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Rafael Mendonça, do jornal O Beltrano, estava no MAM durante manifestação da direita contra o que eles chamavam de “pedofilia”: “Tal qual radicais do estado islâmico, os militantes da extrema direita vociferavam para cima dos que defendiam a liberdade de expressão”.
Por Rafael Mendonça do jornal O Beltrano
Estamos em 29 de setembro de 2017, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e, perto de 17 horas, mais de duas dúzias de curadores, gerentes e diretores de instituições e museus de arte e defensores da democracia e anticensura gritavam a plenos pulmões que arte não é pedofilia. Estavam frente a frente a uns 30 ou 40 militantes de movimentos de extrema direita que andam tão em moda nesse nosso país. Lá dentro, na exposição, Alexandre Frota fazia bulling com os presentes.
Eram 17h25. Na entrada, logo do lado de fora do MAM, esses 30, 40 militantes da extrema direita ameaçavam entrar. Lá dentro, além do ex-galã, duas senhoras e três empolgados militantes incitando os de fora a invadir o museu. A coisa ficou por um fio. Era mesmo muito ódio na parada.
Tudo começou quando o coreógrafo carioca Wagner Schwartz apresentou sua performance “La Bête”, onde seu corpo nu pode ser manipulado pelo público. A performance é uma citação/homenagem/evocação à obra “Bicho”, da artista Lygia Clark (1920-1988). No meio da performance, uma criança acompanhada de sua mãe interagiu com o artista. E pronto. Foi a deixa para que começassem os ataques à página do museu no Facebook, após alguém filmar a apresentação e compartilhar o vídeo nas redes sociais.
Veja bem, a discussão até poderia ser feita, apesar de que a performance esteja a quilômetros de ser qualquer coisa que racionalmente possa ser relacionada com pedofilia. Mas, claramente a intenção da turma lá não era diálogo. Era arrumar treta e confusão. Não existiam argumentos, existia ódio e escracho. Bulling em forma de protesto.
Perguntei para uma senhora o que ela considerava ser pedofilia. “É o uso do nosso dinheiro (dinheiro público) promovendo um homem pelado se fazendo tocar por um menino de quatro anos”, respondeu. É uma mistura complexa de coisas absurdas para defender um ponto de vista.
Eram 17h30. Na entrada do MAM, próximo à bilheteria, uma fileira de pessoas envolvidas com arte fazia uma “barricada humana” em resposta à manifestação da extrema direita. Foi uma cena que teve sua beleza. Explico, já estamos praticamente em estado exceção. E ver aquelas pessoas bem sucedidas em seus trabalhos disposta a resistir foi bacana.
Eram 17h45. Tal qual radicais do estado islâmico, os militantes da extrema direita vociferavam para cima dos que defendiam a liberdade de expressão, a verdadeira, e a coisa mais amigável que ouvi por lá foi “vagabundo”. Era um tal de “colocar mãe no meio” que faria corar o Jesus deles. Esse tipo de coisa não foi o que aprendi com minhas avós católicas.
Do lado de cá da confusão, salva de palmas e gritos de linda. Uma forma mais amorosa de se contrapor aos xingamentos. Lá fora o pessoal contra a exposição meio que desistiu de entrar, mas não arredou o pé.
Eu não vi, mas escutei relatos de que pessoas que tentaram entrar não conseguiram e a coisa ficou um bocado mais quente. Segundo uma pessoa, um cadeirante foi chamado de “aleijado pedófilo” pelos extremistas.
17h50. Saímos pela porta dos fundos. Não seria saudável — mentalmente e fisicamente — sair pela frente.
O que se viu hoje foi daquelas coisas que as pessoas sérias do país precisam que refletir a vera. Não se trata mais de diferença de ideias. Se trata de atrito e disposição para o embate. E ainda vai sair gente machucada, ainda vai ter alguém baleado por um inconsequente. Passou da hora de se pensar a respeito, e de as pessoas competentes e com a devida entrada nesse meio, acalmar os ânimos. Ao custo de maiores problemas para os que acham que isso não é um problema. Na hora que essa água bater na bunda da direita “sensata” pode ser tarde demais.