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Para o ativista, juntar humor e política é uma forma de torná-la menos burocrática e distante da realidade. "Que seja menos um terror pra nós e mais um prazer"
Por Anna Beatriz Anjos, da Fórum Semanal
Ao vê-lo usando perucas, fantasias e fazendo caras e bocas, temos certeza de que está fazendo piada. Mas se engana quem pensa que ele não fala sério. Pelo contrário: apenas inverte a lógica ao tratar, com humor e ironia (muita ironia), de assuntos nada superficiais. Sua especialidade é a política, sobretudo a do Rio de Janeiro, cidade onde nasceu e vive.
"Todo mundo precisa falar de política, e a opção de fazer com humor é porque, já que é uma necessidade, que a gente pelo menos se divirta no meio do caminho, não precisa ser uma coisa chata", explica Rafael Puetter, ou Rafucko, como é mais conhecido. Aos 28 anos, ele tem mais de 110 vídeos postados no Youtube, cada um com milhares de visualizações.
Além da política, Rafucko gosta de falar sobre outros temas tão polêmicos quanto, ironizando sempre o opressor, não o oprimido. Questões LGBT, tendenciosidade da imprensa, manifestações e violência policial são alguns deles. Os dois últimos têm lhe rendido um extenso material desde o ano passado: durante a onda de protestos que estourou em junho, ele foi detido pela Polícia Militar sem motivos claros. A partir daí, satirizar as polícias, suas arbitrariedades e abusos se tornou uma questão central para Rafucko. "Isso estimulou muito a minha produção", conta.
Formado em Rádio e Televisão pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele produz todos os seus vídeos praticamente sozinho e improvisando figurino e cenário."Eu escrevo, depois atuo o que escrevi, depois edito o que atuei. No fim, realmente já estou muito de saco cheio de mim (risos). Jogo na internet e falo 'galera, agora sofram vocês'”, brinca.
Em entrevista à Fórum, Rafucko fala sobre eleições -"vai ter muita baixaria" -, Copa do Mundo - "já não está tendo Copa" -, mídia alternativa e sobre seu novo trabalho, o Talk-show do Rafucko, que está sendo financiado de forma coletiva.
Fórum – Por que juntar humor e política?
Rafucko – A nossa vida em sociedade é política. Não dá pra fugir desse assunto. Quando a gente tenta, acaba delegando poderes sobre a nossa vida a pessoas que não necessariamente têm caráter ou competência para tomar certas decisões. Todo mundo precisa falar de política, e a opção de fazer com humor é porque, já que é uma necessidade, que a gente pelo menos se divirta no meio do caminho, não precisa ser uma coisa chata. Espero que a política seja cada vez menos misteriosa, distante. Que seja menos um terror pra nós e mais um prazer. Uma coisa normal, do dia a dia, na verdade. Tanto fazer política como se informar sobre ela.
Fórum - Você acredita que o humor pode ser aplicado em qualquer situação ou há limites para isso? Se sim, como você reconhece esse limite?
Rafucko – Não chamaria de limite, mas acho que deve-se ter um cuidado. Não é em toda situação que cabe o humor, às vezes envolve outros sentimentos e precisamos ter respeito por esses outros sentimentos. É uma coisa meio subjetiva, de cada um. A minha sensibilidade é me colocar no lugar do outro. Mais do que imaginar o que eu sentiria no lugar do outro, é tentar entender o que o outro sente.
Fórum - Você participou, e ainda participa, das manifestações que eclodiram em junho do ano passado e continuam até hoje. Como essa experiência influenciou a sua produção? Já pensava em abordar temas como violência policial antes dos protestos?
Rafucko – As pautas mudaram um pouco. Não mudou, mas criaram-se novos temas. A violência policial definitivamente virou o tema central. A mídia também, sua atuação. Já falava sobre isso antes, mas com os protestos virou um dos temas principais. Acho que não só do meu trabalho, mas da discussão política e da vida de muita gente. Isso tudo também me deu muita inspiração. Muita coisa aconteceu e as questões políticas ficaram muito à flor da pele. De novo, não só pra mim. Isso estimulou muito a minha produção.
Fórum – Os protestos deram mais visibilidade a projetos que se organizam na rede, como a mídia Ninja e o seu canal no Youtube? Qual foi o impacto sobre a audiência dos seus vídeos?
Rafucko – Com certeza. Como eu já fazia vídeos relacionados à política, no início dos protestos percebi que tinha bastante gente que me reconhecia dos vídeos. Mas também percebi como isso foi crescente, como mais pessoas me reconheciam à medida em que as manifestações cresciam. As coisas que aconteciam na vida das pessoas convergiam com os temas que eu abordava, então foi natural o aumento da audiência.
Mas parando para pensar nos episódios de repressão, tem três bem pontuais que contribuíram pra isso: a minha prisão, quando a Rede Globo retirou um dos meus vídeos do ar, e agora, recentemente, que fui intimado a depor pela Polícia Civil. Essas três situações foram golpes de marketing que nem que eu tivesse planejado teriam trazido tanta audiência. Preferia que nenhum deles tivesse acontecido, mas já que aconteceram, se for pra ver o lado bom, é que realmente trouxeram uma audiência inacreditável.
Fórum – Por que você acha que esses três casos, principalmente o do depoimento na polícia civil, repercutiram tanto e que as pessoas te deram tanto apoio?
Rafucko – A minha rede sempre foi composta de pessoas que me conheciam, e depois de amigos de amigos, e de pessoas que me conheciam na rua. Tem uma coisa bem pessoal. O apoio vem, primeiro, de quem me conhece. Mas aí tem também as pessoas que se identificam comigo, com o meu trabalho e com as situações. Quando sou intimado a depor, definitivamente não sou o primeiro nem o único. Estou sempre nas manifestações, ando de ônibus. Sou uma dessas pessoas, sou um manifestante, não estou representando. E sempre fui em manifestações. Claro que, ao longo do tempo, fui amadurecendo e entendendo melhor qual é o papel disso tudo.
[caption id="attachment_2630" align="aligncenter" width="378"] Rafucko foi prestar depoimento na Polícia Civil vestido de William Bonner Sexy. Ele faz parte de um processo interno da instituição aberto contra o delegado Orlando Zaccone depois de uma denúncia de Reinaldo Azevedo, colunista da Revista Veja (Foto: Carmen Astrid)[/caption]
Fórum – Ainda em relação a esses projetos e iniciativas que se desenvolvem na rede: qual a sua importância na divulgação de uma versão alternativa dos fatos, diferente da que promove a mídia tradicional?
Rafucko – Independente de qual seja, acho que precisa haver uma fonte de mídia alternativa. As pessoas têm que se acostumar a não ouvir só de uma fonte. No Brasil, a gente sabe que há um monopólio da comunicação, por isso é muito importante que outras pessoas tenham voz, pois os grandes grupos são sustentados por interesses financeiros e políticos. É importante que se fortaleçam esses meios que surgem de forma mais espontânea. Podem até ser comerciais, mas que priorizem a informação, o debate, o papel original da imprensa, que é social. Isso se perdeu um pouco, mas acho que a rede é uma oportunidade da gente retomar esse papel.
Fórum - Já sofreu algum tipo mais sério de intimidação ou ameaça por conta dos seus vídeos?
Rafucko – Não, nunca.
Fórum – Agora, falando um pouco de eleições presidenciais: como você acredita que se dará a disputa entre os três candidatos principais – Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos?
Rafucko – Sem nenhuma dúvida, vai ter muita baixaria, porque são três candidatos que já se mostraram dispostos a ir para esse lado. Baixaria eu digo no sentido de acusar os outros, de mentir, de assumirem compromissos que não vão cumprir – e todo mundo que ouve já percebe isso desde o início. Baixaria também no sentido da falta de comprometimento. Esses temas polêmicos – descriminalização das drogas, diminuição da maioridade penal, aborto – serão abordados muito na tentativa de encurralar o outro, porque todos eles dependem do apoio de grupos financeiros e conservadores. Não acredito que algum deles esteja disposto a fazer as mudanças que o Brasil precisa e acho que a briga vai ser menos por assumir compromissos verdadeiros e mais por encurralar os outros, para ficar naquele discurso de “o menos pior”. É o que o PT está fazendo, o que a direita também faz. Já o Eduardo Campos, admito que ainda não entendi direito o que ele é.
Fórum – Você pretende se posicionar a favor de alguém?
Rafucko – A princípio, prefiro focar nos debates. Honestamente, estou meio descrente. Acho que os candidatos têm muito rabo preso. Talvez eu possa contribuir mais para o debate, e aí cada um toma a sua decisão, baseada na sua consciência. Não quero deixar de participar dessas discussões.
Fórum – O que você pensa, em termos de produção, para as eleições neste ano?
Rafucko – Estou maturando ainda as ideias. Estou um pouco preocupado sobre a forma com que vou me sustentar, porque quero muito me dedicar às eleições. Vou ter que ter tempo de fazer trabalhos alternativos, freelancers, para ganhar dinheiro. Mas estou tentando me planejar para ter o máximo de tempo disponível para isso. Vai ter muito material, com certeza. Já tenho muitas ideias, mas acho que tem que esperar passar a Copa, também. Durante a Copa não vai ter mundo (risos).
Fórum - E no Rio de Janeiro? Como você, que é carioca, acha que será a corrida eleitoral em um cenário com Pezão, Lindbergh, Garotinho, Crivella e Maia?
Rafucko – Falei baixaria pra eleição presidencial, mas, na verdade, a eleição do Rio é que vai ser muito, muito baixa. São candidatos que já tiveram cargos muito importantes na política do Rio e já demonstraram que são péssimos. Muitos deles já estiveram até juntos. O Garotinho traz o debate pra um nível muito baixo, e os outros ficam na tentativa de não se prejudicar tanto por essas baixarias trazidas por ele, acho que todos vão se atacar.
Fórum – Quais são seus projetos para a Copa do Mundo? E o que pensa sobre as manifestações que carregam a bandeira do “Não Vai Ter Copa”?
Rafucko - Por enquanto, pretendo só estar presente nos protestos e contribuir de alguma forma para que a gente não tenha um cenário de violência tão grande como o que talvez tenhamos. Quanto às manifestações, o grito “não vai ter copa” é muito importante, é mais do que “não vai ter competição”. Na verdade, provavelmente os jogos vão acontecer. O “não vai ter copa” é mais simbólico. Por exemplo, em 2013, tivemos a Copa das Confederações no Brasil, mas se você for pensar nisso daqui a alguns anos, ou até hoje, o que é 2013 na história do Brasil? É o ano dos grandes protestos. Não teve Copa das Confederações. Se pararmos pra pensar em quanto a gente está discutindo política, protestos, em quanto o Brasil está debatendo a si próprio. Isso está muito mais intenso do que a Copa que já não está tendo Copa. Não está um clima de festa. Eu, pelo menos no Rio, sinto um clima muito pesado, nada parecido com outras copas do mundo que nem eram aqui.
Em relação à forma de manifestação, acho que cada um tem a sua forma, também devemos debater isso. Mas não podemos usar a quebra das vidraças de um banco para justificar a violência policial. Absolutamente nada justifica que a polícia cometa crimes, que, mais do que violenta, ela saia da lei. Não consigo ver uma situação que peça isso. Na verdade, a polícia se tornou um tema central porque nossos governantes não responderam às demandas da população com política, mas sim com polícia. Eu consigo entender a revolta das pessoas e acho que é perigoso não ouvir as demandas da população por muito tempo. A gente tem esse cenário de violência de todos os lados que poderia ter sido evitado se as demandas tivessem sido atendidas.
Fórum - Conte um pouco do seu novo projeto, o Talk Show do Rafucko. De onde veio a ideia, como tem sido a produção?
Rafucko – Na verdade, essa ideia eu já tinha há um ano, mas não tinha coragem. A ideia não estava tão madura, mas um dia olhei pra tudo que já tinha pensado sobre esse assunto e falei “cara, acho que já está na hora de botar pra frente.” É uma evolução do trabalho que vinha fazendo, de explorar formatos e fazer tudo de dentro do meu quarto – um noticiário, uma novela, um vídeo de humor e dessa vez um talk show. Mas percebi que, pra esse talk show ficar interessante, tinha que ter pelo menos um entrevistado, não dava pra interpretar os dois. Percebi também que ficaria legal fazer direito, com mais gente, porque se fosse só eu produzindo e a câmera desse problema, por exemplo, o cara teria vindo à toa.
Chamei alguns amigos pra fazer junto comigo, câmera, som, edição, até pra dar conta da produção. E quero muito acreditar que existe outra forma de fazer mídia que não apenas se vendendo para grandes meios que controlam as produções, e queria muito que todo mundo que estivesse no projeto ganhasse um salário que não é o preço de mercado, é abaixo, mas que fosse justo. Estou muito feliz, falta uma semana pra acabar e 6 mil reais, acho muito que vamos atingir a meta. É uma satisfação, mais do que realizar o talk show, acreditar que é possível, e talvez de alguma forma todo mundo que está contribuindo esteja também tomando essa consciência, de que a gente às vezes precisa cortar o intermediário. Às vezes você precisa financiar diretamente o que quer ver. É uma nova dinâmica possibilitada pelas redes, por essas novas ferramentas que temos.
Fórum - Como funciona a produção dos seus vídeos? Você faz tudo sozinho mesmo ou tem a ajuda de alguém? Dá pra produzir sem gastar muito?
Rafucko – Teoricamente faço sozinho, mas meus amigos me ajudam bastante. Geralmente, tenho a ideia, escrevo, produzo tudo, fecho a porta do meu quarto e começo a filmar sozinho, com a câmera no tripé. Na verdade, tenho um pouco de vergonha (risos) de ficar interpretando de peruca uma parada completamente absurda. Se tiver alguém vendo, fico meio nervoso, prefiro fazer sozinho. Sei que no final muita gente vai ver, mas pelo menos ali, no momento em que está acontecendo, não tem ninguém. Mas meus amigos me ajudam muito, com figurino ou até mesmo com as ideias, elas surgem de conversas. É meio injusto falar que faço sozinho. Escrevo, depois atuo o que escrevi, depois edito o que atuei. No fim, realmente já estou muito de saco cheio de mim (risos). Jogo na internet e falo “galera, agora sofram vocês.”
Quanto ao custo, eu improviso muito. Às vezes não dá pra perceber, às vezes dá, mas amarro panos, invento com o que tenho em casa. Peruca é tudo da Uruguaiana, que é tipo a 25 de Março do Rio. O maior problema é que toma muito tempo. A questão de verba, pra mim, é o aluguel, a comida, o lazer que preciso pagar, e preciso desse tempo pra fazer trabalhos que me deem dinheiro.
Fórum – Você é formado em Rádio e Televisão pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e, há algum tempo, tinha um emprego fixo. Como foi a decisão de desistir dessa vida estável, padronizada, e investir no que realmente gosta?
Rafucko – Foi difícil. Vendo hoje, foi uma decisão que demorou 25 anos. Tinha saído de um trabalho, meu dinheiro estava acabando, e percebi que ou eu voltava pra um emprego muito ruim – tinha uma oportunidade de emprego que era muito burocrática – ou tentava algo diferente. Foi quando comecei a perder o senso do ridículo completamente e fazer vídeos atuando comigo mesmo. Foi uma coisa bem visceral, era tudo ou nada, “apenas faz”. Daí em diante, fui me ajeitando. Ainda peguei alguns trabalhos chatos, e pego de vez em quando, hoje em dia, mas aí já é mais fácil de aceitar porque levo a sério essa parte de que gosto. Virou um trabalho sério.
Foto de capa: Reprodução/Youtube