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Por Arthur Stabile, da Ponte
Um grupo jogava bola na quadra enquanto Leandro Prior aguardava ansioso. Pegava o celular, mandava um áudio. Menos de 20 segundos depois, usava novamente o aparelho, dessa vez para uma ligação. “Vem andando, é mais rápido”. A espera era por Elton da Silva Luiz, 26 anos. Seu namorado encontrava-se na estação da Luz, no centro de São Paulo. A caminhada até o Largo Coração de Jesus, em meio ao fluxo da Cracolândia, dura 10 minutos. Uma eternidade para a ansiedade do policial militar.
Aquela situação não era a idealizada pelo soldado Prior. Durante a semana, ele protocolou um pedido na Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo para pedir o namorado em casamento durante a 23ª Parada LGBT+ de São Paulo usando a farda da corporação. A data para o noivado é a mesma planejada, domingo (23/6). O local, no entanto, não.
Houve a proibição por parte da PM, alegando que regras internas vetam que um policial use seu uniforme em qualquer tipo de manifestação, como classificam a Parada. Não foi o único empecilho: Prior entrou na escala de serviço, alterada de dias pares para os ímpares durante essa semana. Teve de comparecer à base no Largo. Então, em vez de o pedido acontecer na Avenida Paulista em meio aos pedidos por mais direitos à população LGBT+, ocorreu ao lado do trabalho do soldado.
Prior tremia. Entrou na base, pegou um café expresso da máquina doada pela empresa Porto Seguro à PM, e tentou acalmar os ânimos. Era tanto de nervoso pelo ato em si que estava – até que enfim – por vir quanto pela demora de Elton chegar. Não demorou tanto assim até ele aparecer com dois amigos, justamente na porta da Igreja Coração de Jesus, em frente à quadra poliesportiva da praça em que a PM ocupa na região.
O pedido de Prior modificou com a recusa – a da corporação, nenhuma vinda do namorado. Ele solicitou para que o ato em si acontecesse ali mesmo, onde trabalha, de forma rápida para não atrapalhar o expediente e seguir sua rotina. Recebeu dos superiores diretos outro não como resposta, justificado pois não haveria condições de segurança para tal. O policial não deu ouvidos para a argumentação.
“Eu não acredito que exista lugar mais seguro do que onde eu trabalho, porque sou eu que proporciono a segurança. Está todo mundo aqui jogando futebol, se divertindo. Acredito que, se posso prover segurança para a sociedade, consigo também para esse ato”, avaliou. Para assegurar que o espaço estava seguro, pegou contato de pessoas que estavam ali para testemunharem, caso necessário. Naquele momento, as palavras saíam sem problemas da boca. Ficou difícil quando Elton chegou e era a tão esperada hora.
Leandro se abaixou, de joelhos. Olhou para Elton e começou. Lamentou por não conseguir concretizar o que eles haviam planejado, de selarem a união na Parada LGBT+. “Ordem absurda não se cumpre”, disse. Deixou de lado a tristeza pela recusa, substituída pela alegria em ter na frente quem se ama.
Ali, enquanto jovens jogavam bola, crianças passeavam na praça, e o fluxo da Cracolândia rolava metros distante, fez o esperado pedido: “Quer casar comigo?”. Recebeu um sim envergonhado de Elton, acanhado pelas câmeras e as pessoas em volta do casal. As mãos tremulas de ambos quase não conseguiam seguram o par de alianças. Colocá-las deu certo trabalho, nada comparado pelo que passaram para estarem ali, frente a frente.
Ainda que cumprindo as ordens, os olhares estavam em cima do policial e seu, agora, noivo. Um veículo de placa FLT-2841 acompanhou desde a chegada da imprensa até o pedido em si. Descaracterizado, a suspeita era de que tratava-se de uma viatura com policiais P2 (policiais disfarçados com trajes civis) dentro – não foi possível identificar quantos ocupantes. Menos de cinco minutos após Prior pedir Elton em casamento, o veículo partiu.
O que virá depois disso? Eles não sabem. Seja em uma possível represália, seja na vida em conjunto. “Como é inédito, em quase 200 anos [de existência da Polícia Militar] é a primeira vez, eu não faço ideia do que está por vir. Só meu advogado pode falar [risos]”, comenta Prior, rindo de nervoso. “Foi uma semana de nervosismo igual agora. Difícil a gente querer fazer uma coisa e não poder devido ao trabalho dele. Não consigo pensar daqui para frente, nem um pouco. Nem no casamento”, completa Elton.
Mais importante para eles é seguir na luta. Prior recebeu ameaças de morte em junho de 2018, quando filmado beijando seu então companheiro quando estava no metro. Parte dos “irmãos de farda”, como os PMs se chamam entre si, reagiram com ameaças, como o sargento da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a tropa mais matadora da PM paulista) Roberto Nobile, que disse que ele era “safado” e deveria morrer – depois, argumentou que sua página no Facebook fora hackeada. De lá para cá, passou por crises de ansiedade, ficou afastado por problemas psicológicos e entrou para o movimento Policiais Antifacismo. Abraçou as lutas por espaço e apoio dentro da corporação e contra a homofobia. Em momentos, ambas se unem.
“Que as pessoas se fizessem valer essa resignação, essa representatividade, e se encorajam para não permitir que a opinião do outro suprima sua felicidade”, disse, enquanto estava de mãos dadas com o noivo, antes do adeus. Como estava de serviço, optou por fazer um ato simples, mas carregado de representatividade, como diz. Foi o tempo de a ansiedade explodir, ouvir o sim, fumar um cigarro para acalmar os ânimos e voltar para a rotina.
Com a farda cinza da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Prior entrou novamente na base e voltou aos trabalhos. Vida que segue, agora com um anel no dedo anelar esquerdo, um casamento à sua espera e a incerteza do que está por vir.