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Um dos coordenadores da Frente Brasil Popular, cientista político diz que, após cassação de Dilma Rousseff, teremos “um país em conflito”. "Temer não é um ator no processo, é um mamulengo", diz
Por Eduardo Maretti, da RBA
A expectativa do ex-presidente do PSB e um dos coordenadores da Frente Brasil Popular, Roberto Amaral, após a cassação do mandato de Dilma Rousseff hoje (31), é de “um país em conflito”. Para ele, o programa a ser implementado pelo governo, a partir de hoje não mais interino, “vai requerer repressão do movimento sindical em geral, em particular dos petroleiros, e dos movimentos do campo”.
Amaral considera que, embora “ilegítimo” e ameaçado por denúncias, o governo de Michel Temer na conjuntura imediatamente pós-impeachment interessa ao sistema, pelo menos até o fim de 2016. “O regime resiste a depor Temer porque agora é importante a posse dele, já que se houver alteração, hoje, terá que haver novas eleições. A partir de 1° de janeiro de 2017, essa substituição passa a ser pelo Congresso. Aí esse Congresso que está aí elege quem quiser.”
Para o professor e cientista político, as elites que tomaram o poder têm diversos instrumentos para inviabilizar o processo político democrático nos próximos anos. “Eles permitirão eleições em 2018, se não houver risco de um Lula se eleger”, diz. “E até lá, eles podem adotar muitas medidas constitucionais. Eles podem, por exemplo, reduzir os poderes do presidente da República, tornando irrelevante a eleição de qualquer um.”
Para ele, diante desse quadro, o movimento popular tem que se comprometer com a unidade e, no caso dos partidos, adotar uma política de frente, unindo o movimento sindical e os movimentos populares de resistência ao governo.
Leia trechos da entrevista
Programa do governo Temer
Minha expectativa é de um país em conflito. O programa a ser anunciado e completado após o impeachment é recessivo, antinacional, antipopular, que jamais seria aprovado num processo eleitoral, e que não tem condições de ser levado a cabo do processo democrático clássico. Ele vai requerer repressão do movimento sindical em geral, em particular dos petroleiros, e dos movimentos do campo. Vai exigir restrições às liberdades. Estamos saindo de um conflito político em que a sociedade ficou visivelmente dividida. Celso Amorim já falou que o impeachment de Collor uniu a nação, e este divide a nação. Dividiu profundamente entre o avanço e o atraso, e o atraso não se implanta sem resistência.
Movimento de resistência
O movimento popular tem dois compromissos: da unidade e o compromisso que os partidos devem adotar de uma política de frente, com o sindicalismo e o movimento popular de resistência ao governo. Não é uma simples oposição ao governo. É uma resistência a um governo ilegal e acima de tudo ilegítimo. Não foi apenas um golpe parlamentar, não se trata apenas de tirar Dilma e colocar Temer. O que se está fazendo é tirar a política aprovada no processo eleitoral para implantar outras, sem consulta popular. O que se está dizendo é que, contrariando os fundamentos da democracia representativa, não há mais necessidade de eleição para se chegar ao poder. Isso é inaceitável.
Vemos o comportamento do governo de São Paulo (de Geraldo Alckmin, do PSDB). Vemos as notícias de repressão às manifestações contra o golpe. Todas as aparências vão ser quebradas. Não há mais necessidade de aparências.
Ditadura constitucional
Não há na nossa história nenhum precedente de um governo ilegítimo implantando uma política antissocial num processo democrático. O último precedente em política de atraso, de política recessiva, foi o governo Castelo Branco com a política de Campos e Bulhões (referência a Otávio Gouveia de Bulhões, ministro da Fazenda, e Roberto Campos, ministro do Planejamento do primeiro presidente do regime militar instaurado em 1964).
Ali era uma ditadura franca. Não vamos para uma ditadura franca, porque até aqui não há a participação das Forças Armadas. Mas iremos para uma “ditadura constitucional”. O Congresso, de joelhos, que foi ator do golpe, alimentará o Executivo de todas as medidas repressivas de que necessitar. Começando pela aprovação da PEC (241), que vai suspender os investimentos em educação, saúde, saneamento, por 20 anos. Isso significa determinar o atraso deste país por muitos anos. Se parar o investimento em educação, ciência e tecnologia, quando retomar isso você não retoma o ponto em que havia parado. A nossa distância no plano da pesquisa e da ciência vai ficar irrecuperável. Isso é um crime. É impossível você destruir a Petrobras e privatizar o pré-sal sem reação popular e dos sindicatos.
Trabalhadores
Até aqui o governo vem anunciando medidas, mas estava se resguardando para aplicá-las após o impeachment. Não houve nessa crise um ambiente para um levante sindical. Estamos num processo sindical ainda politicamente atrasado. Mas, em todo o mundo, inclusive no Brasil, os trabalhadores se levantam quando seus direitos deixam de ser somente ameaçados mas começam a ser cassados. O movimento sindical brasileiro vai transitar rapidamente da defesa econômica para a reivindicação política. É inevitável. Estamos na recessão, é natural que a primeira preocupação das lideranças sindicais seja conservar o emprego, até o momento em que começar a haver perda concreta de direitos.
Mandato de Temer
O mandato de Temer depende da medida em que for necessário ao sistema ou não atrapalhar o sistema. A partir de agora, o Congresso Nacional, as assembleias legislativas, as câmaras municipais podem destituir qualquer presidente, governador, prefeito, sem justificativa constitucional. Temer é vulnerável aí. Ele sabe que o nome dele circula nas delações premiadas. Isso enfraquece a figura de qualquer presidente.
O regime resiste a depor Temer porque agora ele é importante, a posse é importante, já que se houver alteração, hoje, terá que haver novas eleições. A partir de 1° de janeiro de 2017, essa substituição passa a ser pelo Congresso. Aí esse Congresso que está aí elege quem quiser.
Temer não é um sujeito do processo histórico, não é um ator, é um mamulengo. Está aí em função de uma contingência e uma necessidade. Então ele passa a estar nas mãos do Congresso. E está também nas mãos do inefável Gilmar Mendes. Tramita no TSE processo instaurado a pedido do PSDB, pedindo a cassação da chapa encabeçada por Dilma. Se essa chapa for cassada, ele vai cassado também. Além do mais, esse processo, do meu ponto de vista, não se encerra em 2018. Sérgio Mota e Fernando Henrique anunciavam 20 anos de social-democracia. Esse sempre foi o sonho da direita. Ela nunca tomou o poder pelo voto. Em 1954, tomou com o suicídio do Getúlio, e tentou manter-se com a tentativa de impedir a posse de Juscelino. Em 1961, com a tentativa de impedir a posse do Jango.
Eleições de 2018
Eles permitirão eleições se não houver risco de um Lula se eleger. Ou seja, se não houver risco de alternância do poder. E até lá, têm muitas medidas constitucionais. Eles podem, por exemplo, reduzir os poderes do presidente da República, tornando irrelevante a eleição de qualquer um. Podem transferir para o Congresso a nomeação do ministro da Fazenda, do Planejamento, presidente do Banco Central, para terem o controle do que interessa na economia, e sem risco.
No meio disso, para se precaver, no que for possível, tentarão destruir o Lula. Destruir o Lula como imagem, como símbolo, até destruí-lo como político, com essas tentativas de processá-lo para ver se até 2018 conseguem uma condenação que o afaste do processo eleitoral. Isso é um jogo tão evidente, as cartas estão tão claramente postas na mesa que eu não entendo que possa haver qualquer dúvida.