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Juca Ferreira é o mais novo colunista da Fórum. Em seu artigo desta semana, o ex-ministro faz uma análise da expansão exponencial do carnaval de rua pelo Brasil afora, principalmente em São Paulo. Confira
Por Juca Ferreira*
O carnaval de rua é uma tradição cultural brasileira desde o século XIX, festejado na maioria das nossas cidades. Ninguém pode negar que algo de novo está acontecendo no carnaval do Brasil. Refiro-me à expansão exponencial do carnaval-participação através da adesão de milhões de novos foliões e da multiplicação dos blocos carnavalescos nas principais cidades do país.
Os blocos produziram uma virada na festa em praticamente todo o Brasil, trouxeram uma renovação e muito mais alergia. Espontaneamente, os foliões se mobilizaram para brincar o carnaval. Os blocos passaram a incorporar milhões de pessoas, unidas por um desejo de desfrutar a vida, de vivenciar a liberdade que a festa propicia. Assim, o carnaval acompanha a tendência da cidadania de uma maior ocupação do espaço urbano e de participação.
O carnaval sempre foi espaço de manifestações políticas, de crítica social, e hoje se tornou cenário de resistência contra a homofobia, o racismo, a intolerância, e onde o feminismo vem marcando presença cada vez mais forte.
Certamente foi o Rio de Janeiro que melhor sinalizou a retomada das ruas pelos blocos. Foi ali que este fenômeno principiou. Mas, o que efetivamente distingue o atual momento é mesmo sua nacionalização. E, foi São Paulo que escancarou com mais força esses desejos e se tornou um caso emblemático de explosão carnavalesca.
O desejo espontâneo, latente, ganhou espaço, incentivo e apoio público à partir da gestão do prefeito Fernando Haddad. A legalização do carnaval de rua de São Paulo veio se somar às iniciativas de devolver a cidade ao cidadão, reservando espaços, interditando ruas e avenidas em dias de pouco movimento para dedicá-las ao lazer, a atividades artísticas e a práticas esportivas e culturais. A gestão democrática da cidade foi a senha para o carnaval florescer com tanta força e tanta beleza, como temos visto nos últimos quatro anos.
Conheço de perto esta história. Até o início de 2013, o poder público proibia, restringia e punia a livre organização do carnaval de rua em São Paulo. Já nos primeiros dias na Secretaria de Cultura, tivemos contato com a demanda de foliões organizados que há tempos exigiam liberdade para fazer sua festa. Sob a liderança de Haddad, pudemos, a partir da Secretaria de Cultura, coordenar uma série de ações para acabar com as restrições, regulamentar e apoiar a folia. O carnaval demanda muito planejamento integrado dos espaços da cidade, e exige a organização da segurança, higiene, controle de tráfego, banheiros, assistência médica etc.
A cidade, que “morria” no carnaval, ganhou vida nova. Já em 2014, logo após a sua legalização, registramos mais de 200 blocos desfilando nos bairros e nas ruas centrais da cidade. Antes, eram pouquíssimos os blocos que desafiavam o poder público e iam para as ruas. Neste 2017, apenas quatro anos depois, as ruas de São Paulo estão vivendo uma verdadeira explosão carnavalesca, com quase 500 blocos, que deverão reunir mais de 2,5 milhões de pessoas.
Caiu por terra a máxima de que São Paulo era diferente das demais cidades brasileiras e não gostava de carnaval de rua. Na verdade, o gosto pela folia estava reprimido. Hoje, milhões de paulistanos e também de turistas estão colorindo as ruas, enchendo de vida trechos da cidade muitas vezes desabitados em feriados e fins de semana, festejando o que já é o maior carnaval de rua do Brasil.
Mas não é somente São Paulo. Os blocos tomaram conta dos espaços públicos de norte a sul do país, numa dimensão nunca vista e com uma visibilidade espantosa. A festa ocupou as ruas, ressignificando o território. Belo Horizonte e Brasília que o digam. A cada ano vem retornando, ainda lentamente, em Salvador, o espaço do folião “pipoca”. De Recife, o melhor carnaval-participação, não se fala: é por excelência o melhor exemplo do carnaval porque através de um planejamento exemplar, a cidade nunca permitiu que as ruas fossem
privatizadas por meio das cordas e nunca secundarizou o folião em seu carnaval de rua.
Em todo o Brasil vem se processando uma significativa mudança de postura do cidadão em relação a sua cidade. O carnaval faz parte desse processo. Multidões se mobilizaram em busca de um “carnaval-participação”, de um território livre para a alegria, a invenção e a criatividade. Cidades sem tradição carnavalesca, ou que há muito pareciam tê-la perdido, surgem ou ressurgem com uma alegria e uma sociabilidade sem par.
Aliás, não esqueçamos que estamos falando de uma economia poderosa e bem diversificada. Lamentavelmente ainda não possuímos indicadores confiáveis para nos dar a dimensão de uma festa com a abrangência e importância do carnaval. Só a prefeitura de São Paulo estima que o carnaval de rua, este ano, irá movimentar mais de R$ 520 milhões. No Rio, a expectativa é de uma injeção de R$ 3 bilhões provenientes da folia. Imagine o tamanho desta economia somando todos os pequenos e grandes carnavais Brasil afora. O povo está as ruas fazendo festa aos borbotões, em dezenas, centenas de cidades brasileiras.
Este é o fato: homens, mulheres de todas as idades, jovens, crianças, adultos e idosos ocupando as ruas, se apropriando do espaço urbano, celebrando e vivenciando um carnaval mais democrático, sem separação e sem cordas, sem privatização do espaço público. O carnaval de rua é expressão cultural, espontaneidade, é colaborativo, onde todos são atores, onde todos e cada um são o espetáculo.
O samba nada de braçada, acessível e aberto a todos os estilos e musicalidades, a todas as classes, a todas as cores e idades. Enquanto a nossa democracia sente a nostalgia do povo na rua, o carnaval nos devolve o espaço público onde as pessoas podem exprimir com liberdade seus desejos, suas críticas e suas vontades.
Não tenho dúvidas de que o novo carnaval de rua é uma conquista sociocultural importante. Até mesmo para o equilíbrio psicossocial das cidades. A praça é do povo. A rua é de todos. A cidade é nossa. Viva o carnaval!
*Juca Ferreira é sociólogo, foi ministro da Cultura nos governos Lula e Dilma Rousseff