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Leia na coluna desta semana de Alexandre Padilha: "Após muita pressão popular, o recuo veio no início desta semana. O prefeito anunciou em entrevista coletiva que voltou atrás na decisão e que manterá a dispensação de medicamentos nas farmácias públicas das unidades de saúde"
Por Alexandre Padilha*
Logo que assumiu a Prefeitura de São Paulo, a atual gestão anunciou diversas ações “inovadoras” em especial na área da saúde. Porém, na coluna desta semana, irei abordar apenas uma proposta específica: o encerramento da distribuição de medicamentos nas farmácias nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e a transferência da dispensação em unidades privadas, nas drogarias.
No dia 6/1, a gestão afirmou e o jornal O Estado de S. Paulo publicou: "Não queremos mais entregar remédio nas UBSs. Essa logística não dá certo, é muito difícil”. No mesmo dia, o secretário de saúde de Doria afirmou no programa "Bom Dia São Paulo", da TV Globo: “Essa gestão não vai deixar faltar remédio, não vai deixar faltar seringa, luvas. Tem casos em que falta luvas”.
Vejam, não sou contra parcerias com farmácias privadas, tendo em vista que ampliei o programa Farmácia Popular quando Ministro da Saúde no governo da presidenta Dilma, com a entrega de remédios de hipertensão e diabetes de graça pelo programa Farmácia Popular. Quando o programa teve início participavam 15 mil farmácias e, até 2014, quando deixei o Ministério, esse número chegou a mais de 30 mil.
Para a formulação desta política, discutimos amplamente a proposta com profissionais e usuários por todo o Brasil, afinal queríamos facilitar o acesso aos medicamentos de uso contínuo, sem perder o trabalho realizado nas farmácias públicas, coisa que a nova gestão não fez, já que não gosta de dialogar com a sociedade.
Logo após o anúncio desta proposta, assim como os profissionais de saúde, eu fiquei assustado com a possibilidade disso acontecer, pois sabemos que poderia interferir no cuidado com os pacientes, que não se trata de “dar” remédio apenas. A equipe de saúde da unidade acompanha o paciente, sabe todo o histórico e garante as devidas orientações, o que não seria oferecido em uma farmácia distante da unidade, que se quer conhece a pessoa.
Fora que as farmácias privadas não chegam às comunidades, muito menos na periferia, por isso a importância das farmácias nas UBSs que é onde estão as pessoas que mais precisam. Um estudo com mapas foi publicado no blog Desigualdades Espaciais, de Hugo Nicolau Barbosa de Gusmão, estudante de Geografia da USP, e comprova a concentração de farmácias da rede privada longe das periferias da cidade.
A cidade de São Paulo possui 574 farmácias em unidades de saúde distribuídas por toda cidade. Só em 2016, essas unidades atenderam a quase 30 milhões de receitas, aumento de 30% em comparação com o ano de 2015.
Sabendo do real impacto desta medida, os profissionais de saúde da rede municipal, sindicatos e conselho municipal de saúde denunciaram a efetividade desta proposta. Reuniões em diversas regiões da cidade, protesto de usuários e trabalhadores em frente à Secretaria Municipal da Saúde, manifestos, audiências públicas na Câmara Municipal, estudos de sindicatos, matérias publicadas, incluindo na grande mídia, com especialistas renomados rejeitando a proposta. Mostraram para a atual gestão que para fazer saúde tem que ouvir a população e não lançar medidas que prejudicam aqueles que mais precisam.
Logo o recuo começou a aparecer. No dia 5/4, a gestão afirmou na audiência pública na Comissão de Saúde, Proteção Social, Trabalho e Mulher da Câmara Municipal que “as farmácias das Unidades Básicas de Saúde não serão fechadas. Ponto.” Vitória parcial que foi resultado da mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras e usuários do SUS que sabem da importância das farmácias nas UBS.
Continuamos com nossa missão e, enfim, após muita pressão popular, o recuo “definitivo” veio no início desta semana. O prefeito anunciou em entrevista coletiva que voltou atrás na decisão e que manterá a dispensação de medicamentos nas farmácias públicas das unidades de saúde.
Coloquei o definitivo entre aspas, pois o prefeito também disse que estudam outras maneiras para melhorias na compra e distribuição de medicamentos, mas já é uma grande vitória.
Precisamos ficar atentos e fortes porque o atual prefeito faz absoluta questão de afirmar que tem verdadeira idolatria ao privado, acreditando que é sempre mais eficiente, mesmo que concentrado em um público restrito, longe das periferias, e de se modificar para cuidar dos diferentes modos de vida de uma cidade, dos mais vulneráveis, de olhar o usuário como detentor de direitos e não apenas como consumidor. Mais do que idolatrar, faz dessa disputa ideológica entre o público e privado o motivador de existência do seu governo e de uma visão de cidade e de país.
Um exemplo disso foi tentar vender a ideia de que hospitais privados fazem mais exames do que os públicos, mesmo quando significam menos de 10% dos procedimentos realizados. E sua agenda e preocupações revelam que seu projeto de governo olha para apenas uma parcela da cidade e da população. O governo do espetáculo não tem limites, haja visto a humilhação pública pela qual passou sua ex-secretária de Assistência Social esta semana,em uma demissão constrangedora pelo Facebook.
*Alexandre Padilha é médico, foi secretário municipal da saúde na gestão de Fernando Haddad e ministro nas gestões Lula e Dilma