Suspensão de programa social no Rio afetará mais de 100 mil famílias

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Os beneficiários do programa estão entre as famílias mais pobres do estado, já que ele é pago a quem recebe o Bolsa Família e, mesmo assim, permanece com renda menor que R$ 100 por pessoa Vinicius Lisboa, da Agência Brasil * Passa de 111 mil o número de famílias que ficarão sem receber o programa Renda Melhor a partir de setembro. O governo do Rio de Janeiro anunciou ontem (9) que o programa será suspenso para economizar cerca de R$ 200 milhões anualmente, valor que faz parte da meta de cortar entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões por ano. Os beneficiários do programa estão entre as famílias mais pobres do estado, já que ele é pago a quem recebe o Bolsa Família e, mesmo assim, permanece com renda menor que R$ 100 por pessoa. É o caso de Antônia Cardoso de Souza, que tem 42 anos e é moradora de São Gonçalo. Casada e mãe de três filhos, ela e o marido não têm emprego formal e contam com R$ 247 do programa há três anos. Os valores pagos pelo Renda Melhor variam entre R$ 30 e R$ 300. Pacote Com a ajuda do programa, ela conseguiu terminar o curso técnico de enfermagem e ajuda a filha mais velha, que está grávida e desempregada. "É muito importante, porque já tem três anos que não trabalho de carteira assinada", informou Antônia, que passa roupa para complementar a renda da família e soma o que ganha ao trabalho informal de mecânico do marido. O corte do Renda Melhor faz parte de um pacote determinado em cinco decretos. As ações alteraram a estrutura administrativa do governo, ordenaram a reavaliação de contratos, listaram imóveis que devem ser vendidos e proibiram a realização de concursos públicos, entre outras medidas. Por discordar da decisão de suspender o programa, o secretário de Assistência Social e Direitos Humanos, Paulo Melo, entregou o cargo ao governador em nota divulgada ontem (9). Dornelles já havia confirmado o pedido de demissão, mas disse que não o aceitaria. "Tenho pelo secretário Paulo Melo a maior admiração. Ele faz um trabalho da maior importância e não aceito a demissão. Ele pediu, mas não concordo. Tenho que assinar a demissão do Paulo Melo e não assino", disse o governador, que substitui Luiz Fernando Pezão, licenciado para tratamento de um câncer. Na nota, Paulo Melo informou que uma auditoria revelou que o programa custa, na verdade, cerca de metade dos R$ 200 milhões. Procurado pela Agência Brasil, o governo do estado manteve a previsão de que o corte economizaria os R$ 200 milhões e não comentou a nota pública de demissão, por meio da qual Melo afirmou que não voltará à secretaria no fim de suas férias. "Minha férias se encerram no dia 12 de julho e, não podendo o governo atender as demandas mínimas da população, como os programas Renda Melhor e Renda Melhor Jovem, ao final assumo meu mandato de deputado estadual. Para mim, uma questão está decidida: temos de atender os mais humildes". Situação trágica O governador Francisco Dornelles afirmou que o corte se deve à situação "trágica" do estado. "Não adianta ter esse programa e, no final, não ter dinheiro para pagar. A situação econômica e financeira do estado é trágica, é uma tragédia. Vocês veem o que está havendo nos IMLs [Instituto Médico Legal], o que está havendo na área da saúde." De acordo com a Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, 111.572 famílias são beneficiárias do Renda Melhor atualmente. O programa complementa a renda do Bolsa Família para lares em que, mesmo com o auxílio do governo federal, a renda não passa de R$ 100 por pessoa. Para o sociólogo Adalberto Cardoso, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), trágica foi a decisão do governo do estado. "Essas famílias recebem em média R$ 90 reais, que é um terço da cesta básica. Elas dependem desse dinheiro para comprar comida. Estamos falando das famílias mais miseráveis do Rio de Janeiro", acrescentou o pesquisador. Defensoria Para Cardoso, o corte incide sobre pessoas que têm pouca mobilização para protestar contra a decisão, por estarem em situação de vulnerabilidade social. "O que o governador fez foi cortar onde ele sabe que vai ter menos possibilidade de protesto nesse momento". Subcoordenadora do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Elisa Cruz disse receber a notícia da suspensão com surpresa e tristeza. A defensoria está avaliando uma forma de pedir a manutenção do benefício. Segundo Elisa, os argumentos devem envolver a garantia de dignidade das pessoas prevista na Constituição. "É uma medida bem impactante e controversa, porque o Brasil vinha há muitos anos em um processo de inclusão e redução de desigualdade em que os programas de transferência de renda tinham um papel central", destacou a defensora, que alertou para a possibilidade de o cancelamento impactar a frequência escolar das crianças e adolescentes beneficiários. Situação financeira O programa foi criado por uma lei aprovada na Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Sérgio Cabral em 2011. Como parte do Plano Rio Sem Miséria, o programa segue as condicionalidades do programa Bolsa Família. O secretario estadual da Casa Civil, Leonardo Espíndola, disse que a lei que criou o Renda Melhor prevê que o programa pode ser suspenso em caso de crise. Conforme Espíndola, a suspensão é temporária e os pagamentos poderão ser retomados se houver melhora na situação financeira do estado. O Renda Melhor Jovem, que ajuda adolescentes dessas famílias entre 15 e 18 anos e cursam o ensino médio, também será afetado pelos cortes. De acordo como o governo do estado, novas adesões não serão aceitas. Entre 2011 e 2015, cerca de 15 mil jovens foram beneficiados. *Colaborou a repórter Tâmara Freire, do Radiojornalismo da EBC Foto: Salvador Scofano