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O Brasil tem, atualmente, 1271 estabelecimentos prisionais com capacidade total de 308.075 vagas, que são preenchidas por 501.180 presos, uma superlotação de 160%. Para especialista, solução, no entanto, não é construir mais presídios, mas sim investir em medidas alternativas ao encarceramento
Por Henrique da Cruz Nascimento
A prisão é adotada como forma de punição desde o século XVIII, em substituição a penas físicas e consideradas desumanas. Antes disso, a prisão era feita apenas de forma preventiva, como forma de garantir que o réu não fugiria e, também, para o levantamento de provas contra o acusado, fazendo-se valer de torturas para a aquisição de tais provas, prática que era permitida à época. O intuito do encarceramento era de imprimir no preso o arrependimento pelos seus crimes, atuando na mudança do seu caráter, para que retornasse à sociedade moralmente reformado – proposta que, em tese, se mantém até hoje. No Brasil, o cerceamento da liberdade como forma de punição passou a ser aplicado a partir de 1830.
Segundo dados do relatório A Visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro, lançado em dezembro de 2016 pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, que abarca dados coletados por Promotores de Justiça e Procuradores da República entre 2014 e 2015, o Brasil apresentava, em 2015, 1271 estabelecimentos (748 cadeias públicas e 523 penitenciárias, excluindo “casas do albergado”, com 41 estabelecimentos; “centros de observação criminológica/remanejamento”, com 16; “colônia agrícola, industrial ou similar”, com 81; e “hospital de custódia e tratamento psiquiátrico”, com 29, totalizando 1438 estabelecimentos por todo o país) com uma capacidade total de 308.075 vagas, que eram preenchidas por 501.180 presos, resultando em uma superlotação de, aproximadamente, 160% e se tornando um dos principais problemas do sistema prisional brasileiro.
No último dia 28 de outubro, ao palestrar para os alunos da 3ª Edição do Curso Direito de Defesa e Cobertura Criminal, do Projeto Repórter do Futuro, junto à sede do Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD, o advogado Antônio Claudio Mariz abordou o encarceramento em massa, descartando-o como solução para a criminalidade e classificando-o como algo “antinatural” a ser utilizado em casos extremos: “A liberdade só pode ser cerceada quando, e se, estiverem presentes pressupostos reais para o seu cerceamento. E qual é o primeiro pressuposto? É a incompatibilidade de alguém viver em sociedade. Esse alguém traz uma carga criminosa tão grande que a sua permanência na sociedade é absolutamente inconveniente, pelo risco que coloca à sociedade como um todo.”
O Brasil é, hoje, o quarto país com a maior população carcerária, atrás dos Estados Unidos, em primeiro lugar, China e Rússia, respectivamente. O crime que mais enche celas no país é o de tráfico de drogas, principalmente após a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, popularmente conhecida como “Lei de Drogas”, que endureceu as penas para traficantes, trazendo efeitos também para os usuários e portadores de drogas. Segundo levantamento do portal G1 de 2015, o número de prisões por tráfico de drogas havia aumentado 339% entre 2005 e 2013. Dois anos depois, em fevereiro desse ano, o número já havia aumentado 480%.
As condições do preso
Em 2013, Rafael Braga foi preso com duas garrafas de produtos de limpeza, acusado da tentativa de produzir materiais explosivos, durante as manifestações que ocorriam em junho daquele ano. No começo de 2016, após ter conseguido progredir para o regime aberto, com o uso de tornozeleira eletrônica, Rafael foi preso novamente, acusado de portar 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína e um rojão; em abril desse ano, foi condenado a onze anos e três meses de prisão. Quatro meses depois, Rafael Braga foi diagnosticado com tuberculose, doença infectocontagiosa que atinge os pulmões, contraída durante sua estadia na cadeia; Rafael vinha tendo uma tosse persistente por, aproximadamente, um ano antes de ser diagnosticado.
Dos 1438 estabelecimentos estudados para a elaboração do relatório A Visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro, 1364 garantem o banho diário dos presos, 966 fornecem material para higiene pessoal e 939 têm cardápio alimentar orientado por nutricionista. São melhores classificadas como “regular” a estrutura predial (com 33%), a iluminação (35%), a insolação (34%), a aeração (35%) e a temperatura (38%) das celas, as instalações hidráulicas (36%), elétricas (33%) e sanitárias (38%) dos estabelecimentos (a nível Brasil). A limpeza geral, das cozinhas e das oficinas de trabalho são melhores classificadas como “boa” com 43%, 31% e 19%, respectivamente. Alimentação, roupas de cama e toalhas de banho também são melhores classificadas como “boa” com 45%, 21% e 20%.
As condições desfavoráveis a que os presos são submetidos dentro dos presídios facilitam a proliferação de doenças como a tuberculose; o Ministério da Saúde, em dados de maio de 2016, informou que a incidência de tuberculose em pessoas privadas da liberdade é de 932 casos em 100 mil habitantes, quase 30 vezes a mais que a população normal, onde a incidência é de 33 casos em 100 mil habitantes.
Reeducação do preso e reinserção na sociedade
Mariz acredita que, para que a cadeia cumpra com sua função de reeducar o preso e recolocá-lo na sociedade como elemento útil, seria preciso “ter trabalho na cadeia, educação, cultura, religião”, mas isso não ocorre de forma a atender todos os condenados.
Em relação à educação e atividades recreativas, dos 1438 estabelecimentos, 833 dispõem de espaço para a prática de esportes e 678 aplicam atividades culturais e de lazer. Embora 1031 estabelecimentos garantam o livre acesso à leitura pelos presos, apenas 626 possuem bibliotecas. Para a realização de cultos religiosos, 713 estabelecimentos dispõem de espaços destinados à prática. Por fim, 1071 estabelecimentos garantem acesso aos meios de informação pelos presos. Quanto a trabalho dentro dos presídios, o relatório do CNMP não apresenta dados específicos.
No entanto, mesmo que a pena por reclusão acabe cumprindo sua função, a contraparte dessa reeducação é implantar na sociedade uma cultura de receptividade do presidiário que cumpriu sua pena, o que não acontece. “A sociedade não estende a mão”, diz Mariz. “Você não tem emprego, não tem convênio com a indústria e com o comércio para abrigar e para empregar o egresso do sistema penitenciário e ele se vê abandonado. Sai da cadeia e não tem dinheiro para ir para casa.” O resultado disso é, em grande parte, a reincidência dos presos: segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, realizada por solicitação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em 2015, um em cada quatro ex-condenados voltam a ser condenados por algum crime e retornam às prisões.
Prisões provisórias
Outro agravante da superlotação – e dos demais problemas, consequentemente – são as prisões provisórias. Em 2015, em todo o Brasil, mais de 196 mil presos encontravam-se sob o regime de prisão provisória, aguardando julgamento. Sobre o caso, Mariz acredita que as prisões provisórias acabam por se tornarem prisões perpétuas, “porque se ele (o réu) não for julgado, ele continua preso.” Uma das justificativas que Mariz dá para essa postergação é a falta de recursos jurídicos oferecidos pelo Estado, principalmente para a parcela mais carente da população, que é o principal componente do sistema penitenciário: “O Estado tem a obrigação constitucional de prestar assistência judiciária ao carente e não o faz. Em São Paulo, nós temos a Defensoria Pública, que trabalha com muito afinco, mas o número de defensores é absolutamente inferior à necessidade e, para suprir isso, nós temos o pro bono. (...) E temos convênio com a Procuradoria do Estado, a Defensoria Pública agora, com a Ordem dos Advogados. Convênio segundo o qual 60 mil advogados trabalham para presos.”
Penas alternativas ao encarceramento
Uma possível solução aos problemas do encarceramento em massa, algo defendido por Mariz, seriam as penas alternativas estipuladas pelo Código Penal. No artigo 44 é dito que “as penas restritivas são autônomas e substituem as privativas de liberdade” em casos em que a pena aplicada não supera os quatro anos e o crime não foi cometido com violência, além de serem verificados os antecedentes do réu e se o mesmo é reincidente em crime doloso. As penas sugeridas pelo Código Penal são:
- Prestação pecuniária ou o pagamento em dinheiro à vítima, aos dependentes ou a entidades públicas ou privadas com propósito social, podendo chegar até 360 salários mínimos;
- Prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas;
- Interdição temporária de direitos, como a impossibilidade de exercer um cargo público ou mandato eletivo, por exemplo;
- Limitação de fim de semana, onde o condenado é obrigado a ficar restringido em estabelecimento adequado por cinco horas diárias aos fins de semana;
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