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Em artigo, ex-presidentes explicam como a transformação da Caixa Econômica Federal em uma sociedade anônima serve para colocar suas ações no mercado e determinar o fim da instituição como banco 100% público
Por Jorge Mattoso, Maria Fernanda Ramos Coelho, Jorge Hereda e Miriam Belchior
A Caixa ontem, hoje e amanhã?
O Ministério da Fazenda, através de sua representante no Conselho de Administração, vem tentando transformar a CAIXA em Sociedade Anônima, para, em seguida, colocar suas ações no mercado e desta forma ajudar o governo Temer e seu austericídio, destinando ao Tesouro Nacional os bilhões de reais que as ações poderiam gerar.
Mas a abertura de capital da CAIXA levaria ao seu fim como banco 100% público até agora capaz de gerar políticas inovadoras, criar novos mercados, favorecer ações sociais e alavancar políticas anticíclicas em períodos de crise.
Como era a CAIXA
Vale à pena recordar que após a incorporação do BNH em 1986 e durante os anos 90, a CAIXA passou por momentos difíceis. Com a reestruturação financeira e patrimonial realizada em 2001 a CAIXA deixou de ser uma instituição capaz de executar políticas públicas e perdeu espaço no mercado bancário, com agências superlotadas, lotéricos desmotivados, escassos correspondentes bancários e sem produtos e/ou serviços com tecnologia e qualidade. A CAIXA passou a concentrar seus recursos em operações de Tesouraria, gerando daí quase todo o seu resultado líquido. Assim, não apenas as políticas públicas foram abandonadas, mas o negócio de crédito comercial era visto como secundário – ou até mesmo desnecessário.
Com isso, a CAIXA teve sua imagem comprometida junto à população, que passou a vê-la apenas como uma instituição destinada a depósitos de poupança e que ocupava os primeiros lugares na lista de reclamações do Banco Central.
Como ficou a CAIXA
A partir de 2003 este quadro foi revertido. A CAIXA foi reorientada a cumprir sua missão institucional de banco público, como agente do desenvolvimento econômico e social, participando de políticas de ampliação do crédito, de bancarização, de amplo acesso aos seus produtos e serviços e como principal implementador de políticas públicas do Governo Federal.
A CAIXA ficou maior, mais competitiva e relevante para os brasileiros, pois se consolidou como o primeiro banco em poupança e habitação, o segundo maior em carteira de crédito, o terceiro maior em ativos e a quinta marca mais valiosa do país.
Em 2003, a CAIXA tinha 1.710 agências, 10,2% das agências no país. Em 2014, alcançou 3.391 agências, 14,7% do total. Além disso, dada sua atividade social, a CAIXA passou a ter a maior rede de correspondentes bancários (11.178) e lotéricos (13.080), que atingem praticamente todos os municípios brasileiros.
A bancarização passou a ser um objetivo maior da CAIXA. Foi criada, em 2003, a conta bancária simplificada, que ampliou o acesso bancário das camadas mais pobres da população. Em 2015, existiam mais de doze milhões de contas simplificadas de depósitos à vista e de poupança ativas, em sua maior parte na CAIXA.
Ao se tornar fonte pagadora dos programas sociais através do Cartão do Cidadão permitiu que - além do Bolsa Família que tem seu próprio cartão - todos tivessem maior facilidade de acesso aos benefícios sociais e trabalhistas (FGTS, PIS, Abono Salarial e Seguro Desemprego).
Na execução dos programas governamentais, em 2016 foram pagos R$ 28,3 bilhões em benefícios sociais e R$ 242,1 bilhões em benefícios aos trabalhadores. Já as loterias federais destinaram, no mesmo ano, R$ 4,8 bilhões para a seguridade social, esporte, financiamento estudantil (FIES), entre outros.
Além disso, a CAIXA também foi protagonista das principais políticas de desenvolvimento e de inclusão social do governo federal ao operar os programas Bolsa Família, PAC e Minha Casa, Minha Vida, entre muitos outros.
O crédito passou a crescer no país a partir de 2004 e a CAIXA começou a participar deste processo com a ampliação do crédito consignado, depois estendendo a outras modalidades. Em 2016, o saldo da carteira de crédito somou R$ 709 bilhões e sua carteira de crédito ampla correspondia a mais de 22% do mercado. No mesmo ano, foi responsável por 67% do financiamento imobiliário nacional, detendo 90% do crédito destinado à habitação popular.
Com o crescimento do financiamento à infraestrutura, mobilidade urbana e saneamento a CAIXA se tornou o segundo maior financiador de projetos de longo prazo no país, alcançando, em 2016, uma carteira com R$ 79 bilhões de saldo, ficando atrás apenas do BNDES.
A CAIXA auxiliou a redução do spread bancário em dois momentos. O primeiro, entre 2003/04 e 2007, voltado mais intensamente para pessoas físicas, em meio ao crescimento da nova classe média. O segundo em 2012 e 2013, quando após as políticas anticíclicas se buscou reduzir os juros e os spreads bancários.
Desde 2003 a CAIXA assegurou sua rentabilidade e desempenho econômico financeiro. Ampliou o crédito, mantendo baixas taxas de inadimplência, ampliando o lucro líquido e sempre que possível contribuindo com dividendos ao Tesouro.
A CAIXA amanhã
Com a adoção de políticas de austeridade em meio ao desmonte do Estado nacional, a economia brasileira teve queda do PIB, dos investimentos e do crédito total.
A CAIXA anunciou um PDV em 2016, embora o número de funcionários tenha caído antes de sua efetivação: de 95.458 em 2015 para 94.978 em 2016 e também se propôs a fechar cerca de 120 agências em 2017.
Mas mais importante que estes ajustes foram as políticas que fizeram cair a oferta de crédito livre e direcionado e elevaram os juros da CAIXA.
A queda da oferta de crédito no país foi de 3,2% em 2016 e de 2% até setembro de 2017. O programa Minha Casa Minha Vida teve acentuada retração dos desembolsos: de R$ 20,7 bilhões em 2015 para R$ 7,9 bilhões em 2016 e uma projeção linear de R$ 2,7 bilhões em 2017. Além disso, tem sido crescente os cortes no PAC e nos gastos discricionários de vários programas sociais pagos pela CAIXA, com evidente impacto sobre a população de menor renda.
Mas o governo Temer tem insistido no austericídio, na desestruturação do Estado e na tentativa de privatizar a CAIXA, elevando a concentração bancária.
A CAIXA sempre soube se reinventar e se transformar - como o fez em momentos de crise, de alterações estruturais da economia ou de consolidação de novas regras de risco, governança, regulatórias ou legais - e precisará continuar a fazê-lo, inclusive para dar conta do Acordo de Basiléia III.
Mas se confirmada a sua transformação em S.A. com ações no mercado, a CAIXA perderia as condições para se transformar e implementar políticas públicas - sociais, de incentivo ao mercado ou anticíclicas - como fez ao longo de seus 156 anos de história. Nas condições atuais do mercado bancário, ela possivelmente deixaria de existir, sendo incorporada pelo Banco do Brasil ou vendida a um banco privado.
Para que nosso país possa voltar a ter crescimento sustentável com redução da pobreza, precisamos continuar com um banco 100% público, forte e competitivo como a CAIXA, capaz de enfrentar ao mesmo tempo a concorrência bancária e suas responsabilidades sociais.
O Brasil não pode perder um banco que personifica sua população e seus sonhos de casa própria, poupança, benefícios sociais, crédito e investimentos para o crescimento sustentável e inclusivo do país.
Foto: Agência Brasil