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"O Direito do Trabalho nasce sob o março da proteção da saúde do trabalhador, limitando jornada. A reforma vem e diz: questões da jornada e intervalo não dizem respeito à saúde. Isto é o passado"
Por Rede Brasil Atual
Presidente eleito da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) – tomará posse no dia 31 –, o atual vice, Guilherme Feliciano, prestou um depoimento didático no Senado, ontem (10), durante debates sobre o projeto de lei da reforma trabalhista (PLC 38), já aprovado na Câmara. Em audiência conjunta das comissões de Assuntos Econômicos e de Assuntos Sociais, afirmou que a entidade "não é contrária à modernização da legislação", mas que não é verdadeiro afirmar que o texto em discussão não retira direitos. E deu alguns exemplos.
O juiz conta que no interior de São Paulo, onde atua, houve necessidade de uma sentença judicial, em ação civil pública, para que uma usina deixasse de pagar cortadores de cana por produção. "Em mais ou menos 10 ou 12 anos, o crescimento médio do corte de um trabalhador foi de 8 toneladas para 12 toneladas de cana. Já havia investigações abertas por conta de trabalhadores que morreram por exaustão. Como é que eu vou imaginar que se possa negociar isso livremente, sem os limites legais? Então, neste ponto, parece-me, há inconstitucionalidade", questionou Feliciano. Segundo ele, o texto, em seu artigo 611-A, estende as possibilidade de "negociação para menos" a uma "extensa gama de hipóteses que não está na Constituição".
Ele observa que a Carta de 1988 já prevê três casos de negociação em que se pode reduzir direitos: jornada, salário e turnos de revezamento. Pode haver diminuição, desde que haja alguma compensação. "Não é uma renúncia coletiva", afirma o magistrado. Mas o projeto estabelece que é possível haver acordo individual – a Constituição fala em coletivo – para jornada de 12 por 36 horas. "Doze horas sem intervalo. O intervalo pode ser só indenizado. Ou seja, posso ter em tese um acordo individual de um cortador de cana que vai trabalhar 12 horas sem intervalo."
O vice-presidente da Anamatra lembra que há, por sinal, várias questões constitucionais ainda não regulamentadas: proteção contra a automação, cogestão de empresa, proteção contra dispensa arbitrária, greve no serviço público, adicional de penosidade. Em seguida, cita outro exemplo do que chama de retirada de direitos, como nas horas in itinere. "Se o trabalhador precisa da condução fornecida pela empresa para ir ao trabalho, porque não há transporte regular disponível, esse tempo computa-se na jornada e será considerado, inclusive, para hora extra, se for o caso. Esse direito desaparece", diz. O mesmo acontece, acrescenta Feliciano, com o intervalo de 15 minutos concedido à mulher antes do início de um período de horas extras.
Jornada
Segundo o magistrado, o projeto agora no Senado permite mudanças no enquadramento de uma empresa quanto ao nível de insalubridade. "Hoje, os técnicos do Ministério do Trabalho é que verificam na empresa qual é a condição, e aí a NR-15 (Norma Regulamentadora sobre atividades e operações insalubres) estabelece os adicionais. Pelo que está no projeto, independentemente da interferência de um técnico, a negociação coletiva poderá enquadrar aquela atividade como periculosidade mínima. Permite a prorrogação da jornada em atividades insalubres, perigosas e penosas."
Sobre países que aplicaram a flexibilização, ele afirma que a reforma ocorrida no México, por exemplo, resultou não em abertura de postos de trabalho, mas em migração de empregos decentes, segundo a classificação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para precários, como tempo parcial ou trabalho intermitente. O juiz lembra que na "era FHC" foram implementadas mudanças legais como a do contrato por prazo determinado e o trabalho a tempo parcial. E mesmo o Tribunal Superior do Trabalho (TST) cedeu, segundo ele, na jurisprudência sobre terceirização. "Tudo isso aconteceu nos anos 90. Pergunto a vocês: tivemos empregabilidade nos anos 90? O Brasil teve pleno emprego? Os anos 90 são para nós uma grande referência de um grande marco de crescimento econômico e empregabilidade no Brasil?", questionou aos senadores, acrescentando que o mercado de trabalho mostrou reação há aproximadamente 10 anos – com "exatamente essa legislação trabalhista", emendou.
Segundo ele, agora, "a título de modernização", haverá um retrocesso no sentido de requerer a execução de uma ação trabalhista. "Havendo a condenação, o trânsito e o valor liquidado, criou-se um instrumento formidável, que é o banco nacional de devedores trabalhistas. Por alguma razão, o projeto inclui uma previsão de que o juiz do Trabalho, e apenas ele, mesmo após crédito liquidado e transitado, terá de aguardar 45 dias para tomar qualquer providência. Qual é a razão disso?"
Por fim, o futuro presidente da Anamatra – que é da 15ª Região, em Campinas (SP) – lembrou que o Direito do Trabalho nasce no início do século 19, com a Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes, de 1802. "Havia uma situação terrível na Inglaterra, nas fábricas de algodão, adoeciam e morriam." E se percebeu, segundo o juiz, que havia necessidade de uma intervenção do Estado para garantir uma patamar civilizatório mínimo: janelas ("Porque essas fabriquetas se instalavam em porões e não tinham nem ventilação"), idade mínima para o trabalho e limite de jornada.
"O Direito do Trabalho nasce sob o março da proteção da saúde do trabalhador, limitando jornada. Isto há 200 anos. A reforma vem e diz: questões da jornada e intervalo não dizem respeito à saúde. Isto, permitam-me, não é o futuro. Isto é o passado."
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado