Moro-pai, Moro-filho e a herança do arbítrio no fim da república democrática brasileira

(Foto: Pedro de Oliveira/ ALEP)
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Em artigo, professor da Universidade Estadual de Maringá relembra quem era o pai de Sérgio Moro, professor da mesma universidade, e como sua ideologia positivista pode ter influenciado as arbitrariedades do do filho. "Moro-pai deve ter sofrido ao ver o fim do regime militar e a ascensão ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições gerais e democráticas de 2002. Três anos depois, em seu leito de morte, teria pedido ao filho, como diz a lenda aqui na cidade, que usasse de sua função de juiz para liquidar a esquerda no país". Leia  Por Marcos Cesar Danhoni Neves* Corria o ano de 1981, dois anos após a posse daquele que seria o último ditador do golpe militar de 1964, General João Batista de Oliveira Figueiredo, mas a sociedade brasileira, obviamente, não sabia disso. Porém, buscava na luta democrática o fim de um período obscuro de nossa história 1981 é um ano pródigo: ano de nascimento do PT e, no campo educacional, do ANDES, Sindicato da Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior. A criação do ANDES estimulou a organização de Associações em cada uma das universidades brasileiras, onde seus trabalhadores, funcionários técnico-administrativos, e os estudantes, davam combate ao arbítrio praticado pelos criminosos que haviam derrubado a República 17 anos antes. O atentado à bomba no Riocentro, em abril daquele ano, era a pá de cal de um ciclo que se findaria ainda 4 anos depois. Queriam explodir bombas durante um show de música e culpar “organizações terroristas” de esquerda, mas a bomba acabou por explodir no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário ao lado do capitão Wilson Dias Machado, matando o primeiro e ferindo gravemente o segundo (que dirigia o veículo Puma estacionado no local do evento). Este seria um de uma série de 25 atentados à bomba que atingiria o país perpetrados pelas bestas-feras da Direita. Em Maringá, a ADUEM, Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Maringá (UEM), nasceu nesse período de extrema conflagração, reunindo professores e sindicalizando-os na busca de seus direitos e da defesa ampla da educação nacional pública de qualidade. Tive o prazer de dirigir essa Associação dez anos após estes trágicos eventos, mas ainda frescos na memória coletiva de quem lutou contra o estabishment. 1981 é também o ano de um evento singular pelo que representaria 36 anos depois, em nossa contemporaneidade. Os docentes, reunidos sob a ADUEM, e em decisão tomada em assembleia declara, naquele ano, greve de um dia, convocada nacionalmente pelo ANDES, assim como os estudantes, convocada pelo DCE. A decisão tomada em Assembleia é unânime. As atividades na Universidade são paralisadas. É feita a panfletagem nos portões da Universidade e começa uma vigília cívica naquele dia nacional de protesto contra o arbítrio. No entanto, dois professores insistem em prosseguir com aulas: são eles, o pai do hoje infelizmente célebre juiz Sergio Moro e uma outra professora do Departamento de Geografia. Após uma confusão envolvendo estudantes que queriam que as aulas destes dois professores fossem suspensas em cumprimento à deliberação da Assembleia, três outros professores (grevistas) foram chamados e, educadamente, pediram para falar aos estudantes nas salas em que os dois docentes fura-greves estavam. Após a fala, os alunos abandonaram a sala e os estudantes-grevistas desligaram as luzes do bloco onde estavam ocorrendo as aulas. O pai de Sergio Moro, Dalton Áureo Moro, positivista assumido e anti-esquerda até a medula, fez abrir um poderoso e ameaçador processo administrativo contra os três professores reinterpretando a situação ocorrida, relatando uma improvável invasão forçada das salas de aula e o desligamento das luzes. O processo se arrastou por anos dentro da Instituição balizado pelo clima de terror ainda vigente num regime em seus estertores. Os professores só foram absolvidos depois que puderam apelar ao Conselho Universitário (COU) da UEM. Este evento é importantíssimo no espaço-tempo: não somente pela história sindical em Maringá, mas para compreender a psiquê do Savonarola de plantão, e hoje juiz, Sérgio Moro. Seu pai sempre foi um militante de Direita e severo positivista. Os que se nutrem desta corrente filosófica defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. De acordo com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada através de métodos científicos válidos. E essa corrente filosófica mecanicista sempre orientou as ações de Moro-pai. Tudo o que foi aqui relatado deu-se no ano de 1981, com a criação do maior partido de esquerda da América Latina, o PT, do ANDES, e num momento em que as bombas da direita explodiam para tentar culpabilizar as esquerdas pela “instabilidade social” do país. Esta série de eventos deve ter incutido no cérebro de Moro-pai o temor de uma tomada de poder pela esquerda. Dizem que tinha um terror visceral anti-soviético e, por essa razão, tornara-se uma espécie de militante de Direita, sem condescendência a qualquer manifestação anti-estabilishment. Nesta atmosfera é que cresceu Sérgio Fernando Moro, seu filho! Num mundo que literalmente se desfazia, Moro-pai deve ter sofrido ao ver o fim do regime militar e a ascensão ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições gerais e democráticas de 2002. Três anos depois, em seu leito de morte, teria pedido ao filho, como diz a lenda aqui na cidade, que usasse de sua função de juiz para liquidar a esquerda no país, desde que iluminado pelos ideais positivistas, das provas sobre as convicções... Parece, pois, que o DNA de Moro-pai foi transmitido ao seu rebento e hoje famoso juiz, Sergio Fernando Moro. Nos entrelaçamentos das duas cadeias de nucleotídeos que mantém unidas a dupla hélice do DNA, a biologia teria sido invadida pela ideologia rigidamente anti-soviética para formar coração e mente de Moro-filho? Na sua rígida educação de graduar-se em Direito pela UEM (que ele não cita em seu Currículo Lattes) e na sua rápida formação pós-graduada (em incríveis e curtíssimos 3 anos, quando o natural são seis anos!), com idas e vindas aos Estados Unidos, em estágios com o estbilishment norte-americano (marcado pela ajuda na derrubada de governos em todo o mundo), Moro-filho começa a galgar a glória de Savonarola contra as esquerdas e ao seu expoente máximo: Luis Inácio Lula da Silva. A sentença de Moro contra o ex-presidente Lula chancela a vingança e a promessa do leito de morte? Sacramenta-se no golpe político-midiático-judiciário de 2016 o fim da Democracia brasileira. Uma coisa deve ser finalmente dita: Moro-pai tentou, apesar de seus discurso positivista, ligar, em seus trabalhos acadêmicos, a geografia clássica à geografia humana, lamentando os índices de miséria e pobreza extrema que maculavam nossa Nação. Porém, a incrível hélice bio-ideológica do DNA morístico, isento dessa última centelha de preocupação social, tinha repassado integralmente sua herança filo e ontogenética a um expoente que mergulhou o Brasil novamente na década de 60 e ao seu tristemente golpe de 1964. Certamente, se vivo fosse, e apoiado na geografia humana (quem sabe sob o olhar atento de Josué de Castro em sua Geopolítica da Fome), Moro-pai talvez repreendesse seu filho pelo exagero das convicções sobre as provas, numa trajetória que fere até o mais feroz positivista, por ter, com essa crença, lançado o país na sombra do desemprego e da miséria galopante como estamos assistindo hoje... *Marcos Cesar Danhoni Neves é Professor-Titular na Universidade Estadual de Maringá, Prêmio Paranaense de Ciência e Tecnologia (2010) e autor do livro “Lições da Escuridão” entre outras obras Foto: Pedro de Oliveira/Alep