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O governo Temer pretende transformar a instituição pública em uma Sociedade Anônima, abrindo assim seu capital para o mercado e para os bancos privado e, na prática, a privatizando. Para presidente da federação de trabalhadores da Caixa, proposta representa uma tentativa de desmonte e acabará com sua função social. “Vai ter que prestar contas aos investidores privados”.
Por Ivan Longo
Quatro ex-presidentes da Caixa Econômica Federal divulgaram na semana passada um artigo, publicado pela Fórum, em que denunciam a tentativa do governo Temer de abrir o banco ao capital privado. "A abertura de capital da Caixa levaria ao seu fim como banco 100% público até agora capaz de gerar políticas inovadoras, criar novos mercados, favorecer ações sociais e alavancar políticas anticíclicas em períodos de crise", diz o documento assinado por Jorge Mattoso, Maria Fernanda Ramos Coelho, Jorge Hereda e Miriam Belchior.
Os quatro ex-presidentes se referem, no artigo, à proposta da secretaria do Tesouro Nacional, vinculada ao Ministério da Fazenda, de transformar a Caixa em uma Sociedade Anônima. A ideia foi exposta em uma declaração, no mês passado, de Ana Paula Vescovi, secretária do Tesouro.
A abertura de capital da Caixa representa praticamente a privatização da instituição, hoje o único banco 100% público do país. E não são só os ex-presidentes do banco que sabem dos riscos desse tipo de proposta. Trabalhadores da Caixa também estão preocupados e sabem o que a transformação da instituição em uma sociedade anônima representa. Esses riscos foram expostos pelo presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Jair Pedro Ferreira, em entrevista coletiva concedida no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo, nesta terça-feira (7).
De acordo com Ferreira, a abertura de capital da Caixa ameaça a sua importante função social. A instituição é uma das principais estruturas que sustentam o programa Bolsa Família, o programa Minha Casa Minha Vida, o Financiamento Estudantil (Fies), entre outros.
“Ao transformar em uma SA, na nossa leitura de empregado, eles querem que a Caixa deixe de fazer esse papel, de fazer empréstimos a longo prazo, com juros mais baratos para a sociedade e passe a entrar na regra do sistema financeiro privado. Na primeira conversa, o governo afirmou que a Caixa terá apenas um acionista. Mas a gente viveu os anos 1990, sabendo o que isso significa, na prática. Ou seja, você dá um primeiro passo a partir daí", explicou.
A Caixa como banco 100% público, para o presidente da Fenae, é significado de soberania nacional e independência. Em momentos de crise econômica, por exemplo, são bancos públicos como a Caixa que têm poder para exercer políticas que julgar melhores ao seu país sem, necessariamente, seguir as regras ditadas pelas companhias privadas. Para ilustrar, Ferreira tomou como exemplo a crise econômica de 2008/2009: os países que, assim como o Brasil, tinham um banco 100% público, contornaram a crise com políticas anticíclicas que resultaram em um impacto econômico menor à população.
"A hora que passar a ser Sociedade Anônima, tem que prestar contas aos investidores privados (...) Como é toda do estado, não precisa ouvir o mercado para tomar decisões", afirmou.
A abertura de capital da Caixa, que agora vem sendo cogitada pelo governo, é uma antiga demanda de bancos privados. Ferreira contou que o governo Temer já vem reduzindo a participação da Caixa em programas como o Minha Casa Minha Vida e o Fies. O Financiamento Estudantil, inclusive, já é um nicho dominado pela Caixa que os bancos privados pretendem abocanhar.
"Um monte de banco privado quer o Fies. Mas aí quer também retorno. Qual o efeito disso?", questiona, sugerindo que, na prática, isso prejudicaria os próprios estudantes.
Na lógica do mercado, que não tem por hábito incentivar os empréstimos a longo prazo, seriam prejudicados, por exemplo, os financiamentos de imóveis. Atualmente, 70% de todos os imóveis financiados no Brasil são financiados pela Caixa. Com o fim do empréstimo a longo prazo, perderia principalmente a população mais pobre, principal alvo do programa Minha Casa Minha Vida.
Em defesa do banco 100% público
A Fenae está focada, neste momento, em mobilizar políticos e sociedade civil em prol da defesa da Caixa enquanto banco 100% público. Para isso, os trabalhadores pretendem explicar às pessoas os riscos que o país corre com a transformação da instituição em Sociedade Anônima.
Para isso, a federação vem se reunindo com parlamentares como o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e Roberto Requião (PMDB-PR), que presidem comissões ligadas à soberania nacional e à defesa das empresas públicas. Através de audiências públicas, a ideia é envolver a sociedade em torno desta pauta.
Também estão agendados encontros de trabalhadores da caixa com movimentos de moradia, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), já que os financiamentos do banco ligados a questão da habitação estão em risco com a proposta do governo.
Assista, abaixo, a íntegra da entrevista coletiva com Jair Pedro Ferreira.