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Amir Khair, João Sicsú, Ladislau Dowbor, Leda Paulani e Paul Singer analisam o atual cenário econômico e apontam alternativas para que o Brasil possa contornar o quadro recessivo mantendo os níveis de emprego e renda
Por Igor Carvalho e Glauco Faria
O discurso apocalíptico em relação à economia brasileira, propagado por parte da mídia e pelo mercado financeiro, foi um dos propulsores das manifestações que tomaram as ruas do país contra o governo da presidenta Dilma Rousseff. De acordo com pesquisa da Fundação Perseu Abramo, realizada na avenida Paulista durante os protestos do último dia 15 de março, 95% dos manifestantes acreditam que a inflação irá aumentar. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC) medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) caiu 2,9% entre fevereiro e março, atingindo 82,9, seu menor nível histórico.
Entre economistas entrevistados por Fórum, há uma concordância de que o atual cenário é delicado, mas há pontos que podem ser explorados para um crescimento sem perda de empregos e de renda. “Minha tese é que o primeiro movimento imediato deve ser a Selic, o resto vai se encaixando. Ao reduzir a Selic, que é uma decisão da Presidência, não depende do Congresso, a conta de juros que o setor pública paga, que bateu em 6,1% do PIB, vai caindo rapidamente para o nível de 3% ou 4%, aí você faz uma revolução fiscal, mantendo um equilíbrio das contas públicas sem precisar de um superávit primário elevado”, afirma o economista Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas, para quem o governo terá que buscar alternativas para escapar da pressão do Congresso sobre a economia.
Além de Khair, Fórum escutou, sobre o cenário econômico do país, o secretário nacional de Economia Solidária, Paul Singer; o professor-doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, João Sicsú; o professor de economia da PUC-SP, Ladislau Dowbor; além da professora da FEA-USP e ex-secretária de Planejamento do município de São Paulo, Leda Paulani.
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Ladislau Dowbor, economista e professor da PUC-SPFórum – A atual situação econômica é caótica como se pinta? Ladislau Dowbor – Devemos entender "situação". Uma coisa é a conjuntura, o curto prazo, desequilíbrios contábeis. Aqui há ajustes a fazer, se se trata bem de ajustes, ou seja, de correções no equilíbrio da máquina. Esta conjuntura é fortemente afetada pelos preços internacionais (minério de ferro, soja e outros itens importantes das nossas exportações perderam entre 20% e 40% do seu valor, o que é enorme). E temos uma conjuntura internacional muito fraca, basta ver países europeus se felicitarem por um crescimento de 1%. O principal fator interno de desequilíbrios são os juros dos crediários, cartões de crédito, crédito bancário para pessoa física e pessoa jurídica, além de elevada taxa Selic, juros estes que desviam pelo menos 5% a 7% do nosso PIB das atividades produtivas para atividades especulativas e evasão fiscal. Outra coisa são os dados estruturais. Entre 1991 e 2012 o brasileiro passou a viver dez anos a mais, tem mais dez anos para dizer como a coisa está ruim. É um avanço absolutamente impressionante. Em 1991 tínhamos 85% dos domicílios com IDH municipal abaixo de 0,50, um buraco. Em 2010, apenas 0,6% dos domicílios estão nesta condição. São dados da ONU/IPEA/FJP, absolutamente confiáveis. E temos evidentemente os mais de 20 milhões de empregos formais, cerca de 40 milhões que saíram da miséria, são resultados espetaculares. E o desemprego é um dos menores da história, na faixa de 6%. Em termos estruturais é uma das economias que melhor se apresenta, tanto assim que mantém o grau de investimento (ainda que no limite baixo deste grau), além de que os capitais internacionais buscam muito o país para investimentos diretos. Fórum – Que tipos de medidas devem ser tomadas para se preservar o emprego e a renda no país? Dowbor – O que o país precisa são correções, não mudanças de rumo. O emprego vai muito bem. Mas o PIB vai mal, pois grande parte dos ganhos é desviada para intermediários financeiros, que não só não investem no desenvolvimento do país, como se escondem em paraísos fiscais e não pagam os seus impostos. O eixo principal de medidas está no ajuste do sistema de intermediação financeira. A BBC apresenta os dados da Economática: “O Itaú teve ainda um aumento de seu lucro de 30,2% em 2014 – registrando o maior lucro da história dos bancos brasileiros de capital aberto segundo a Economatica (R$ 20,6 bilhões). O lucro do Bradesco também se expandiu bastante – 25,6%. E isso em um momento em que consultorias econômicas estimam um crescimento próximo de zero para o PIB de 2014. Diante desses números, não é de se estranhar que dos 54 bilionários brasileiros citados no último levantamento da revista Forbes, 13 estejam ligados ao setor bancário.” (Costas, Ruth - BBC Brasil em São Paulo – 23 de março de 2015). Lucros aumentando neste ritmo com o PIB baixo se complementam: o brasileiro trabalha muito mas os resultados, em vez de serem reinvestidos, são sugados para a especulação e para o exterior. Os dados completos estão no meu artigo (leia aqui). Fórum – Qual seria a importância, hoje, de uma reforma tributária que tornasse o sistema mais justo? Nesse cenário, como entra a taxação das grandes fortunas, por exemplo? Dowbor – É absolutamente vital. Odilon Guedes e outros economistas apresentam as principais mudanças, que têm como denominador comum reduzir os impostos indiretos (que oneram proporcionalmente mais os pobres), desonerar a folha de pagamentos, e sobretudo cobrar impostos dos que detêm fortunas improdutivas. Thomas Piketty, no Roda Viva, se espantou de ver que na Europa impostos sobre a herança são elevados, enquanto no Brasil são de um ridículo 4%. Mais ainda precisamos taxar ganhos financeiros especulativos, o que obrigaria seus detentores a buscar financiar atividades produtivas. E temos de controlar os fluxos de evasão fiscal. O Brasil tem cerca de 520 bilhões de dólares em paraísos fiscais, segundo o Tax Justice Network, ou seja, cerca de 25% do PIB. Não há crescimento possível com esta sangria. E são os que mais gritam "pega ladrão". Eu, por experiência, olho para quem está gritando. Os dados são muito fortes e batem, ainda que venham de fontes diferentes. Fórum – O dólar em alta pode ser uma solução para um problema apontado por muitos economistas – a sobrevalorização cambial? Como o país pode aproveitar este momento? Dowbor – O dólar alto que favoreça as exportações e encareça as importações é bom para as atividades produtivas internas, ainda que não seja milagroso, pois nesta era globalizada muitas atividades internas dependem da importação de insumos e semielaborados. Em particular, enquanto não se recuperarem os preços internacionais das commodities, das quais somos fortes exportadores, vai ser difícil. Fórum – Ainda sobre a alta do dólar: isso pode, de alguma forma, favorecer a indústria brasileira? Se sim, essa medida era realmente necessária? Dowbor – O essencial a se considerar é que frente ao marasmo internacional e a crise especulativa das commodities (em particular do petróleo), o Brasil tem de aproveitar o seu grande trunfo que é um amplo mercado interno: melhorar a situação econômica do andar de baixo da economia – cerca de 100 milhões de pessoas – constitui uma fronteira de avanços muito promissora. Quando o mercado internacional vai mal, o ajuste que restringe o mercado interno não faz sentido, pelo contrário, temos de expandi-lo. O dólar é apenas um dos instrumentos, com funções limitadas. Fórum – Qual a importância de uma eventual recessão no cenário político? Dowbor – No nosso caso temos a conjuntura internacional, o comportamento escandaloso do cartel de intermediários financeiros e a estrutura tributária como elementos críticos centrais. As reformas são necessárias, mas não têm nada a ver com má gestão da Dilma ou do Guido Mantega. A conjuntura internacional é um dado que não dominamos. E tanto o sistema financeiro (em particular a Selic elevada), como a estrutura tributária são travados justamente pelos que tanto falam em crise. Aqui não foi uma crise econômica que gerou uma crise política, e sim um ataque generalizado das elites junto com interesses internacionais (Petrobras inclusive) que usa o argumento da crise econômica. Não foi muito diferente em 1954 ou em 1964. Vale a pena lembrar a carta-testamento de Getúlio, antes de se suicidar: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário-mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.” |