O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, qualificou como “animalesco” o perfil do homem de 33 anos que estuprou sua sobrinha por quatro anos, desde que ela tinha 6. O criminoso está foragido desde a descoberta dos crimes. Devido aos abusos, a criança engravidou e foi submetida nesta segunda-feira (17) a um aborto, autorizado pela Justiça.
Em entrevista à BBC Brasil, o ministro disse que é impensável o abuso que a criança sofreu por quatro anos. "O quadro revela o perfil animalesco do homem", disse. "A gravidez nunca vista de criança com 10 anos estarrece.”
Na avaliação de Marco Aurélio, a interrupção da gestação está "evidentemente autorizada pela Justiça". Para o ministro, o aborto nesse caso teve como premissa “preservar a vida da criança".
Outras repercussões
O caso da garota do Espírito Santo, levada para Pernambuco para interromper a gestação, virou tema de embate nas redes sociais e fora delas.
A cantora Zélia Duncan postou: “Qual o nome do estuprador monstruoso, que desgraçou a vida da própria sobrinha, desde os seis e agora a engravidou, aos dez anos? Tá foragido, por que não vão atrás dele, pra lembrá-lo de que vai pro inferno? Cadê a foto desse criminoso nojento? Por que não é essa a obsessão?”.
A deputada federal Samia Bonfim (PSOL-SP) também se manifestou lembrando da cultura do estupro no país. “Se a menina de 10 anos tivesse sido estuprada por um estranho numa festa, seria xingada de vagabunda. Como o estuprador é o tio e o crime ocorreu em casa, ela está sendo chamada de assassina por interromper a gestação. Na cultura do estupro, a culpa sempre cai sobre a mulher.”
O humorista Whindersson Nunes ofereceu ajuda à criança. “A terra devia estar em paz com tantos Jesus nas redes sociais, tantos imaculados. Me preocupa o tanto de atrocidades que essa criança vai ouvir no decorrer da vida. Alguém da família entre em contato, quero ajudar com toda a assistência piscológica até os 18 anos”, escreveu.
Já o cantor e compositor Emicida lamentou o tratamento que a criança, que foi vítima de uma violência por quatro anos, recebeu de algumas pessoas. “O brasil ( com b minúsculo mesmo pq respeito tem que merecer) mobilizou dezenas de pessoas pra chamar uma criança de 10 anos estuprada durante 4 anos e agora grávida de seu estuprador de assassina, por ela tentar cumprir um direito garantido por lei. Aqui, o elevador só desce.”
O deputado estadual do Rio e ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc escreveu no Twitter que “a reação dos fundamentalistas na questão do estupro da menina de 10 anos é de obscurantismo medieval”. E seguiu: “Calam sobre o estupro e ameaçam médicos que praticarem aborto legal, com risco iminente de vida à menina, determinado pela Justiça!”.
Relembre o caso
Uma menina de 10 anos foi levada pela tia no sábado No sábado (8) para ser atendida no Hospital Roberto Silvares, em São Mateus (ES), com dores abdominais. Ali, foi constatado que ela estava grávida. Atendida por especialistas e autoridades, a criança revelou ter sido abusada pelo tio desde os 6 anos de idade e que a gestação era fruto dessas violências sofridas.
O juiz Antônio Moreira Fernandes, do Tribunal de Justiça do Espírito Santos, atendeu a um pedido do Ministério Público Estadual neste sábado (15) e permitiu que a menina realizasse um aborto.
Mas ela teve que ser levada para Recife, em Pernambuco, porque um hospital estadual do ES se recusou a fazer o procedimento, alegando que a gestação estava muito adiantada, com 22 semanas.
Na porta do hospital em que a garota foi atendida no Recife, militantes religiosas contra o aborto foram se manifestar para tentar impedir sua realização. Depois, ativistas que defendiam o direito de a criança interromper a gestação foram também para o local.
Na decisão em que permitiu o procedimento, o juiz Fernandes escreveu que a menina “apertava contra o peito um urso de pelúcia e, só de tocar no assunto da gestação, entrava em profundo sofrimento, gritava, chorava e negava a todo instante, apenas reafirmando não querer”.