Neste momento de pandemia todos nós fomos impactados de maneira avassaladora, estamos preocupados com a nossa existência, individual e coletiva, e com futuro e a sobrevivência econômica em diversos âmbitos. Uma dúvida é insistente: Como estaremos consumindo, pensando e olhando para o mundo daqui para a frente?
Não há dúvidas de estamos mudando nossos hábitos culturais e nossa forma de consumo: essa transformação veio para ficar. A nova pandemia nos trouxe reflexões existenciais, nos mostrou que não podemos tudo e que somos apenas parte do universo e não o centro dele. Ao mudar a forma de pensar e de comprar, há efeitos no âmbito doméstico, no profissional e na relação com a comunidade. Nesse sentido, o empreendedorismo é um dos segmentos que encontra mais desafios, não só no presente, mas também no preparo para o futuro.
Ao se deparar com esse cenário tão novo, o empreendedor precisa, mais do que nunca, de seu repertório de conhecimentos para se refazer, repensar e também oferecer algo novo para todos e é aí que surgem duas importantes palavras muito faladas, mas, muitas vezes, pouco exploradas: inovação e economia criativa. Por que elas são tão importantes num momento de crise?
A economia criativa atualmente é o nascedouro do boom do empreendedorismo no Brasil. Ela trabalha com o capital identitário e se utiliza da cultura como base para a geração de negócios. E é extremante pujante nos setores da gastronomia, da moda, das artes, da tecnologia, da arquitetura, do entretenimento e do design, entre outros. Sem dúvida, ela não se dissocia da inovação porque bebe também dela para criar novas frentes de produtos e serviços.
Além disso, um aspecto fundamental a se considerar é: o empreendedorismo social das minorias no Brasil tem origem na economia criativa. Ou seja, ela empodera os grupos com pouca representatividade e abre espaço no mercado, na medida em que possibilita a criação de produtos e serviços ligados às suas identidades culturais e promove sua independência financeira. No mundo todo, a economia criativa tem esse papel, no caso das artes, por exemplo, um cenário próspero não só da vida às comunidades como gera negócios, cria empregos e fluxo de conhecimento.
Segundo o Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, levantamento publicado pela Firjan em dezembro de 2016, a área criativa gerou uma riqueza de R$ 155,6 bilhões para a economia brasileira em 2015, o equivalente a quase 3,9% do Produto Interno Bruto (PIB) total produzido no país. A economia criativa surgiu na Austrália em 2001, quando o governo trabalhista passou a incorporar em sua estratégia de política e macroeconomia, o apoio a 13 setores que eram capazes de gerar renda. A ideia ganhou o mundo e o apoio da ONU (Organizações das Nações Unidas), por ser uma força poderosa de transformação. Nos EUA a economia criativa representava 4.2% do PIB e 3% do PIB global.
Antes da pandemia, este segmento aqui no Brasil contava com grande expectativa de crescimento também. A consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC) projetava uma ampliação por aqui de 4,6% até 2021, acima da média mundial de 4,2%. Ela é uma mola propulsora da inovação e da criatividade. Mas criar e inovar ainda é um grande desafio. Especialmente agora, em que o setor passa por uma crise devido ao novo vírus, a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo estima que a economia criativa deve reduzir metade de receita anual prevista – uma perda econômica de cerca de R$ 34,5 bilhões, com uma média de 650 mil pessoas sem fonte de renda.
Por conta disso, o governo anunciou linhas de crédito com condições especiais voltadas a pequenos, médios e grandes negócios, para incentivar o desenvolvimento de soluções para os setores mais afetados pela crise, como o cultural e criativo. Na primeira quinzena de março, o governador João Dória também liberou R$ 500 milhões para aquecer a economia do Estado – R$ 275 milhões exclusivamente para os setores de cultura e economia criativa, comércio e turismo.
Mesmo com aportes do gênero, percebo, como empreendedora, consultora e estudiosa da economia criativa que há ainda no país, uma grande dificuldade na gestão, reflexo da falta de capacitação dos empreendedores. Hoje existem algumas formações gratuitas, mas que não dão conta da crescente demanda. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), por exemplo, investiu até 2018, R$ 65 milhões, em 104 projetos de economia criativa, com o objetivo de aumentar a capacitação de gestão nos segmentos. Ainda assim, é necessário contarmos com mais políticas públicas para que o empreendedor possa desenvolver conhecimento e aprimorar seu negócio.
Destaco quatro elementos essenciais para o sucesso de um negócio, que nem sempre são seguidos: 1. Inovação – o que eu tenho a oferecer que o mercado ainda não oferece? Ela traz um elemento novo para setores e atividades; 2. Sustentabilidade social – qualquer empresa precisa ter um impacto social positivo; 3. Conexão com a comunidade – é preciso se comunicar o entorno, com seus vizinhos, criar uma identificação real com a comunidade na qual você está inserido; 4. Design Thinking – ou seja, a relação empática do seu negócio com o seu consumidor, o empresário precisa entender quem está consumindo.
Quando há falta de um desses quatro fatores em um empreendimento, há uma tendência maior a fechar. No Brasil, enfrentamos uma desigualdade social grande que influencia diretamente na concepção e gestão de um negócio, além de distanciar ainda mais o empreendedor da inovação, especialmente o pequeno negócio de localidades menos favorecidas. Para se inovar é preciso estudo, se não recebemos uma formação mínima é difícil sistematizar todo o processo que vai da criação do empreendimento até o seu desenvolvimento, incorporar esses quatro pontos e agregar novas tecnologias no dia a dia.
Por isso, considero a inovação o pilar mais delicado no cotidiano do empresário. Inovar pressupõe que se se tenha repertório cultural cuja base está, em sua maioria, no acesso à educação formal. A discrepância desse acesso vai se tornando maior conforme a pessoa galga as etapas da educação básica e chega à universidade. Cidadãos da periferia, mulheres, afrodescendentes, muitas vezes, alcançam a educação superior com deficiências na formação e com menos bagagem. Encontramos fortemente a desigualdade social no empreendedorismo e ela cria um funil difícil de quebrar.
Desafios do empresariado – do pequeno ao grande empreendedor
Nesse cenário, entre os empreendedores impactados estão o pequeno e médio comerciantes, que contam menos recursos financeiros e estão com as portas fechadas. Este é o momento de se investir em plataformas virtuais, nas redes sociais e sobretudo no delivery – que devem estar funcionando plenamente. Contratar uma assessoria profissional nessa área é muito importante agora para se obter resultados rápidos, existem fornecedores bastante acessíveis e há preços para todos os bolsos. Para setores como vestuário e beleza, é necessário não só estruturar a logística de entrega, mas também verificar e fazer uso consciente e produtivo do estoque, além de dar prioridade para itens que devem ser vendidos rapidamente. Para isso podem-se criar pacotes, promoções ou combos, por exemplo. Já os itens com maior longevidade podem ser vendidos por último. Já o segmento de alimentação conta com características diferentes, embora o desafio seja grande também. O empreendedor deve contar não só com sua própria rede de entregas, como também com outras plataformas e aplicativos. É preciso aprimorar esse serviço e pensar em alternativas, parcerias e saídas criativas para continuar conectado com antigos e novos clientes.
Nessa nova configuração de serviços, um ponto muito importante não deve ser esquecido: observar como se dão os contratos de atuação e fazer adendos ou ajustes se necessário. Para isso, contar com uma assessoria jurídica é essencial. Muitos empreendedores gastam com marketing e com ferramentas para potencializar suas vendas, mas não investem no aconselhamento jurídico. Por exemplo, se pensarmos num professor, é possível que ele passe a dar aulas online, porém se essa forma de serviço não está em contrato, é preciso formalizar a nova atuação para que, no futuro, não haja problemas para ambas as partes. É necessário saber se o tipo de serviço que o empreendedor presta pode ser feita online e quais as regras ele deve seguir. E sempre, claro, realizar sua atividade com ética, pensar na sua comunidade, no entorno, no seu cliente. O empreendedor, nesse momento, não pode ser mais um fator de estresse.
Apesar de ser um assunto recorrente, no Brasil o empreendedorismo ainda carece de professores, de especialistas e de uma sólida base acadêmica. Faltam também pesquisas sobre e para a área. Existem dois perfis de empresários no país: os que criam seus negócios por necessidade e aqueles que têm a vontade de trabalhar num negócio próprio. E embora alguns sejam mais privilegiados no acesso à educação, ambos encontram, em determinado momento, dificuldades similares. A economia criativa e o empreendedorismo, para se fortalecerem no Brasil, precisam de mais compreensão por parte da academia, com mais estímulos para pesquisas no segmento.
Para enfrentarmos essa crise com mais confiança, as universidades precisam apropriar-se da construção do conhecimento no universo do empreendedorismo, pois há ainda um grande distanciamento entre a atividade empresarial e o mundo acadêmico. A academia precisa se desfazer da imagem exploratória que está associada à atividade empreendedora, está na hora de quebrar esse ciclo. É preciso ver o empreendedorismo pelo aspecto social, ver o empreendedor como uma força que gera emprego na comunidade e que pratica uma gestão horizontal. Quando bem conduzidos, orientados e capacitados, seremos todos capazes de inovar, gerar riquezas sustentáveis e boas relações produtivas e criativas.