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Viralizou nas redes sociais a postagem da mãe de um aluno negro da escola Firjan/Sesi de Volta Redonda (RJ) denunciando o comunicado da instituição de que trocaria um livro sobre cultura africana indicado aos alunos em uma disciplina por outro após reclamações de alguns pais.
Em um comunicado, o Sesi diz ter recebido “um questionamento de alguns pais em relação ao conteúdo do livro” e que, por isso, faria a troca por outra obra. O livro em questão chama-se “Omo-Oba – Histórias de Princesas”, de autoria de Kiusarn de Oliveira, publicado pela editora Mazza, e fala sobre mitos africanos. A escolha do livro vai de encontro à Lei Federal 11.645/2008, que incluiu a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” no currículo oficial da rede de ensino.
"Durante essa difícil semana, a escola de meu filho enviou esse comunicado. Me sinto na obrigação de compartilhar com o maior número possível de pessoas. Sempre que me deparo com esse tipo de questionamento o sentimento é de perplexidade. Acredito ser de fundamental importância que a equipe pedagógica esclareça esses pais. não falo apenas pelos meus filhos negros, mas para além da necessidade imediata da visibilidade afro-descendent e, precisamos formar pessoas que se sensibilizem e busquem uma sociedade mais justa", escreveu a mulher que denunciou a tentativa de censura da escola em seu perfil do Facebook na última sexta-feira (16).
[caption id="attachment_127697" align="aligncenter" width="672"] Foto: Reprodução/Facebook[/caption]
Até mesmo a autora do livro, que estava participando do Fórum Social Mundial em Salvador, ficou sabendo da tentativa de censura e se pronunciou.
"Agora estamos na era da caça às publicações que tratam da cultura afro-brasileira. Meu livro Omo-Oba: Histórias de Princesas (Mazza Edições, 2009), por sinal, altamente premiado, foi caçado ao ser adotado pelo SESI VOLTA REDONDA (RJ) quando pais fundamentalistas procuraram jornais e setores da educação para denuncia-lo por tratar de princesas africanas. A postura do SESI foi simplesmente trocar por outro livro", escreveu Kiusarn de Oliveira. [Leia o texto completo da autora ao final desta nota]
Diante da repercussão negativa, a instituição resolveu voltar atrás e manter a obrigatoriedade do livro. Em nota divulgada nesta segunda-feira (19), a instituição informou que ter aberto a possibilidade de trocar a obra por outra foi um "equívoco".
"A Escola Sesi de Volta Redonda cometeu um erro ao anunciar livro opcional à obra "Omo-oba - Histórias de Princesas", da autora Kiusam de Oliveira, para alunos cujos pais questionaram a sua utilização em aulas de História. A instituição vem a público reconhecer o equívoco no tratamento do assunto e informar que não mais será adotado um livro adicional", escreveu o Sesi.
Confira, abaixo, a íntegra do texto da autora do livro antes da divulgação da nota da escola.
Agora estamos na era da caça às publicações que tratam da cultura afro-brasileira. Meu livro Omo-Oba: Histórias de Princesas (Mazza Edições, 2009), por sinal, altamente premiado, foi caçado ao ser adotado pelo SESI VOLTA REDONDA (RJ) quando pais fundamentalistas procuraram jornais e setores da educação para denuncia-lo por tratar de princesas africanas. A postura do SESI foi simplesmente trocar por outro livro.
Omo-Oba é um livro que privilegia o recontar de mitos africanos pouco conhecidos pelo público brasileiro em geral. O livro apresenta seis histórias de rainhas, na figura de princesas, com o objetivo de fortalecer a personalidade de meninas, independente de raça/cor, etnia, condições socioeconômicas. Tais rainhas são nossas ancestrais, uma vez que há comprovações científicas de que África é o Berço da Humanidade.
A forma com que eu as apresento neste livro é sem nenhuma conotação religiosa, mergulhadas que estão na história e nos aspectos da cultura afro-brasileira, através de uma narrativa com personagens negras cheias de afeto e de empoderamento, o que é uma raridade em bibliotecas brasileiras. Ele atende perfeitamente as leis 10.639/03 e 11.645/08 que obriga o ensino da História da África e das Culturas Afro-brasileira nas escolas em todos os seus segmentos.
O livro é altamente premiado, além de ser um espelho para o ser negro no país. Fui professora da Educação Infantil por 23 anos e atualmente sou professora na Universidade Federal do Espírito Santo, dando continuidade ao meu trabalho de fortalecimento e formação de crianças, jovens e adultos negros. Durante estes anos, foram várias as situações de confrontos de alunos negros com a ausência de príncipes e princesas como eles nas literaturas infantil e juvenil brasileira.
Assim sendo, resolvi publicar histórias de rainhas negras que fazem parte da história, da cultura e da HUMANIDADE. Pode parecer pouco, mas num país racista e eurocêntrico como o Brasil, tais princesas têm sido a defesa de crianças negras na luta contra a sua invisibilidade, a discriminação racial e o racismo.
Ao SESI que adotou o livro, parabéns, mas ao mesmo SESI que o alterou no momento de manifestações contrárias sem que efetivamente tivesse exercido um papel educador e transformador eu digo, sinto muito. Mas sinto muito mais pelas crianças negras que continuam como fantoches nas mãos de professores/as e profissionais da educação totalmente despreparados/as para lidar com as práticas racistas como vemos nesse caso, onde raramente a educação pensa um projeto que combata de frente, o racismo, tendo em vista o bem-estar da criança, do jovem e do adulto negros que ocupam os espaços escolares.
Continuamos, assim, a ver um país de pretos sendo manipulados por brancos, pretos sendo exterminados por brancos. E assim, o golpe... aquele golpe branco, continua a pautar o extermínio da população negra. O que nos cabe? Estarmos juntas e juntos combatendo o fascismo, a opressão, a ditadura de forma visceral. Somos alvos e vítimas daqueles coxinhas que tanto apostaram num país melhor!