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Lédio Rosa de Andrade, amigo de infância de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, ex-reitor da UFSC que se suicidou, diz: “Hoje, tenho mais medo dos fascistas do que no tempo da ditadura”.
Por Lucas Vasques
Amigo de infância de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o Cau, para os amigos, ex-reitor da UFSC, que se suicidou no início da semana, o desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Lédio Rosa de Andrade, não se conforma com os rumos que a investigação tomou e desabafou em um emocionado e emocionante discurso, durante a cerimônia em homenagem a Cancellier, nas dependências da universidade. Em entrevista exclusiva à Fórum, ele não mediu palavras para definir sua revolta: “Hoje, tenho mais medo dos fascistas do que no tempo da ditadura. Mas esse medo não me paralisa, ao contrário, me incentiva a atuar, a denunciar, a conclamar pela união dos democratas para que parem o avanço da barbárie. De fato, eles estão de volta. Nós democratas já os vencemos e vamos vencê-los de novo”.
Fórum - Como conheceu Luiz Carlos Cancellier de Olivo, como era o relacionamento de amizade e o que uniu suas trajetórias?
Lédio Rosa de Andrade - Conheci o Cau na cidade de Tubarão, pois morávamos na mesma rua Santos Dumont. Tínhamos por volta de dez anos. Ficamos amigos, brincávamos e estudávamos juntos, no colégio Dehon. Nossa amizade era muito boa e nos uniu a amizade de criança e de juventude. Erámos sonhadores. Ambos de famílias humildes, mas com muitas ideias e ideais na cabeça.
Fórum - Quando e como foi seu último contato com o reitor Cancellier?
Lédio Rosa de Andrade – Pessoalmente, foi na minha casa, uns dias antes da tragédia, dia 8 de setembro, creio. Fiz um jantar para ele, com o objetivo de animá-lo. O amigo comum, Jailson Lima, estava presente, o irmão dele, Júlio, o Gelson Albuquerque e minha companheira Ana Maria. Mas ele já não era o mesmo. Estava medicado e os efeitos eram visíveis. Depois, chamei-o por telefone, para saber como estava. Nos últimos dias, chamava, mas o telefone não foi mais atendido.
Fórum - Qual foi sua reação quando soube que ele havia sido preso de uma forma arbitrária, por ordem de uma juíza?
Lédio Rosa de Andrade – A mais profunda indignação. Sou magistrado há 34 anos. Sei que existem muitos juízes democráticos, competentes, honestos. Mas, ultimamente, criou-se uma onda de juiz virar pop star. Vale tudo para aparecer na mídia. O Ministério Público e a Polícia padecem da mesma praga. E isso gerou a prática fascista o desrespeito frontal à democracia. Escrevi um artigo publicado no jornal Notícias do Dia, denunciando essa prática.
Fórum - Como o sr., como amigo de infância do reitor, mas, acima de tudo, homem da Justiça, do Direito, analisa os fatos que nortearam o andamento das investigações contra ele e o término trágico dos fatos?
Lédio Rosa de Andrade – A Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário aceitaram como verdade a visão parcial e politicamente interesseira de pessoas que disputam o poder na UFSC. A partir daí, à revelia dos princípios mais elementares do Direito, contrariando normas expressas e claras, inclusive da Constituição Federal, houve ações atropeladas, prisões desnecessárias e, pior, totalmente ilegais. É o que se chama em direito de erro in procedendo. Se isso não parar agora, dentro de pouco tempos alguns juízes irão condenar pessoas à pena de morte direta (mesmo que proibida pela Constituição). Hoje, a pena de morte existe como consequência da degradação moral, do escárnio público, como ocorreu com o Cau.
Fórum - Quais os principais erros que o sr. observou na condução das investigações?
Lédio Rosa de Andrade – Como magistrado, não posso comentar diretamente um processo comandado por outro magistrado. Por isso, faço considerações gerais, em tese. Os erros frequentes são não observar a Lei e o agente público se achar a própria instituição, e fazer o que vem à cabeça, o que se quer fazer e pronto, com desrespeito às normas jurídicas, à democracia, com desrespeito ao ser humano e aos Direitos Fundamentais.
Fórum - Pelo que conhecia do reitor, surpreende o fato dele ter caído em profunda depressão e terminando por tirar a própria vida, ou seja, as humilhações que sofreu foram insuportáveis e insuperáveis para ele?
Lédio Rosa de Andrade – O Cau era um homem de princípios. Não tinha medo da morte. A vida só valia à pena com dignidade. Isso tudo foi tirado dele sem mais nem menos. Seu passado foi destruído, seu presente maculado e aviltado e seu futuro inviabilizado. Como combatente que era, diante do terrorismo de Estado e a mais profunda e arrogante injustiça, usou a única arma que tinha: a tragédia. Ele era um leitor voraz de literatura, conhecia profundamente William Shakespeare e Machado de Assis. Conhecia a humanidade, o jogo de poder e a capacidade humana para a maldade. Concluiu que não tinha outra opção.
Fórum - Em seu discurso, na cerimônia em homenagem ao reitor, na UFSC, o sr. citou que "os ditadores de espírito nunca morrem. Estão sempre prontos para voltar". Essa é uma referência direta às pessoas que atacaram o reitor nesse processo?
Lédio Rosa de Andrade – Essa minha citação refere-se a todos os fascistas que sempre atacam a democracia. Vejo pessoas com moral discutível, pregando linchamento, atuando como os únicos honestos da humanidade. Dia desses vi no Facebook um homem condenado à prisão por assalto à mão armada pedir o linchamento de um ladrão de galinha, alegando que “bandido bom é bandido morto”. Freud explica bem essas contradições. E, hoje, lamentavelmente, a polícia, o Ministério Público e a magistratura possuem uma parte fascista e isso destrói essas importantes instituições. Felizmente, não são maioria, pelo menos ainda.
Fórum - Ainda no discurso, o sr. cita a imprensa e o judiciário como sendo instituições deturpadas. Esse cenário, ao que parece, não se restringe ao caso do reitor. O sr. poderia aprofundar mais essa análise?
Lédio Rosa de Andrade – Não afirmei que são instituições deturpadas, mas que alguns de seus membros as deturpam. O sistema faz a lei e autoriza as exceções, como prender uma pessoa não condenada. O sistema espera que o agente público com poder para fazer valer essa exceção tenha ponderação, aja com cautela, com justiça e não use o seu poder para benefício próprio, para ganhar celebridade na mídia, e nem por corrupção. Mas o sistema trabalha com gente e gente é coisa complexa. Assim como a Lei de Gerson acabou com nosso país, com nossa democracia e nossa sociabilidade, agora há uma nova Lei que diz que vale tudo, vale o mais brutal, desde que o agente possa aparecer, possa ficar famoso. Temos de acabar com isso.
Fórum - Especificamente em relação ao judiciário, o sr. disse: "Porcos e homens se confundem. Fascistas e democratas usam as mesmas togas. Eles estão de volta. Temos que pará-los. Vamos derrubá-los novamente. Outra imagem me vem à mente. O homem alto Marcelo Bretas com a mulher, ao lado de Sergio Moro com a mulher, andando sobre o tapete vermelho da estreia do filme sobre a Lava Jato. Eles estão de volta". Qual o paralelo que faz em relação ao comportamento desses juízes e o caso do reitor e o que acha da espetacularização das prisões protagonizadas por esses magistrados?
Lédio Rosa de Andrade – Não vi esse filme e nem vou ver. Há coisas mais importantes na vida e filmes de ótima qualidade. Não quero pessoalizar nada. Não luto contra pessoas em si, mas contra suas atitudes deletérias. Luto contra o fascismo. Fascismo não é só uma palavra. É muito mais. É ação, é forma de vida que destrói a democracia. No momento em que a nossa sociedade está admitindo o abuso de autoridade e o uso do instituto excepcional da prisão sem condenação de forma banalizada; quando os juízes perdem a mínima imparcialidade e, mesmo assim, continuam julgando e condenando; quando já se sabe de antemão que um réu será condenado, independentemente das provas a serem produzidas; quando há execração pública de pessoas de bem e a polícia aponta metralhadoras e fuzis para crianças e adolescentes e levam seus pais, que são pessoas pacíficas, algemados como se fosse bandidos perigosos; e quando a mídia assume a postura dos únicos éticos e destrói a vida das pessoas de forma irreversível, sem qualquer responsabilidade, estamos no fascismo.
Foto: UFSC