desempenho frente à companhia. O valor do contrato, com duração de dois anos? Módicos R$ 156 mil, mais uma vez assinado sem licitação ou concorrência pública.
No Diário Oficial, a justificativa dada pela Cemig e pelo governo Zema baseou-se na Lei das Estatais. Segundo a publicação, a contratação do coach deu-se dessa forma por “inviabilidade de competição” e por serem “serviços técnicos especializados ou de empresas de notória especialização”, contrariando o adágio popular de que há um coach em cada esquina.
Murilo de Campos Valadares, presidente do Sindicato dos Engenheiros de Minas Gerais (Senge), acha absurda a forma como foi contratado o serviço de coach para Passanezi, sobretudo porque, segundo ele, os quadros estatutários e de confiança existentes hoje na Cemig poderiam suprir perfeitamente essa demanda por assessoria.
“Se o presidente precisa de assessoramento, entendo que a Cemig possui inúmeros cargos de confiança que poderiam ser ocupados para esse fim. A contratação de um profissional, nos termos em que foi, denota pouco apreço pelos recursos públicos, pois a Cemig ainda é controlada pelo Estado de Minas Gerais, embora não pareça”, protesta.
Acionistas – Como a Cemig hoje é uma empresa de capital misto, suas ações são negociadas nas bolsas de valores de São Paulo, Nova York e Madri. Valadares ressalta que uma maneira encontrada de frear a sanha predatória da atual gestão é fazer denúncias sobre a piora nos indicadores e a falta de lisura na administração da companhia.
“O Senge envia seus comunicados para a Comissão de Valores Mobiliários. Os investidores, sobretudo os minoritários, precisam saber que estão sucateando a empresa e a depreciando. Isso não pode ficar impune. Os órgãos que regulam o mercado de ações não podem permitir isso”, explica.
O fator Amoêdo – Matéria publicada pelo blog Além do Fato, vinculado ao portal mineiro de notícias UAI, de 13 janeiro do ano passado, informa que a escolha do novo presidente da Cemig foi feita por João Amoêdo, líder nacional do Novo, partido do atual governador Zema. O texto informa que devido ao Estado de Minas Gerais ser a "vitrine" do partido de orientação ultraliberal, todas as decisões importantes da gestão são tomadas por Amoêdo.
Romeu Zema e João Amoêdo, assim como Reynaldo Passanezi Filho, têm um longo histórico de defesa das privatizações no Brasil. O último, a propósito, defendeu a venda da Cemig durante uma live, em 8 de maio de 2020, afirmando que uma gestão nessa direção pode “colocar condições que aumentem em muito a chance de sucesso da privatização”.
Qualidade do serviço – Desde 2019 o próprio governador Romeu Zema vem fazendo críticas à qualidade dos serviços prestados pela Cemig. As reclamações geram mal-estar nos funcionários e diretores da companhia e invariavelmente são interpretadas como uma estratégia para privatizar a energética, uma promessa de Zema desde a campanha eleitoral de 2018. No entanto, o caminho para entregar a Cemig à iniciativa privada não é tão simples. Por lei, a Assembleia Legislativa do Estado precisa aprovar a decisão com dois terços dos parlamentares, para depois submeter o resultado a uma consulta popular.
O Sindieletro acredita que a precarização dos serviços, que se agravou de dois anos para cá, não passa de uma estratégia para entregar a Cemig nas mãos do setor privado. “Não nos resta dúvidas que o governador Romeu Zema e a sua gestão na Cemig vão acirrar a tentativa de privatização da empresa neste ano, sabendo que em 2022 terão dificuldades para passar o projeto, por ser ano eleitoral”, argumenta Jefferson Silva.
O que diz a Cemig – A reportagem da Fórum entrou em contato com a assessoria de imprensa da Cemig, solicitando esclarecimentos em relação às informações apresentadas, mas não recebeu resposta até o fechamento desta matéria.