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A Fórum teve acesso às 195 páginas do processo que determinou judicialmente a esterilização de Janaína Aparecida Quirino, moradora de Mococa (SP), por meio de uma cirurgia de laqueadura compulsória. Em diversas passagens do documento fica clara a intenção de realizar o procedimento mesmo sem a concordância da mulher.
Logo na página 3, no pedido de liminar do Ministério Público de São Paulo endereçado ao juiz da Vara Cível de Mococa, Djalma Moreira Gomes Júnior, está escrito que “Janaína já esteve internada compulsoriamente diversas vezes em instituições próprias ao tratamento de sua drogadição”, o que mostra que ela não estava em perfeitas condições emocionais, tanto que nos autos também consta uma declaração da entidade Obras Sociais da Paróquia de Santa Luzia, instituição que acolheu Janaína em 2016. Outro documento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou "a urgente avaliação psicológica de Janaína, endereçado ao juiz Djalma Moreira Gomes Júnior”.
A alegação de que ela consentiu com o procedimento cirúrgico deixa dúvidas em relação a sua clareza: “JANAÍNA, em determinados momentos, manifesta vontade em realizar o procedimento de esterilização; noutros, demonstra desinteresse ao não aderir aos tratamentos e ao descumprir as mais simples orientações dos equipamentos da rede protetiva” (página 4).
Um dos pontos mais determinantes do processo está na página 6: “Assim, não resta alternativa ao Ministério Público senão o ajuizamento da presente ação para compelir o MUNICÍPIO DE MOCOCA a realizar a laqueadura tubária em JANAÍNA, bem como para submetê-la a tal procedimento mesmo contra a sua vontade, tudo em conformidade com o disposto na Lei nº 9.263/96 e preceitos constitucionais que consagram a saúde como dever do Estado e direito de todos”.
Na página 50, o documento do Ministério Público endereçado ao juiz diz o seguinte: “Compulsando os autos, verifico que, de acordo com o Departamento de Saúde do Município, Janaína não compareceu voluntariamente à consulta ginecológica agendada (fls. 44/46). Ora, em se tratando de ação que visa à realização de cirurgia de esterilização compulsória, a resistência da requerida era esperada, motivo pelo qual foi pleiteado pelo Ministério Público e determinada liminarmente a realização de cirurgia de laqueadura, a qual deve ser feita mesmo contra a vontade da requerida. Caso contrário, nem seria necessário o ajuizamento de ação judicial”.
Após o parto
Outro ponto, no mínimo questionável, diz respeito ao fato de Janaína ter sido submetida ao procedimento, mesmo estando presa e logo após o parto, contrariando a legislação: Artigo 10 – § 2º É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.
“O Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais, considerando que JANAINA APARECIDA QUIRINO foi denunciada como incursa no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, nos autos do Processo nº 0004191-85.2017.8.26.0360, em trâmite perante esta 2ª Vara Judicial, e encontra-se presa preventivamente por decisão proferida nos referidos autos, e considerando que o parto do filho de Janaína se aproxima, vem através da presente REQUERER a expedição de ofício ao estabelecimento em que a requerida encontra-se custodiada, a fim de determinar a realização do procedimento de laqueadura tubária compulsória no momento do parto e em cumprimento à decisão de fls. 30-31, solicitando-se a comunicação nestes autos tão logo o procedimento seja realizado” (página 118).
Veja a íntegra do processo aqui.